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Mercado financeiro vê novo risco: a saída de Paulo Guedes

Após a saída de Sérgio Moro do ministério da Justiça, investidores fogem de ativos de risco como a bolsa brasileira e o real

Moro: ministro da Justiça emprestou sua credibilidade a Bolsonaro desde a campanha eleitoral de 2018 (Adriano Machado/Reuters)

Moro: ministro da Justiça emprestou sua credibilidade a Bolsonaro desde a campanha eleitoral de 2018 (Adriano Machado/Reuters)

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Denyse Godoy

Publicado em 24 de abril de 2020 às 14h59.

Última atualização em 24 de abril de 2020 às 19h45.

No mercado financeiro brasileiro, as expectativas para o cenário econômico pioraram muito nesta sexta-feira, 24, com o recrudescimento da crise política em que o país está mergulhado. Uma semana depois da saída do bem avaliado e popular ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, hoje foi a vez de o ministro da Justiça, Sérgio Moro, abandonar o governo Jair Bolsonaro. Os investidores temem que o próximo a jogar a toalha diante dos conflitos com Bolsonaro seja Paulo Guedes, o ministro da Economia, cuja formação liberal foi decisiva para convencer o empresariado a apoiar a candidatura do ex-capitão em 2018.

Moro também era um dos pilares do governo. Líder da Operação Lava-Jato, que mandou dezenas de políticos e empresários à cadeia por desvios, sua adesão à campanha presidencial de Bolsonaro deu credibilidade ao discurso anticorrupção do ex-militar. No anúncio de saída, o ex-juiz federal colocou em dúvida a propaganda de moralização política do governo ao acusar o presidente de interferência e fraude, por Bolsonaro supostamente ter falsificado sua assinatura no despacho do Diário Oficial da União sobre a demissão do diretor geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo. Sem Moro e com a imagem trincada, Bolsonaro pode ter ainda mais dificuldade em conseguir apoio – tanto no Congresso Nacional quanto na sociedade – para medidas que pudessem acelerar a atividade econômica.

A enorme incerteza sobre os rumos do país fez os investidores correr de ativos financeiros de risco hoje. O Ibovespa, principal índice acionário brasileiro, terminou o dia em queda de 5,5%, aos 75.330 pontos. Logo após a entrevista coletiva à imprensa em que Moro anunciou sua saída, a bolsa chegou a cair quase 10%. O dólar comercial, referência nas transações entre bancos e empresas, disparou 2,5%, vendido a 5,6681 reais.

Leia, a seguir, a opinião de gestores e especialistas sobre como a crise está afetando o horizonte para os investimentos.

Fabricio Taschetto, diretor de investimentos da ACE Capital
"Já há uns dois meses o clima estava negativo no mercado por causa da pandemia do novo coronavírus. Com o pagamento do auxílio emergencial, as contas públicas vão piorar muito. E por mais tempo do que o governo espera: esse benefício não vai deixar de ser pago daqui a dois ou três meses. A saída de Moro acelerou a degradação do cenário. É game over para o Brasil, a economia vai ficar agonizando por vários anos. O máximo que podemos fazer agora é tentar administrar o prejuízo."

Renato Mimica, diretor da EXAME Research, o braço de análise de investimentos da EXAME
"O risco aumentou, como já refletido nos preços. Esse ruído político deve persistir no curto prazo, então esperamos volatilidade adicional. A hora pede mais conservadorismo. O real deve seguir depreciado ante o dólar, então é hora de reforçar os investimentos que se beneficiam do real mais fraco, como as ações de empresas exportadoras. Com juros longos subindo (e perspectivas de fiscal piorando também), achamos que papéis de duration muito longos e empresas com alavancagem maior sofram mais no curto prazo."

Luis Sales, analista da Guide Investimentos
"O que estamos vendo é o aumento de percepção de risco do Brasil, que já está lidando com crises econômica, de saúde, e agora politica. Talvez haja uma investigação sobre Bolsonaro que poderia levar a uma eventual saída do presidente ou a uma indisposição política para dar prosseguimento às reformas. Tal qual o Moro, Guedes é um ministro técnico. Já houve atrito em relação a Guedes, e, se houver interferência no ministério da Economia, o estresse de mercado vai aumentar. O mercado se estressou pela falta de visibilidade."

Jefferson Laatus, estrategista-chefe do Grupo Laatus
“A saída de Moro representa a quebra da democracia. É como se o Brasil continuasse como terra de ninguém. O Moro é um cara muito bem visto por todo o trabalho que fez na Lava Jato. Agora, a gente vê, claramente, o trabalho dele sendo jogado no lixo. A fala dele mostrou alguma coisa de dentro do governo que a gente não sabia. O mercado se abala muito com isso. O Bolsonaro foi eleito devido ao time que montou, com Moro e Guedes. Eram ministérios técnicos, agora tudo é política novamente. Mostra que tudo que fez com que o Bolsonaro fosse eleito não está sendo cumprido. Não tem como manter investimentos em um país como esse. E tudo isso acontecendo em meio à pandemia. O mercado começa a especular sobre a possibilidade de Guedes pedir demissão. No começo da semana, foi anunciado o pacote de recuperação econômica pelo ministro da Casa Civil, e o ministro mais importante, que é o Guedes, não estava. Então, parece que o Guedes está ficando de escanteio. Não está conseguindo trabalhar. Pode ser que ele esteja passando pelo mesmo momento de insatisfação que estavam Moro e Mandetta."

