Invest

Não vemos mudança na tendência de queda do dólar, diz JGP

Em entrevista à EXAME Invest, gestores Eduardo Cotrim e Evandro Mota apontam que cenário é 'construtivo' para a economia brasileira

Eduardo Cotrim (à esq.) e Evandro Mota: gestores e sócios da JGP, uma das maiores e principais gestoras do país (JGP/Divulgação)

Eduardo Cotrim (à esq.) e Evandro Mota: gestores e sócios da JGP, uma das maiores e principais gestoras do país (JGP/Divulgação)

GG

Guilherme Guilherme

Publicado em 10 de abril de 2022 às 09h00.

Última atualização em 10 de abril de 2022 às 11h23.

Nem os mais otimistas previam tamanha desvalorização do dólar neste ano, na casa de 15% até o início do mês. Mas houve quem tenha conseguido antecipar o movimento. Foi o caso da JGP, uma das principais referências na gestão de fundos de investimento do país, que conseguiu escapar das potenciais perdas ao zerar suas posições contrárias à moeda brasileira neste início do ano.

Embora vejam certo exagero na valorização do real, Eduardo Cotrim e Evandro Mota, sócios e gestores da JGP, contaram em entrevista à EXAME Invest que ainda pode ser muito arriscado apostar na alta do dólar, que encerrou a semana que passou com ganho de quase 1%.

"Não estamos vendo uma mudança clara de tendência [de queda do dólar]. É preciso ter cuidado para não pegar a faca caindo, porque pode machucar a mão", disse Cotrim em uma analogia sobre ficar comprado em dólar.

Uma série de fatores negativos para a economia global, como a alta das commodities, a elevação da taxa de juros nos Estados Unidos e a guerra na Ucrânia, tem provocado efeito contrário no Brasil, segundo os gestores da JGP.

"O cenário é construtivo. O estrangeiro quer um país com commodities, longe da guerra e com liquidez. Só tem o Brasil", afirmou Mota. 

Assine a EXAME e fique por dentro das principais notícias que afetam o seu bolso. Tudo por menos de R$ 0,37/dia

A expectativa dos gestores da JGP é a de que o cenário de valorização do real e aperto monetário no exterior ajude a desinflacionar a economia brasileira no segundo semestre. Para Mota, mais uma alta da Selic de 100 pontos base, para 12,75%, "deve ser suficiente". Mas as perspectivas para os índices de preços globais seguem desafiadoras.

"Acredito que o Fed [Federal Reserve] terá um grande trabalho e mais longo que o imaginado para reduzir a inflação", comentou Cotrim.

Confira a entrevista com Eduardo Cotrim e Evandro Mota, sócios e gestores da JGP.

O cenário se transformou completamente nos últimos meses. Quais mudanças vocês fizeram no portfólio?

Evandro Mota: Começamos o ano com posições tomadas em juros nos Estados Unidos [apostando na alta]. Nós achávamos que a alta de juros iria impactar a bolsa e fortalecer o dólar. Aí veio a guerra da Ucrânia, que causou um novo choque de oferta e impulsionou os preços de commodities. 

Os emergentes já estavam mais evoluídos em termos de política monetária. O Brasil estava quase em 13% de juros [futuros]. Dada a precificação das curvas, tomamos posições aplicadas em juros no Brasil. Mas mantivemos as posições tomadas no exterior. Também zeramos as posições em moedas [dólar/real]. 

O que motivou a posição em juros no Brasil?

Eduardo Cotrim: Achávamos que os juros poderiam subir mais [no início do ano], como subiu. Mas os preços já estão mais atrativos, por acharmos que o ciclo de alta de juros está no final. Só agora o preço está permitindo montar essa posição. É um tema mais para o segundo trimestre que para o primeiro. 

Evandro Mota: Pegamos janelas de tempo. Quando a precificação ocorre mais rápida do que no horizonte delineado, saímos. Gostamos muito da assimetria, de balancear cenário com o nível de preço. 

