Renato Mimica, CEO da EXAME (Leandro Fonseca/Divulgação)
Paula Barra
Publicado em 2 de dezembro de 2020 às 08h14.
Última atualização em 2 de dezembro de 2020 às 11h34.
Apesar da forte alta do Ibovespa em novembro -- avanço de 15,9%, no melhor mês desde março de 2016 --, a EXAME Research segue com uma visão otimista para o mercado acionário brasileiro, enxergando ainda espaço considerável para ganhos. A avaliação leva em conta uma perspectiva de campanhas de vacinação bem ativas já durante o primeiro trimestre de 2021, a continuidade de políticas estimulativas para combate à crise no mundo, um cenário positivo para commodities e a Bolsa brasileira ainda barata em dólar.
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“Esse cenário de volta à normalidade é muito favorável para emergentes, ex-Ásia, que foram os mais penalizados durante a pandemia. E entre eles o Brasil deve ser o principal beneficiado, na nossa visão. Se olhar para o índice de ações brasileiro em dólar, o EWZ, é um dos que mais sofreu no ano”, afirma Renato Mimica, sócio do BTG Pactual e diretor de investimentos da EXAME Research, em entrevista à EXAME Invest.
Para Mimica, eleito nove anos seguidos um dos melhores analistas de ações do Brasil e da América Latina no ranking da Institutional Investor, o momento está propenso ao risco.
“Podemos chegar a um momento de 2021 com os mercados acionários em patamares bem melhores do que estavam em 2019. O S&P 500 e a Nasdaq já refletem isso de alguma forma, mas de modo justificado”, diz. O Ibovespa encerrou o ano passado em 115.645 pontos. Em 2020, o índice ainda acumula queda de 3,7%, apesar da valorização expressiva no mês passado.
O ponto de cautela fica com o cenário doméstico, mais especificamente com a questão fiscal do país, que deve continuar sugando a atenção dos investidores em 2021, diz. Do lado da inflação, Mimica vê risco de pressão nos índices no ano que vem, mas acredita que, de certa forma, já está no preço.
Olhando para setores, ele aponta que o movimento de rotação dos investidores de ações que ganharam muito com a crise, como as empresas mais digitais, para as ações mais cíclicas, dependentes da atividade econômica, deva continuar. Por essa razão, segue posicionado em commodities, principalmente em Vale (VALE3), que carrega desde os primeiros meses da carteira de ações da EXAME Research, criada em abril desde ano.
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Ele também avalia que Petrobras (PETR4) está atrativa, mas menos do que a mineradora. Desde sua criação até o fim de novembro, o portfólio acumula valorização de 58,8%, ou quase 12 pontos percentuais acima do índice no mesmo período.
Ainda entre as principais teses, Mimica diz que completam o tripé de investimentos da carteira: as ações de shoppings, que foram muito penalizadas na crise e estão com taxas de retornos internas (TIRs) atrativas; e papéis de crescimento de longo prazo, como Magazine Luiza (MGLU3), que também está no portfólio desde o início. Apesar de entender que esse movimento de rotação deva continuar, ele diz que essa é uma tese secular, de crescimento de longo prazo.
Confira abaixo a entrevista na íntegra à EXAME Invest:
Como o senhor avalia a alta dos mercados em novembro? Há algum exagero no movimento, uma vez que ainda há riscos de curto prazo relacionados a uma segunda onda de covid-19, apesar das notícias sobre vacinas?
Seguimos otimistas. Sempre gosto de lembrar onde estávamos no pré-pandemia. Estávamos em um cenário de extremo otimismo global, de crescimento, com taxas de juros em pataremos historicamente baixos no mundo. No Brasil, apesar do lado fiscal, a visão era que as reformas continuariam avançando, com um ambiente para preços dos ativos muito interessantes, e riscos muito interessantes também.
Tínhamos dois riscos globais: um, a escalada de tensão comercial entre Estados Unidos e China; e dois, a eleição americana (ainda não havia uma visibilidade sobre o candidato democrata, que poderia ser muito à esquerda). No lado do Brasil, a questão era o risco político.
Veio a pandemia, esse Black Swan que ninguém esperava. A verdade é que, embora a pandemia tenha gerado um custo imenso, um custo recessivo grande, para o Brasil inclusive, por outro lado, gerou uma política estimulativa. Governos e bancos centrais globais agiram rápido, tivemos uma resposta em patamar recorde, que fez com o que o cenário fosse ainda mais estimulativo do que já estava sendo.
De um lado, isso tem implicações negativas do ponto de vista fiscal, mas, por outro, é bom para ações. Com juros muito baixos, não tem alternativa de retorno. É uma migração global de renda fixa para renda variável. E segundo ponto, com juros baixos, as empresas gastam menos com despesas financeiras, o que também favorece o crescimento futuro e, consequentemente, os preços dos papéis.
Olhando mais recentemente, tivemos dois fatos muito importantes que desenham um cenário muito positivo para 2021. Primeiro, a eleição americana. Um, porque já havia um fator positivo que foi a escolha de Joe Biden entre os democratas, o que tirou o medo de um candidato mais à esquerda. E outro, porque se desenhou uma narrativa de que o resultado da eleição foi o melhor possível para o mercado financeiro, uma vez que Biden alivia a retórica sobre guerra comercial e o fato de o Senado ficar provavelmente com os republicanos (a Geórgia vota em segundo turno em janeiro). Isso significa que os democratas não vão conseguir fazer uma reforma tão forte, por exemplo, na questão de aumento de impostos.