Jorge Junqueira, sócio fundador da Gauss Capital
"O mercado já está se questionando se Guedes pode sair também. É muito negativo quando o símbolo da luta que o povo elegeu [combate à corrupção] sai. Na verdade, não só saiu como também fez um discurso forte sobre coisas [ingerências] que estavam acontecendo. Isso intensifica o cuidado de gestores e investidores de olhar mais no detalhe as implicações. Temos que entender qual vai ser o caminho daqui para frente: se veremos um desmonte contínuo do alicerce do governo ou se vão ser tomadas ações para corrigir essa saída pontual. É bom lembrar também que hoje é sexta-feira e os investidores preferem montar posições para se proteger da volatilidade do fim de semana."

Fabrizio Velloni, Frente Corretora
"A saída de Moro é uma sinalização complicada, que pode implicar em redução de fluxos de capitais para o Brasil. Em relação ao México, Turquia e África do Sul, o país já apresentava a pior relação entre risco e retorno. Agora, esse cenário se deteriora com a notícia de que o governo não consegue manter os ministros nem a base aliada ao seu lado e que o presidente pode estar querendo controlar instituições e ser intervencionista em cima de ministros e mercado. Vamos ter pressão pesada no câmbio com a expectativa de menos fluxos de capitais e de investimentos na parte de infraestrutura. O termômetro vai ser a próxima reunião do Copom. Até então, o mercado vinha discutindo a possibilidade de queda de 0,75 ponto percentual na taxa de juros, mas isso pode deixar o retorno menos interessante ainda para investidores. Temos que acompanhar o papel do Banco Central."

Roberto Indech, estrategista-chefe da Clear Corretora
“O mercado sempre antecipa movimentos e sinalizações, sejam elas financeiras ou políticas. A saída do ministro Sérgio Moro da pasta da Justiça é mais uma notícia negativa em meio a outros graves problemas gerados a partir do agravamento do impacto da crise do coronavírus. Instabilidade gera volatilidade. A recomendação para os investidores é de cautela até que o presidente Bolsonaro nomeie um novo ministro para a pasta da Justiça, quando teremos uma sinalização mais clara da diretriz que o governo irá seguir."

André Perfeito, economista-chefe da corretora Necton
“Neste momento de crise, muitas trocas já é preocupante, ainda mais de nomes fortes como [Luiz Henrique] Mandetta e Moro. O mercado fica com receio de até o Guedes estar fragilizado. O Pró-Brasil [também conhecido como Plano Marshall brasileiro], que organizaram sem o aval do ministério da Economia, aumenta as incertezas. Essas saídas acabam minando o governo. O Bolsonaro contratou dois funcionários que não pode demitir, que eram o Moro e o Paulo Guedes. O Moro sustentava a popularidade, com a perspectiva de combate à corrupção, que são valores caros para o eleitorado dele.
Qual é o efeito disso para o investidor que quer apostar contra o Brasil? Não dá pra apostar que os juros vão subir, então sobra para o dólar. O mal estar não vai se revelar em juros mais altos no curto prazo, mas no dólar mais alto. O Bolsonaro está em uma briga simultânea com vários poderes da República. Ele não consegue criar aliados. Eles está em um embate frontal com o presidente do Congresso. A gente já viu o que aconteceu no passado. Mas ainda é muito cedo para falar de impeachment."

Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos
“O Bolsonaro foi eleito muito pelo fato da tecnicidade de seus ministérios. E sem dúvida, ele tinha no ministério da Justiça, o Moro, e na Economia, o Guedes como uma das principais forças. Está sendo cada vez mais comum os assuntos econômicos passarem pela Casa Civil. O Paulo Guedes não tem sido mais uma presença recorrente. Nesse momento, a equipe do Bolsonaro está com tons bastante dissonantes. O Guedes está sem poder mover a economia da forma que pensava. Esse aumento de assimetria não é bom. O isolamento do presidente está ficando cada vez mais em evidência. Isso acaba tornando-o mais frágil aos acontecimentos que podem ocorrer, como um impeachment."

Rafael Panonko analista-chefe da Toro Investimentos
"A possível saída de Moro é vista com maus olhos pelo mercado. No período eleitoral, a figura de Moro representava o fim da corrupção no país, enquanto Guedes representa o ajuste da economia. Durante o governo, Moro teve pouco espaço para articulação. A decisão do presidente em exonerar o chefe da PF desagradou. Não é o primeiro ministro do Bolsonaro que tem divergência com o presidente. O mercado também especula que Bolsonaro anda se desentendo com Guedes sobre os planos para retomada da economia. Eu acho que é muito boato, mas foi baseado no fato de Guedes não ter participado de uma coletiva ontem. Esse clima pessimista e instabilidade política acabam deixando até o problema de saúde pública até em segundo plano neste momento. O mercado se adianta e já quer saber quais são os outros passos. O governo deveria estar ajustado devido a crise em que estamos. “

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