Vocês zeraram a posição comprada no dólar/real. A recente valorização do real abriu espaço para retomar a posição? 

Eduardo Cotrim: Poderia, mas não estamos vendo uma mudança clara de tendência. É preciso ter cuidado para não pegar a faca caindo, porque pode machucar a mão. Tem algumas coisas que favoreceram alguns países emergentes.

A confusão da guerra beneficia países produtores de petróleo e commodities agrícolas que estão longe do conflito. Os termos de troca melhoraram para o Brasil, o que tem beneficiado bastante o mercado doméstico. Parte da alocação em mercados emergentes que iria para a Rússia não vai mais. 

A alta de juros nos Estados Unidos também tem feito migrar os investimentos em empresas de crescimento para as de commodities. Essas mudanças ainda estão beneficiado países da América Latina, menos sensíveis às taxas de juros e mais aos preços de commodities.

Parece que o câmbio exagerou? 

Eduardo Cotrim: Parece, mas não tem um indicador claro de que essa tendência vai mudar. Tem o diferencial de juros, que, mesmo não sendo, é o principal produto da balança comercial brasileira. A taxa de juros estava escassa nos últimos anos e voltamos a ter. Isso ajuda a atrair capital para o Brasil. 

Evandro Mota: Há uma revisão de pagamentos positiva para a balança comercial e o juro está muito alto. O Brasil e outros mercados emergentes estão como sempre foram. Só que esquecemos que eram ruins, mas com fluxo e juros altos. O Brasil sempre teve juro e o fluxo voltou para o que era antes. Mas a posição [de estrangeiro] em renda fixa ainda é muito baixa, mesmo se comparado a patamares posteriores à perda do grau de investimento. 

O cenário é construtivo. O estrangeiro quer um país com commodities, longe da guerra e com liquidez. Só tem o Brasil. Mas o quanto disso já está no preço? O cenário é uma parte relevante, mas ter a noção correta dos riscos e da assimetria é tão importante quanto. 

Qual deve ser a intensidade do aperto monetário do Federal Reserve? Como isso deve afetar a economia americana e global?

Eduardo Cotrim: Houve muitos estímulos monetários desde a crise financeira de 2008, para evitar todo o impacto da quebra de instituições financeiras e do setor imobiliário. Desde aquele momento, parecia ser muito provável que isso resultasse em inflação. Mas de 2008 a 2020 a inflação foi muito baixa. Quando veio a pandemia, assim como em 2008, houve estímulos fiscais e mais uma leva de estímulos do Fed. Paralelamente, as pessoas, que não podiam gastar com serviços por causa da covid-19, gastaram em bens, causando problemas de logística.

Foram três vetores inflacionários: estímulos monetários, fiscais e choque de oferta. Tudo isso está resultando em muito mais inflação global do que a esperada. Como nossa moeda não apreciou em 2021, tivemos uma “amostra grátis" do que pode acontecer no mundo. 

O Fed dizia que a inflação era temporária, mas desistiu do discurso no fim do ano passado. O mercado estimava que a primeira alta de juros nos Estados Unidos só viria em 2023. Tivemos a primeira alta em março. Agora a questão é de subida de juros de 25 pontos base para 50 pontos base para as próximas duas reuniões. Há casas que já falam para as próximas quatro reuniões. A economia americana ainda está forte.

Não se sabe exatamente em que ponto vão parar [os juros americanos] ou quanto tempo vai levar para suavizar. Acredito que o Fed terá um grande trabalho e mais longo que o imaginado para reduzir a inflação. 

A inflação deve seguir forte também no Brasil? 

