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Na bolsa e no câmbio, o risco político é uma realidade

Pesquisa que colocou Bolsonaro e Marina Silva à frente na corrida eleitoral faz crescer possibilidade de pauta reformista ficar em segundo plano

Mercado: parte deste surto vivido na última semana está ligado ao estado estacionário de candidatos de centro e do mainstream político (Alexandre Battibugli/Abril)

Mercado: parte deste surto vivido na última semana está ligado ao estado estacionário de candidatos de centro e do mainstream político (Alexandre Battibugli/Abril)

Raphael Martins

Raphael Martins

Publicado em 21 de maio de 2018 às 14h26.

Última atualização em 21 de maio de 2018 às 18h50.

O mercado financeiro viveu uma semana de caos. O Ibovespa caiu 3.000 pontos e o dólar fechou a sexta-feira a 3,74 reais, maior valor em dois anos. Além da política de aumento dos juros nos Estados Unidos, que fortalece a moeda americana, o chacoalhão interno ganhou força com a divulgação dos resultados da pesquisa CNT/MDA de intenção de votos para a eleição de 2018. E o risco eleitoral passou à ordem do dia.

Em relatório publicado na última sexta-feira, o banco UBS afirmou que decidiu, após oito meses, reduzir sua exposição ao Brasil citando riscos globais mas também o fraco desempenho econômico do país e o aumento do risco político interno. “Baseado nas últimas pesquisas, as chances para um candidato ‘verdadeiramente reformista’ ser eleito presidente em outubro caíram”, afirma o banco em relatório assinado pelo estrategista Ronaldo Patah. Segundo ele, o mais provável é que o próximo presidente aprove reformas por necessidade, mas a falta de convicção pode levar a reformas diluídas durante as negociações com o Congresso.

A salada eleitoral colabora para a previsão de um Congresso fragmentado. Deixando de lado os cenários em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é apresentado como candidato, o líder das pesquisas é o deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ), com 18,3% das preferências. Na cola, está a ex-senadora Marina Silva (Rede), com 11,2%.

Parte deste surto do mercado está ligado ao estado estacionário de candidatos de centro e do mainstream político — em especial, Geraldo Alckmin (PSDB) –, mas também ao risco de governabilidade dos líderes na pré-campanha. A pouca influência do ex-capitão do Exército Bolsonaro nos 30 anos em que percorreu os corredores do Congresso conta pontos contra.

Marina, por sua vez, tem um dos menores partidos representados no Congresso. São dois deputados e um senador. Com poucos segundos de tempo de TV e dinheiro limitado, sua campanha eleitoral é uma incógnita.

Ainda que a pesquisa tenha sido realizada dias após a desistência de se candidatar do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa (PSB), trouxe preocupação aos analistas o fato de que nenhum dos centristas tenha se beneficiado.

Barbosa tinha ao seu lado 10% do eleitorado, medidos recentemente pelo instituto Datafolha. Somado com a saída de Lula, o diagnóstico foi de que os vencedores foram os votos nulos, brancos e indecisos. O grupo saltou de 38% para 45% dos entrevistados na CNT/MDA.

Precisa-se de um vice

Analistas de mercado e cientistas políticos ainda tentam entender os rumos do fenômeno “Bolsorina”. Até o momento, a explicação mais plausível é que o sucesso da dupla se explica pelo sentimento de cansaço com os partidos políticos. A consultoria de risco político Eurasia aposta nisso.

Em seu relatório, publicado logo após os resultados da pesquisa CNT/MDA, os cientistas políticos constataram o aprofundamento do “desencanto” do eleitorado brasileiro, tanto pelos números paralelos da pesquisa — que também analisam a esperança na retomada de empregos e satisfação com segurança pública, por exemplo —, como pela desidratação de Geraldo Alckmin (PSDB).

O tucano (candidato competitivo “mais alinhado com a política de reformas”, segundo a Eurasia) teve queda nas intenções de voto, de 8% para 5%. Assessores tucanos despistam, dizendo que não houve, no intervalo entre pesquisas, nenhum motivo para crescer.