Outra preocupação que se tinha era a não concessão de Donald Trump à vitória de Biden, o que parece que foi bem endereçado, tanto com as cortes estaduais do país reiterando o resultado quanto com a própria equipe de Trump. O lado das eleições dos EUA é positivo para a tomada de risco. E tivemos também recentemente anúncios muito positivos sobre vacinas. Acho que ninguém esperava que em menos de um ano tivéssemos vacinas com autorização para o uso. Durante o primeiro trimestre do ano que vem, poderemos ter campanhas de vacinação bem ativas.
Esse otimismo deve se estender para o próximo ano? Qual é a perspectiva para 2021?
Para 2021, vemos um crescimento bem interessante no mundo, com risco político razoavelmente baixo, políticas monetárias muito estimulativas. Isso é muito propenso para a tomada de risco. Talvez cheguemos a um momento de 2021 com os mercados acionários em patamares bem melhores do que estavam em 2019. O S&P 500 e a Nasdaq já refletem isso de alguma forma, mas de modo justificado.
Esse cenário de volta à normalidade é muito favorável para emergentes, ex-Ásia, que foram os mais penalizados durante a pandemia. São mercados que já tinham o lado fiscal mais complicado, com os governos com mais dificuldade em lidar com os problemas da pandemia e também mais arriscados. E entre eles o Brasil deve ser o principal beneficiado, na nossa visão. Se olharmos para o índice de ações brasileiro em dólar, o EWZ, é um dos que mais sofreu no ano.
O que já vimos em novembro, que marcou o melhor mês do Ibovespa desde 2016, com forte fluxo de investidores estrangeiros, foi o mercado comprando essa tese de volta à normalização, aliado a um ambiente de juros baixos, assim como todas as externalidades que esse ambiente traz. Olhe o que vimos com os preços de commodities, com o minério de ferro em forte alta, puxado pela China. Esses ativos estão indo bem e isso é muito favorável para mercados emergentes também.
Temos um ambiente externo muito positivo para o Brasil. O grande “X” da questão fica com o cenário doméstico. O grande tema é o fiscal, com o mercado acompanhando de perto como o governo vai lidar com o auxílio emergencial, um possível novo programa de renda e as perspectivas para reformas. Para 2021, devemos ter todos os olhos voltados para os gastos fiscais -- a variável de maior incerteza. Também teremos eleição da Câmara dos Deputados e do Senado, o que pode dividir a atenção no começo do ano.
Na sua visão, o mercado ainda está oferecendo preços atrativos? Como vê atualmente a relação risco-retorno da Bolsa?
Do ponto de vista de valuation, vemos o que aconteceu com essas empresas mais cíclicas. De fato, apanharam muito com a pandemia e grande parte desse rali de novembro veio de rotação de ativos, de papéis que andaram muito desde o auge da crise, como as empresas mais digitais, para ações mais dependentes da atividade econômica.
Vemos um espaço bem razoável para esses ativos continuarem andando, sejam bancos, Petrobras. Essas ações ainda caem bem no ano. Acreditamos que continuam a fazer esse “catch up” (ajuste), ou seja, alcançarem aqueles outros ativos que já subiram muito.
Além de Petrobras, bancos, quais setores e empresas ainda vê como atrasados e que podem melhor se beneficiar desse cenário?
Na nossa carteira, fazemos um bom mix. Em uma parte do portfólio seguimos carregados em teses de crescimento de longo prazo. Temos Magazine Luiza (MGLU3) desde o começo da carteira, mas poderia também ser um das outras de e-commerce. Por mais que tenham favorecidos agora, vemos como um tema secular.
Gostamos também de commodities. Continuamos carregando Vale (VALE3), que temos desde os primeiros meses da carteira, muito por conta da resiliência da China, que deve crescer 9% no ano que vem, e do minério de ferro. Mesmo com o rali recente, ainda vemos a Vale como muito descontada em Bolsa.
Também gostamos de Petrobras (PETR4), mas com menos convicção do que a Vale. Ainda assim, devemos ver um cenário positivo para o petróleo, com a demanda voltando enquanto a oferta segue controlada.
Completando o tripé de cases do portfólio, vemos como bem interessantes ações mais cíclicas que ficaram com as taxas internas de retornos (TIRs) atrativas. Gostamos de shoppings, o setor foi muito penalizado pela pandemia, mas se beneficia dessa recuperação em “V” da atividade. Vemos TIRs, mesmo com estimativas conservadoras, em patamares bem interessantes.
Concluindo, vemos cases de crescimento seculares, como e-commerce, ainda mostrando bom retorno potencial no longo prazo, commodities em um bom momento e companhias voltadas à atividade doméstica, que foram bem amassadas por conta da pandemia.
Em meio à fragilidade fiscal e à economia impulsionada pelo programa de auxílio emergencial, avalia a pressão inflacionária como um risco para 2021?
Vemos risco inflacionário. Acreditamos que podemos ter inflação de 3,3% no ano que vem, o que deve levar o Banco Central a subir um pouco os juros. A curva futura dos contratos de juros já está de certa forma precificando isso, já aponta para uma alta em 2021. E, por isso, apesar de um cenário de alta, não achamos que o mercado será pego de surpresa.
Além disso, os juros continuam em patamares muito baixos. Há pouco mais de três anos, a Selic estava em dois dígitos. Portanto, por mais que a taxa de juros venha a subir, vemos isso com um impacto muito marginal no preço dos ativos. O fluxo da renda fixa continua vindo para a Bolsa.