Kraft Heinz: cisão cria unidades separadas para molhos e mercearia na América do Norte (Getty Images/Divulgação)
Publicado em 4 de setembro de 2025 às 06h00.
Última atualização em 4 de setembro de 2025 às 06h49.
Se o assunto é casamento, empresas são como pessoas. Esperam por uma relação próspera ao se unirem, mas se as coisas ficam estagnadas, pode não fazer mais sentido continuar com ela.
É isso o que grandes conglomerados alimentícios têm enfrentado nos últimos anos. São corporações que ganharam o tamanho que têm por conta das fusões e aquisições que fizeram nos anos dourados da relação.
Mas ficaram tão grandes que perderam a eficiência. A química que fazia o negócio funcionar.
E assim como os relacionamentos que caem na rotina, também perdem a capacidade de inovar. Aí o divórcio é inevitável.
O caso mais recente é o da Kraft Heinz, que vai praticamente desfazer a fusão que a tornou a quinta maior empresa do mundo em alimentos e bebidas, 10 anos atrás. O conglomerado chegou a valer US$ 112,27 bilhões em maio de 2017. Hoje, seu market cap está ao redor dos US$ 30 bilhões.
A divisão em duas empresas independentes, uma de produtos alimentícios e outra de molhos e pastas, vai se concretizar no segundo semestre do ano que vem. A empresa justificou a separação, dizendo que é uma medida para reduzir complexidade e "destravar valor".
Não faz muito tempo, uma outra companhia também passou por uma cisão, alegando motivos semelhantes. Em 2023, a Kellogg se dividiu em Kellanova, dona de um portfólio de snacks que possui a marca Pringles, e a WK Kellogg Co., dona dos sucrilhos Kellogs.
Antes da cisão, o valor de mercado da Kellog era de US$ 20,37 bilhões. Hoje, as duas empresas que antes eram uma só, somam quase US$ 30 bilhões de market cap.
Nem a Unilever escapou da crise matrimonial, ao desmembrar a divisão de sorvetes do grupo. Unilever, com a criação da Magnum Ice Cream Company a partir do desmembramento da divisão de sorvetes do grupo.
A separação faz parte de uma estratégia da Unilever para focar em áreas com crescimento mais acelerado e melhorar a eficiência operacional. A unidade de sorvetes gerou € 8,3 bilhões (US$ 9,6 bilhões) em receitas no ano passado e responde por cerca de 20% do mercado global, segundo o Barclays.
A nova companhia deve ser listada na bolsa de Amsterdã ainda em 2025, de acordo com informações da Reuters.
A consultoria McKinsey fez uma provocação sobre a crise nos conglomerados em um artigo publicado no ano passado.
“O valor total de um conglomerado deveria ser menor que o valor de suas empresas operacionais, se cada negócio fosse mensurado individualmente? A resposta é não, claro que não.”
Mas na prática, é isso o que tem acontecido, seja por entraves financeiros vividos pelas corporações, problemas de gestão ou modelos de negócio ultrapassado.
O chamado "desconto de conglomerado", muitas vezes já ocorre no momento em que as operações se casam. A lógica principal por trás de combinações de fusões é “se um mais um vai dar mais que dois”, explica Gustavo Camargo, sócio e líder da prática de Private Equity da Bain na América do Sul.
Mas essa conta só fecha quando sinergias "compensam a dor de cabeça", diz o executivo.
E por que as empresas se separam? Para Camargo, o maior erro é ser “otimista demais na hora de pensar na dificuldade de execução”.
EXAME: Qual é o racional por trás da formação dos grandes conglomerados?
Gustavo Camargo: Podem ser muitos fatores que funcionam como catalisadores. Via de regra, o catalisador não faz uma reação, ele só deixa uma reação mais fácil de acontecer. O que está por trás das histórias de compras que dão certo, que geram muito valor, é quando a operação diminui o risco da estratégia de uma empresa. É uma empresa que está crescendo muito no setor e que poderia fazer aquilo sozinha, mas tem a oportunidade de comprar outra. Aquilo faz sentido e melhora a estratégia deles, ou seja, essa compra gera valor.
Ambientes em que o custo do dinheiro está um pouco mais barato, facilitam isso, mas não não são uma justificativa por si só. As empresas não fazem negócios porque o dinheiro está barato. Os negócios acontecem porque reforçam suas estratégias. Mas, claro, taxa de juros, previsibilidade e a condição financeira das empresas contribuem com um maior volume de fusões e aquisições.
EXAME: E por qual motivo, anos após as fusões, muitos conglomerados acabam se separando?
Gustavo Camargo: Pelo mesmo motivo que se juntam. A lógica principal por trás de combinações e de fusões é se um mais um vai dar mais que dois. A combinação dos dois negócios gera um valor. A gente chama isso de sinergia. É ver se a geração de sinergias compensa a dor de cabeça.
E se a empresa se "quebra" em mais de um negócio é pela mesma razão. Porque os administradores e acionistas têm convicção de que aqueles dois negócios separados vão andar melhor se estiverem separados. Os negócios, quando juntos, têm uma complexidade maior de gestão, o que pode deixar a operação mais cara e mais devagar.
Essas grandes fusões e cisões geralmente são de empresas listadas em bolsa e muitas vezes elas acabam sendo provocadas pelos seus acionistas. Tem um grupo de controle, mas tem outros grupos de acionistas minoritários, que vão lá e começam a provocar, falam assim: “Olha, eu estou comprando ações dessa empresa porque eu estou achando que ela está mal gerida". Essas provocações aceleram programas de cisão.
EXAME: As cisões nos conglomerados de alimentos e bebidas são uma tendência ou pontuais?
Gustavo Camargo: Acho que não tem nada estrutural. Os administradores estão o tempo todo buscando oportunidades de servir melhor sua base de clientes, aproveitar melhor as marcas, identificando o que pode trazer para dentro da empresa para acelerar o crescimento delas.
Quando a gente olha ao longo da história das grandes empresas de bens de consumo, elas usam as fusões e aquisições como parte da estratégia de inovação. Mas acredito também que perceber a hora em que aquele conglomerado não é o melhor “pai” para aquela marca, acho que também é uma forma muito madura e positiva das empresas irem gerenciando o seu portfólio, com negócios separados.
Se estamos tendo mais fragmentação ou mais consolidação? Eu acho que a gente consegue ver as duas coisas acontecendo ao mesmo tempo. Talvez em alguns momentos podemos acabar vendo um pouco mais de uma coisa, ou vendo um pouco mais da outra, mas fazem parte do mesmo ciclo.
EXAME: E o que dá para esperar daqui para frente?
Gustavo Camargo: Os grandes conglomerados se desafiam o tempo todo e vão continuar encontrando momentos em que trazer para dentro novas empresas e combinar negócios vai ser bom, e eventualmente vão encontrar momentos em que cindir marcas ou mesmo cindir pedaços inteiros da empresa vai ser a melhor forma de gerar valor.
Os conglomerados de alimentos têm que topar a ideia de ter várias marcas locais que ela não vão conseguir levar para todos os lugares do mundo e saber que em alguns mercados vai competir com grandes marcas globais.
Se a gente pensar nos grandes conglomerados de quatro, cinco décadas atrás, muitos deles não estão mais por aí, mas muitos estão e continuam se transformando. Acho que não tem nenhum motivo para nas próximas décadas não continuar mantendo as mesmas condições de fusões. E cisões.