Sem um indicado natural, o grupo de centro tem um candidato por partido e nenhuma coligação feita. A esta altura, em 2010, a mesma Marina Silva havia anunciado o empresário Guilherme Leal como vice de sua chapa. Em maio daquele ano, o atual presidente Michel Temer (MDB) havia sido formalmente convidado a compor chapa com Dilma Rousseff (PT). Apenas José Serra (PSDB) levou até o último dia de convenções partidárias para oficializar Índio da Costa (então no DEM) como seu parceiro.

“Se houvesse a certeza de que Lula estaria na disputa, o PP e PR estariam com os dois pés na chapa. Se Alckmin tivesse 30% das intenções, teria um vice”, diz o cientista político Humberto Dantas, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo‎. “A incerteza faz com que os partidos joguem com o tempo. Podem até retardar as convenções do meio do ano [que apresentam os candidatos].”

O MDB, maior partido do país em número de prefeituras e com expressiva bancada no Congresso, quer fazer parte de um projeto que defenda o legado de Michel Temer. Mas os recentes números da economia, sua principal bandeira, não param de patinar.

Chamado de “prévia do PIB”, o resultado do Índice de Atividade Econômica (IBC-Br) apontou retração de 0,13% no primeiro trimestre. O desemprego trimestral na Pnad Contínua mostra que 13,1% da força de trabalho brasileira não tem um emprego no trimestre de janeiro a março — eram 11,8% no período anterior.

Em evento da revista EXAME nesta sexta-feira, o presidente Michel Temer adiantou dados do Caged, que seriam divulgados mais tarde, mostrando que o país teve saldo positivo de 115.898 vagas de trabalho formais em abril. “Nós temos que confiar no que está acontecendo no Brasil”, disse o presidente. A média histórica para abril, porém, é de 122.000 postos a mais. Pesquisa CNT/MDA mostra reprovação de 71,2% ao governo do atual presidente.

Associar-se a ele, portanto, parece tóxico apesar da capilaridade do MDB. Arrisca-se quem não tem a perder: o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles (MDB), um economista de sucesso, que alcançou o auge da carreira e não tem outra conquista profissional em vista.

Do outro lado, a junção não está fácil para a centro-esquerda. O motivo tem nome e partido: Luiz Inácio Lula da Silva e o PT. Virtualmente fora da eleição pela Lei da Ficha Limpa, o ex-presidente continua sem indicar um sucessor e insiste publicamente que estará nas urnas. O partido quer usar a popularidade de seu principal líder para eleger deputados federais e senadores, minimizando as perdas no Congresso. Nas eleições de 2016, o PT perdeu 60% de suas prefeituras.

Apoiar Ciro Gomes (PDT), que teve aumento de 8% para 9% na CNT/MDA, é pensamento minoritário dentro do partido. “O militante fiel do PT vai esperar Lula dizer o seu sucessor, mas nesse tempo, há o risco de o partido perder sua base social. Quem se assusta com o discurso agressivo de Bolsonaro e vê Ciro com chance vai fazer a migração mais cedo”, diz o cientista político Carlos Melo, professor da escola de negócios Insper.

Em sabatina ao jornal Folha de S. Paulo nesta segunda-feira, Ciro afirmou que é cedo para cravar um vice, e só confirmou conversa com Josué Alencar (PR), filho de vice de Lula, José Alencar, morto em 2011. Fernando Haddad, do PT, e Márcio Lacerda, do PSB, são outras possibilidades citadas por analistas.

Sobre suas propostas econômicas, Ciro afirmou que, se eleito, revogará dois dos principais projetos do governo Temer: a reforma trabalhista (“uma selvageria”) e o teto de gastos, que congela investimentos em áreas como educação (“não é possível que a gente tenha uma pedra no lugar do coração”). Disse ainda que é preciso discutir se realmente há um déficit previdenciário, antes de falar em reforma.

Não é o tipo de discurso que apaziguará os mercados. Mas também não espere que discursos reformistas nem de Marina, nem de Bolsonaro.

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