Neflix: companhia cresce acima das expectativas de analistas (Rafael Henrique/SOPA Images/LightRocket/Getty Images)
Nesta terça-feira,12 a mídia americana divulgou a notícia que a Netflix (NFLX34) estaria tentando renegociar seus acordos de programação com grandes estúdios de entretenimento.
O objetivo da Netflix seria permitir que o conteúdo seja disponibilizado em uma versão do serviço apoiada por publicidade.
Entre os estúdios com os quais a Netflix iniciou as negociações estariam a Warner Bros e a Sony Pictures Television.
Esse é mais um sinal da estratégia de reposicionamento da Netflix no mercado, tentando se reinventar para fazer frente aos novos desafios do streaming.
Além das negociações divulgadas pela imprensa dos EUA, outro sinal claro de que algo na Netflix está mudando veio da última temporada da série Stranger Things.
Os primeiros episódios foram disponibilizados no dia 27 de maio e os dois finais em 1º de julho.
Uma verdadeira revolução em relação a um dos pilares da filosofia da Netflix: o "maratonar" séries.
Lançar todos os episódios ao mesmo tempo se tornou uma marca registrada do sucesso planetário da plataforma de vídeo.
Quase um orgulhoso diferencial em relação aos concorrentes como:
que sempre lançaram, ao longo da semana os episódios da nova série.
Que Stranger Things represente o início do fim do modelo de lançamento compulsivo da Netflix?
Mas a questão vai além das "maratonas" de séries, e abrange toda a mudança estrutural que a Netflix está levando adiante, em um dos momentos mais difíceis para a empresa fundada e liderada por Reed Hastings.
O tumultuado crescimento de assinantes (24 milhões em 2011 e mais de 220 milhões e 2022) deixou espaço para a série de demissões e colapso do valor das ações.
Para a Netflix, essas não são experiências usuais, já que a empresa estava acostumada a aumentos aparentemente infinitos de assinantes e negócios acelerados pelos efeitos da pandemia de covid-19.
Só que no último trimestre essa tendência se reverteu, e do aumento de assinantes se passou para uma perda sempre precedentes de usuários mundo afora: 200 mil pessoas cancelaram seus planos.
E o pior poderia vir com os dados do segundo trimestre do ano, que serão divulgados no dia 19 de julho, com 2 milhões de assinantes a menos esperados pelos analistas.
Também por isso que as ações na Nasdaq caíram 65% desde o início do ano.
E em um esforço para controlar os custos, a empresa começou a cortar funcionários, cortando rapidamente 450 empregos, cerca de 6% do total.
É assim que a Netflix aposta em uma série de reformas para tentar reverter esse declínio.
Em primeiro lugar, o fim do compartilhamento de senhas entre assinantes.
Segundo a plataforma de streaming, seriam 100 milhões de famílias que hoje compartilhariam suas senhas, prejudicando seu faturamento.
Mas outra grande mudança é o lançamento de um novo serviço de baixo custo suportado por publicidade.
Não há confirmações oficiais, mas essa "Netflix low cost" poderia chegar ainda no quarto trimestre deste ano.
A chegada da propaganda é um verdadeiro avanço.
Até agora, os anunciantes eram um tabu para o fundador Hastings, que fez da simplicidade da assinatura o mantra da Netflix e o elemento de diferenciação.
Entretanto, as contas impuseram uma mudança radical.
A Netflix estaria estudando parcerias, como com o Google e a Comcast, para tornar tecnicamente possível uma plataforma suportada por anúncios.
Até porque uma virada para a publicidade também deveria ocorrer com o grande rival, Disney+.
A virada em direção da publicidade é algo que deixa a Netflix mais próxima da TV e da mídia tradicional.
Um mundo do qual a Netflix tentou se distanciar, mas ao qual parece estar se aproximando cada vez mais para tentar contornar essa fase.
A proposta de lançar programas de entretenimento ao vivo, ou a transmissão de eventos esportivos o até de corridas de Fórmula 1 fazem parte dessa estratégia de tentar dar volta por cima.
