Fabiano Godoi: sócio-fundador da Kairós Capital e ex-presidente do Safra Asset Management (Kairós Capital/Divulgação)
Guilherme Guilherme
Publicado em 15 de novembro de 2020 às 07h00.
Última atualização em 16 de novembro de 2020 às 10h26.
Embora otimista quanto ao desempenho de ativos de risco no mundo, Fabiano Godoi, sócio-fundador da gestora Kairós Capital e ex-presidente do Safra Asset Management, avalia que há um grande risco de a economia brasileira "perder o bonde" da recuperação global projetada para o próximo ano.
Temeroso da condução fiscal no país, o gestor com mais de duas décadas de experiência precisou tomar uma decisão dura em sua gestora, que montou há cerca de dois anos: reduzir para menos de um terço a exposição a ativos brasileiros.
"Estamos mais desconfortáveis com o Brasil por conta da falta de senso de urgência para endereçar os problemas fiscais por parte do Executivo e do Congresso. Dado que já estamos com endividamento brutal, há o risco de ser revertido todo esse processo de queda de inflação e taxa de juros a níveis que a gente nunca tinha visto", afirmou à EXAME.
"O que quero dizer é que hoje estamos fazendo um piquenique na beira do vulcão", disse Godoi. A Kairós tem mais de 500 milhões de reais sob gestão com o fundo multimercado Kairós Macro.
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Apesar de ver o Brasil muito próximo de cair de um precipício devido ao agravamento da dívida, que caminha para fechar o ano próxima de 100% do PIB, Godoi deposita sua esperanças no histórico da cultura brasileira para que essa situação seja revertida. "Estamos muito mais próximos do momento em que o senso de urgência vai bater tanto no Congresso quanto no Executivo, mas é possível que a gente tenha que ver um pouco mais de dor nos preços dos ativos antes que as decisões corretas sejam tomadas, infelizmente."
Por outro lado, o resultado das eleições americanas, com Joe Biden na presidência e um provável Senado de maioria republicana, foi visto de maneira positiva, uma vez que, segundo ele, favorece as relações internacionais dos Estados Unidos e limita a atuação democrata na proposição de pautas desfavoráveis ao mercado. Confira a entrevista à EXAME:
EXAME: Como a vitória de Joe Biden e a provável maioria republicana no Senado impactam o mercado?
Fabiano Godoi: A primeira coisa que muda é que você tira a incerteza da frente. O mercado odeia incertezas e prefere certezas, mesmo que não tão desejáveis. Segundo: a configuração de presidência e Câmara democratas e Senado republicano é interessante para o mercado, porque garante que [o governo] não caminhará para o extremo. Me parece uma foto boa para ativos de riscos de forma geral.
Uma “onda azul” não seria positiva?
Talvez houvesse a implementação de políticas que não fossem tão favoráveis ao mercado, como a volta dos impostos (para as empresas) cortados por Trump. Isso ajudou as bolsas a subirem. Se tivesse uma volta, não poderia ser bom. Com um Senado republicano, a probabilidade de implementação de grande parte da agenda democrata fica mais difícil. No mínimo, a devolução do corte de impostos fica prejudicada para os dois próximos anos, até a eleição de meio de mandato, em 2022.
É de se esperar um relacionamento mais amistoso com a China?
No último um ano e meio, o Congresso americano passou quase que por unanimidade legislações desfavoráveis à China. O que acho que vai ser diferente é a postura. Trump sempre teve uma postura mais belicosa. Ele colocava primeiro o bode na sala para depois ver como resolvia o problema. O Biden deve ter uma postura muito mais protocolar. O relacionamento vai ser menos Twitter e mais canais diplomáticos. As nuvens pretas dessa geopolítica tenderão a ficar menos carregadas.
O pacote de estímulo deve ficar só para quando Biden assumir?
Tanto democratas quanto republicanos vão tentar algum estímulo adicional. O próprio Fed (o banco central americano) vem insistindo que é importante ter novos estímulos. Então é natural imaginar que vai ter um incentivo. É possível que venha antes do fim do ano. E mesmo que não venha, acho que vamos ter um novo pacote depois da posse. Só não acho que vai ser tão grande quanto poderia ser em um governo unificado. Como possivelmente não vai ser isso (depende de segundo turno na Georgia), o pacote deve ser um pouco menor.
Esse "caminhão" de estímulos que também vem de bancos centrais pode bater na inflação?
Acho que sim. Em algum momento vai bater na inflação. Mas ainda está longe desse processo. O mundo inteiro teve forte queda do PIB neste ano. Então vai levar um bom tempo até que se chegue ao esgotamento das atividades, sejam produtivas ou de mão de obra. A gente está a uns dois anos ou mais de ter inflação forte no mundo a ponto de forçar os bancos centrais a subirem taxas de juros. Mas com a enormidade de estímulos é inevitável que a gente tenha uma inflação forte mais na frente.
