Invest

O limbo dos mercados: shutdown paralisa governo dos EUA, mas não o rali de Wall Street

Mesmo com ausência de dados cruciais, S&P 500 e Dow renovam máximas, puxados por tecnologia e apostas no Fed

Publicado em 6 de outubro de 2025 às 05h56.

Com o governo dos Estados Unidos parcialmente paralisado desde terça-feira, 1º, investidores e analistas enfrentam um cenário de incerteza econômica sem precedentes — mas isso não impediu que os mercados continuassem a bater novos recordes.

Mesmo diante da suspensão de dados econômicos essenciais, como o relatório de empregos de setembro, o S&P 500, o Dow Jones e o Nasdaq renovaram suas máximas históricas ao longo da semana passada.

A paralisação, causada por um impasse no Congresso por conta do orçamento federal, já levou à suspensão temporária da divulgação de indicadores do Bureau of Labor Statistics (BLS), do Bureau of Economic Analysis e do Censo dos EUA. Um dos principais dados adiados foi o relatório de empregos, ou payroll — importante para a decisão do Federal Reserve (Fed) sobre os juros.  

Sem esses dados, investidores (e o Fed) estão “voando às cegas” sobre o real estado da economia norte-americana.

Mesmo assim, o rali da bolsa continua. “Toda notícia é boa, e nenhuma notícia importa”, afirmou Steve Sosnick, estrategista da Interactive Brokers, ao Yahoo Finance.

Dow Jones supera 47 mil pontos e bolsas renovam máximas

Na sexta-feira, 3, o Dow Jones subiu 0,51% e fechou pela primeira vez acima dos 47 mil pontos. O S&P 500 avançou para 6.715 pontos, novo recorde, enquanto o Nasdaq, mais sensível às ações de tecnologia, recuou 0,28% puxado por perdas em papéis da Tesla (TSLA).

Segundo dados da LPL Financial, em todas as paralisações do governo desde 1995, o S&P 500 teve desempenho positivo durante o shutdown. O histórico mostra que o mercado costuma tratar esses eventos mais como “barulho político” do que como ameaças reais aos fundamentos da economia.

“A história basicamente mostra que shutdowns do governo têm sido mais eventos de manchete do que eventos que afetam os resultados”, afirmou Sam Stovall, estrategista da CFRA Research, à CNN.

IA e juros baixos mantêm o apetite por risco

O apetite por ações é sustentado por dois pilares principais: a expectativa de cortes na taxa de juros pelo Fed e a empolgação com a inteligência artificial (IA).

Desde os anúncios da "Liberation Day" do presidente dos EUA, Donald Trump, há seis meses, o S&P 500 já subiu 25%.

Jeff Bezos, fundador da Amazon, alertou que “a linha entre inovação e exagero está se tornando difícil de distinguir na atual febre por IA”.

Durante a Italian Tech Week, ele destacou que a tecnologia é real e transformadora, mas que há muitos projetos duvidosos sendo financiados ao mesmo tempo.

A analista Ann Miletti, da Allspring Global Investments, compartilha a preocupação. “São essas pequenas bolhas que me preocupam. Quando você vê coisas assim, geralmente não é algo bom”, disse ela, segundo a CNBC.

Ainda assim, a IA segue sendo o motor do mercado, com investidores apostando que a tecnologia ajudará a elevar a produtividade e a compensar pressões inflacionárias no médio e longo prazo.

Falta de dados oficiais limita visão sobre emprego e inflação

Com o shutdown, diversos relatórios cruciais foram suspensos, incluindo os dados mensais de emprego, inflação e comércio exterior. Isso coloca o Fed em posição delicada, já que suas decisões dependem diretamente dessas informações.

“Temos dados do setor privado que nos dão algumas informações, mas não estão no mesmo nível dos dados do governo. Então estamos um pouco no escuro”, disse Kathy Jones, estrategista da Charles Schwab, ao Yahoo Finance.

ADP e ISM divulgaram indicadores alternativos nos últimos dias. O relatório da ADP mostrou que o setor privado eliminou 32 mil postos de trabalho em setembro — sinal de desaceleração. Já a consultoria Challenger, Gray & Christmas apontou que os planos de contratação chegaram ao menor patamar em 16 anos.

“Não há um bom momento para um shutdown, mas este está particularmente mal programado. A falta de dados atualizados sobre o mercado de trabalho coincide com outros sinais de fragilidade na economia", afirmou Mark Hamrick, analista sênior da Bankrate, à CNN.

O Fed está de mãos atadas?

A próxima decisão do Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC, na sigla em inglês) está marcada para 29 de outubro. Até lá, é incerto se o Fed terá acesso aos dados de emprego e inflação que tradicionalmente embasam suas decisões.

Investidores já precificam uma chance de 97,8% de novo corte de 0,25 ponto percentual na próxima reunião, segundo dados da CME Group.

Caso o shutdown se estenda, cresce a possibilidade de o banco central ter que agir com base em informações incompletas ou atrasadas.

A ata da reunião de setembro, prevista para esta semana, deve trazer sinais sobre o pensamento do recém-nomeado governador Stephen Miran, que defende cortes mais agressivos.

Metais e ativos defensivos disparam

A alta nos mercados não se limita às ações.

Os metais preciosos também têm se valorizado. O ouro subiu 26% em 2025, alcançando US$ 3.908 por onça. A prata acumula ganho de 49% e o paládio sobe 65% no ano.

A queda de quase 10% no índice do dólar tornou os metais mais atraentes para investidores internacionais, enquanto o receio sobre a autonomia do Fed elevou ainda mais a atratividade do ouro como porto seguro.

Perspectivas e riscos no horizonte

Apesar do otimismo no curto prazo, os riscos continuam no radar. Analistas alertam que os valuations atuais estão elevados, com múltiplos de preço-lucro se aproximando dos níveis da bolha das pontocom em 2000.

Analistas alertam que, se os lucros não crescerem como esperado, o mercado pode ter de se ajustar — o que poderia resultar em quedas nos preços das ações.

Empresas como PepsiCo, Delta Air Lines e Levi Strauss divulgam seus balanços nesta semana, dando início à temporada de resultados. Analistas projetam crescimento de 8% nos lucros das companhias do S&P 500 em relação ao ano anterior.

Shutdown pode ser breve, mas impacto dependerá da duração

Segundo o Bank of America, as 20 paralisações anteriores do governo duraram em média oito dias. Menos da metade passou desse período. Por isso, ainda há esperança de que o impasse atual não comprometa a próxima reunião do FOMC.

Porém, quanto mais longa a paralisação, maior o risco de desaceleração da atividade econômica no quarto trimestre.

Acompanhe tudo sobre:MercadosDólarEstados Unidos (EUA)Donald Trump

Mais de Invest

Rivian planeja mudar design de maçanetas para próximo SUV em meio a debate sobre segurança

Efeito Cantillon: o que é, como funciona e relação com a inflação

Ozempic sem injeção? Pílulas podem desbancar as famosas canetas, diz Novo Nordisk

Fundador do Peixe Urbano explica por que a 'febre de 2010' chegou ao fim