Mas é o modelo de negócios da Netflix que está sendo colocado em xeque.
A plataforma de streaming cresceu na base de gastos intensos para a produção de conteúdo próprio. Milhões de dólares investidos ao longo dos anos, com o efeito imediato de aumentar o endividamento, que alcançou US$ 14,5 bilhões no último trimestre.
Com as taxas de juro baixas, os custos de financiar essa dívida também estiveram sob controle.
Entretanto, as políticas monetárias restritivas dos Bancos Centrais do mundo inteiro estão deixando o pagamento da dívida cada vez mais complicado.
Por outro lado, os números da Netflix ainda mostram uma certa robustez.
No primeiro trimestre de 2022 as receitas foram de US$ 7,8 bilhões, o lucro de US$ 1,6 bilhão, e a receita média para cliente (Average Revenue Per User) foi de US$ 11,75 em todo o mundo.
Na competição com as plataformas concorrentes, a Netflix se destaca em quase todas as áreas.
E os concorrentes também enfrentam os mesmos problemas: gastos intensos para produção de conteúdo, ritmo menor de assinantes e dificuldades em monetizar.
Por isso, se as ações da Netflix afundaram na Nasdaq, os papéis dos concorrentes também não estão tendo um desempenho muito melhor.
A Disney (DISB34) perdeu cerca de 40% desde o início do ano, a Warner Bros.-Discovery (W1MG34) caiu quase pela metade, a Comcast (CMCS34) e a Paramount desabaram mais de 20%.
É o próprio modelo de negócios do streaming que está sendo repensado pelos analistas.
Começam a surgir dúvidas sobre o tamanho do mercado potencial, sobre as supostas centenas de milhões de novos usuários famintos de streaming ainda não alcançados (e que poderiam ser superestimados), e sobre a rentabilidade do negócio como um todo.
Há dúvidas se as margens de lucro poderiam ser significativamente menores do que o esperado, chegando próximas dos cinemas ou da TV comercial tradicional.
O comportamento da concorrência é sintomático.
A Discovery, por exemplo, após a aquisição da WarnerMedia da AT&T, cancelou rapidamente o serviço de streaming CNN+ após apenas um mês de sua estreia, e deixou claro que não participará de "guerras de gastos", buscando sinergias e procurando economizar US$ 3 bilhões.
A Disney, por sua vez, liderada pelo neo-CEO Bob Chapek, desistiu do leilão bilionário pelos direitos do críquete indiano, imensamente popular entre mais de 1 bilhão de pessoas.
Uma decisão tomada para tentar economizar bilhões de dólares, mesmo se poderia ser prejudicial para suas ambições de chegar em 260 milhões de assinantes até 2024.
Hoje o mercado indiano representa 30% dos usuários globais da Disney+, mas gera uma receita baixa.
Os mercados começaram a perceber a mudança abrupta no clima entre as plataformas de streaming. E muitos investidores já estão se posicionando.
Eric Sheridan, do Goldman Sachs, já recomendou vender ações da Netflix, citando uma contração no consumo futuro, concorrência intensa e altos gastos com conteúdo.
Laura Martin, da Needham, duvida que a Netflix vencerá facilmente a "batalha do streaming", mesmo após todas essas mudanças, já que outros concorrentes têm seus serviços apoiados por publicidade e conteúdo diversificados.
Mas as recomendações mais duras vieram de Michael Nathanson, da MoffetNathanson, um dos primeiros céticos dos modelos de negócios do streaming.
Segundo um relatório de maio, para que as plataformas consigam se sustentar com a propaganda, deverão gerar receitas bilionárias com anúncios.
Algo cada vez mais difícil em uma época em que a internet se torna o catalizador dos gastos de publicidade.
"Quando as empresas de média perceberão que não há um pote transbordando de moedas de ouro no final do arco-íris de streaming?", escreveu Nathanson.
A publicação dos resultados do segundo trimestre de 2022 será um teste importante para a Netflix e seus concorrentes. Que poderia definir o rumo futuro de toda a indústria do streaming.