Você está animado com o cenário de para investimentos no Brasil?
Estamos mais desconfortáveis com o Brasil por conta da falta de senso de urgência para endereçar os problemas fiscais por parte do Executivo e do Congresso. Dado que já estamos com endividamento brutal, há o risco de ser revertido todo esse processo de queda de inflação e taxa de juros a níveis que nós nunca tínhamos visto.
Enquanto não soubermos qual vai ser a condução da situação fiscal, vamos continuar bastante reticentes em relação aos ativos brasileiros. O que quero dizer é que hoje estamos fazendo um piquenique na beira do vulcão. Se não endereçarem os problemas, por mais barato que fique a bolsa, por mais convidativa que fique a curva de juros, vai ser difícil ficar otimista com o Brasil.
Então o Brasil pode não acompanhar o cenário global favorável para os ativos de risco?
Se nós não ajudarmos em nos ajudar, pode ser que a gente perca esse bonde de recuperação econômica global. Vamos correr o risco de ter uma situação muito difícil em que o Banco Central terá que subir a taxa de juros porque teremos expectativas de inflação crescentes por causa do déficit público.
Como você avalia a chance de o Brasil sair dessa situação?
O Brasil nunca faz coisas boas suficientes para dar certo como país, mas não faz coisas erradas o suficiente para caminhar em uma direção ruim, como caminhou a Argentina ou a Venezuela. Por esse ponto de vista, estamos muito mais próximos de um precipício. E, quando isso acontece, normalmente tomamos decisões certas. Estamos muito mais próximos do momento em que o senso de urgência vai bater tanto no Congresso quanto no Executivo, mas é possível que tenhamos que ver um pouco mais de dor nos preços dos ativos antes que as decisões corretas sejam tomadas, infelizmente. Por isso estamos reticentes em ter ativos de risco no Brasil.
Quando se olha o longo prazo, há oportunidades na bolsa brasileira?
Existem empresas com vantagens competitivas importantes, como a Vale. Temos minério de altíssima qualidade no Brasil, com custo de produção muito bom e um grande comprador que se saiu da crise melhor que o resto do mundo, que é a China. Uma empresa como a Vale tem tudo para continuar apresentando bons resultados por muitos anos.
Temos que olhar para empresas que sempre entregaram resultados e ficaram muito baratas na crise. Esse é o caso dos bancos. Muita gente chegou a pensar que eles não iriam mais existir. Mas eles vão continuar entregando bons resultados. Nós continuamos achando também que é um setor que tem bastante valor para carregar posições por mais tempo.
Quando o senhor olha para fora, em quais mercados enxerga as melhores oportunidades?
Os emergentes asiáticos estão se saindo muito melhor na pandemia. Primeiro porque tiveram queda de atividade econômica muito menor que outros emergentes. Segundo porque saíram na frente na recuperação. Claramente, os emergentes asiáticos estão em uma situação muito melhor do que a nossa.
Mesmo quando olhamos países da América Latina. O México não fez quase nenhum estímulo fiscal e por conta disso seu PIB vai cair perto de 9%, mas sua relação dívida/PIB deve ficar perto de 60%, muito mais baixa que a nossa (perto de 100%). Me parece que quando se olha para emergentes, o Brasil, infelizmente, está bem mais para baixo na lista de prioridades, seja olhando os asiáticos ou outros emergentes ocidentais que estão com situação fiscal bem melhor que a nossa.
Foram exageradas as medidas emergenciais no Brasil?
Não digo que foi exagerado. Não se sabia qual era o nível de impacto do vírus na vida das pessoas e na atividade econômica. Não acho errado, nesse caso, pecar pelo excesso. O que é o grande problema -- e, infelizmente, é assim no Brasil -- é que quando abre a porteira para um gado, todo o restante quer ir atrás. O país vinha com uma postura de controle de gastos bem forte que continuou no primeiro ano do governo Bolsonaro.
Mas, de repente, trombamos no muro e voltamos muitas casas. No momento seguinte, vimos dentro do Executivo e do Congresso uma bateção de cabeça. Não podemos esquecer que vamos ter eleições nas duas casas (Câmara e Senado, no início de 2021), com seus respectivos presidentes lutando por mudança de regras para que possam continuar. Não é só a eleição municipal que está dificultando os processos, também é a mudança no parlamento.
O Rodrigo Maia defende a manutenção do teto de gastos e a responsabilidade fiscal. Seria ruim para o mercado a sua saída?
No mínimo seria uma incerteza. Hoje o Rodrigo Maia é uma certeza. O mercado tem uma razoável noção de como ele pensa e do que ele pretende fazer. Qualquer outro deputado -- e não é juízo de valor -- representará uma incerteza. Principalmente quando lembramos que ele é um dos principais aliados na manutenção do teto de gasto e de certo controle fiscal. É claro que essa disputa é algo que atrapalha o preço dos ativos.