Eduardo Cotrim: No ano passado, o mundo todo estava atrapalhando a inflação brasileira. Isso levou os países emergentes a subirem juros mais rapidamente. Só agora os desenvolvidos estão tentando segurar a inflação. O mundo quer reduzir a inflação a qualquer custo. Isso ajuda a desinflacionar. O que poderia incomodar a inflação brasileira é a desvalorização do câmbio. Mas ninguém está com a projeção abaixo de R$ 5,10 ainda. A novidade é o dólar em torno de R$ 4,70. Isso também deve levar a uma revisão positiva [da inflação]. 

O preço do petróleo tem sido um grande risco para a inflação. Ainda há espaço para a commodity voltar a subir?

Eduardo Cotrim: Nós temos uma visão estruturalmente altista para o petróleo no médio e no longo prazo. Acreditamos que há espaço para o petróleo subir. Mas é lógico que no, curto prazo, o anúncio da liberação estratégica das reservas dos Estados Unidos e de outros países ajuda a evitar o risco de ruptura maior no curto prazo.

A Opep virou a Opep+ e esse ‘+’ é a Rússia. Então, dizer que tirar o petróleo russo da oferta global é indiferente é ser um pouco ingênuo. A Rússia faz diferença, sim, na oferta global de petróleo.

Até hoje os produtos russos relacionados a energia não sofrem sanções. Empresas europeias e americanas não querem fazer negócios com a Rússia por livre e espontânea vontade, não porque sofrem sanção. O Ocidente ainda depende muito da Rússia. 

Mas, independentemente de guerra, já havia questões estruturais no mercado. Com toda a história ESG dos últimos anos, houve menos investimento em combustível fóssil. Por mais positivo que seja queimar menos combustível fóssil e ser mais dependente de energia limpa, a transição é mais lenta do que gostaríamos que fosse do lado do consumo.

O petróleo não é só energia. Há toda a indústria petroquímica que ainda depende de petróleo. A perspectiva é para o petróleo no longo prazo. O fundo até hoje tem posição comprada.

O preço do petróleo foi um dos destaques do último comunicado do Copom. Como a alta pode impactar a Selic?

Eduardo Cotrim: Ele [o Copom] faz menção ao petróleo, mas se preço da soja cair, o dólar cair e a atividade desacelerar, o BC não vai deixar de tomar a decisão correta por causa do preço do petróleo. O preço do petróleo é uma variável. Acho até que ele errou em fazer menção ao petróleo no comunicado. 

O BC poderá ter que subir o juro para além do já sinalizado 12,75%?

Eduardo Cotrim: O 12,75% prometido será entregue, mas a segunda reunião [em 14 e 15 de junho] anda está longe. A última pernada da inflação foi muito em razão da guerra, que impactou energia e commodities. É um choque de oferta e a reação do BC para um choque de oferta não é a mesma de quando é choque de demanda. O juro já está muito alto.

Não parece ser muito razoável, já tendo juro de 12% e pouco, ter que subir muito mais para tentar segurar preços em cenário em que a política monetária tem pouco efeito. Tem que alongar o horizonte de convergência da política monetária e aceitar que a inflação de curto prazo será mais alta por fatores que [o BC] não tem como controlar. 

Evandro Mota: A inflação esperada pelo mercado é de 7% [em 2022]. É uma média mensal de 0,42%, bem diferente da que estamos vendo agora. A inflação para frente será muito menor que a atual. Isso considerando o câmbio a R$ 5,10.

O BC vai esperar para ver o que vai acontecer. As commodities já subiram muito e os índices de commodities em reais já caíram bastante. A foto para frente é melhor para o Brasil. Estamos em uma parte do ciclo monetário diferente. Parando em mais uma alta de 100 pontos base deve ser o suficiente. 

Acompanhe tudo sobre:DólarGestores de fundosJurosSelic

Mais de Invest

Menos de 15% das empresas que fizeram IPO em 2021 superam a performance do Ibovespa

Mega-Sena sorteia prêmio acumulado em R$ 6 milhões nesta sábado; veja como apostar

Leilão de avião: modelo igual ao de Cristiano Ronaldo tem lances a partir de $ 5 milhões