Leonardo Otero, sócio e gestor da Arbor Capital: fundo de ação obteve 120% de retorno em 2020 (André Valentim/Exame)
Paula Barra
Publicado em 14 de janeiro de 2021 às 06h30.
Última atualização em 14 de janeiro de 2021 às 17h32.
Com foco em ativos globais, a gestora Arbor Capital conquistou no ano passado o título de fundo de ações com o maior retorno do país, com ganho de 119,61%, batendo de longe o Ibovespa, que teve alta de 2,92%. O sucesso da carteira pode ser traduzido em poucas palavras: uma estratégia de longo prazo concentrada em negócios digitais, com ampla diversificação geográfica (buscando oportunidades em bolsas como as dos Estados Unidos, do Canadá, de Israel e da Ásia).
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Tal combinação permitiu que a gestora do Leblon passasse pela pandemia com menos arranhões. Em março, no auge da crise, enquanto o benchmark da bolsa brasileira caiu 29,9%, o fundo Arbor Global recuou 14,35%, sendo que o retorno foi mais do que recuperado já no mês seguinte (o Ibovespa levou nove meses para voltar ao positivo).
“Quando veio a pandemia, nenhuma empresa do nosso portfólio foi afetada negativamente, a maioria foi afetada positivamente. Por exemplo, a nossa maior posição no início do ano era na Sea Limited, uma empresa de e-commerce focada no Sudeste Asiático. Investimos nessa empresa no início de 2019, quando a ação estava próxima de 11 dólares. Hoje, está em 200 dólares. Multiplicamos por 20 vezes o capital em dois anos”, conta Leonardo Otero, gestor e sócio fundador da Arbor Capital, em entrevista à EXAME Invest.
Segundo ele, como as decisões de investimento são tomadas mirando um cenário de cinco anos, dois terços da performance do fundo no ano passado podem ser explicados por ativos que estavam na carteira havia pelo menos dois anos. Mas diz que também aproveitaram a queda dos mercados em março e abril para recalibrar algumas posições. Como o fundo é "hedgeado" -- possui instrumentos que tiram o risco da variação cambial sobre a cota --, a alta da moeda não impactou a performance.
Nesses ajustes no portfólio, aproveitaram para embolsarar um ganho com a Hubspot, que saiu de 100 dólares para 400 dólares. Entraram em Square, que chegou a valer 40 dólares a ação e agora é negociada a 240 dólares, e aumentaram a participação no Spotify, que possuem em carteira desde o IPO.
Olhando para 2021, Otero diz que a principal aposta é nas ações da theScore, uma small cap canadense de mídia voltada para esportes que tende a ganhar com a legalização de apostas esportivas nos Estados Unidos em 2018. Hoje, essa é a maior posição do fundo, com peso de quase 10%. Nos últimos cinco meses, os papéis da companhia multiplicaram por três vezes.
Desde a criação -- em março de 2015 --, o fundo Arbor Global acumula valorização de 323,3%, contra alta de 139% do Ibovespa no mesmo período ou de 74,3% do índice MSCI World (que mede o desempenho de empresas de grande e médio porte em países desenvolvidos).
Otero conversou com a EXAME Invest sobre o desempenho do fundo, as principais posições na carteira e contou como enxerga uma possível regulação do setor de tecnologia nos EUA com a entrada de Joe Biden na Casa Branca. Veja os principais trechos da entrevista abaixo:
Como vocês atingiram a rentabilidade do ano passado?
Quando olhamos a performance de 2020, a grande maioria são alocações que vínhamos carregando há dois, três anos. Em 2014, quando fundamos a Arbor, dedicamos muito a empresas com perspectivas muito boas para o futuro, com uma carteira muito concentrada em negócios digitais. Nossa visão é que o mundo está sendo transformado pela tecnologia.
Quando veio a pandemia, nenhuma empresa do nosso portfólio foi afetada negativamente, mas a maioria delas foi afetada positivamente. Por exemplo, a nossa maior posição no início do ano era na Sea Limited, uma empresa de e-commerce focada no Sudeste Asiático. Investimos nessa empresa no início de 2019, quando a ação estava próxima de 11 dólares. Hoje, está em 200 dólares. Multiplicamos por 20 vezes o capital em dois anos. Um investimento espetacular, principalmente em razão do tema estrutural, que é a migração do offline para o online, e a covid-19 acelerou muitas tendências.
Nossa cabeça é muito no longo prazo, com baixo turnover (giro de posições na carteira). Mas, em março, quando vimos o mercado tratando todas as empresas como se fossem as mesmas, fizemos algumas realocações no portfólio que também ajudaram a performance.
Nunca tivemos alocação relevante em Magazine Luiza (MGLU3). Sempre foi uma ação com participação pequena no portfólio. Essa foi uma posição que aumentamos bastante. Aumentamos também a exposição em Mercado Livre. Conseguimos entrar em Banco Inter (BIDI11) ao preço de 30 reais. Agora, a ação bateu em 100 reais. Conseguimos capturar alguns ganhos com essas realocações, mas a maior parte, diria que dois terços da performance, são alocações que já vínhamos carregando há mais tempo.
Qual a participação do Brasil no portfólio?
O Brasil sempre foi uma parcela muito pequena da nossa carteira. Os lucros do portfólio vêm principalmente dos Estados Unidos e da Ásia. Hoje, temos cerca de 15% do fundo no Brasil. Entre as ações, temos Banco Inter e Magazine Luiza, porque são negócios com perspectivas excelentes, da economia digital e que achamos que dá para investir com horizonte de longo prazo.
Qual a principal aposta hoje do fundo?
Nosso principal investimento hoje é na theScore, uma empresa canadense de mídia esportiva, que valia 150 milhões de dólares e já multiplicou por três em cinco meses. Temos quase 10% do fundo no papel. Essa é nossa principal aposta para 2021, porque achamos um negócio desproporcionalmente interessante, com assimetria espetacular.
É um aplicativo de mídia esportiva. O segundo maior dos EUA, só perde para a ESPN, e o maior da sua categoria no Canadá. Hoje, tem 5 milhões de usuários por mês e a fonte principal de receita atualmente vem de propaganda, mas a monetização do usuário com propaganda é muito ruim. Cada usuário gera para a empresa 6 dólares por ano.
E é aí que mora a tese. Em 2018, o governo americano liberou as apostas esportivas. Estamos vendo uma corrida do ouro por negócios esportivos, que é um mercado gigantesco. A theScore, que tem uma marca consolidada, atua nesse segmento há muitos anos, é o único player de mídia com um sports book (ambiente para fazer apostas em jogos esportivos). Esse negócio gera para a companhia em média 200 dólares por mês -- 400 vezes o que ganha com propaganda.
Achamos que a receita da empresa vai multiplicar por 10, talvez 20 vezes nos próximos cinco anos, porque vai ter uma mudança muito importante na fonte de faturamento da companhia, de propaganda para comissão com as apostas esportivas.
Como o fundo tem maior exposição a empresas de tecnologia, como avalia a eleição de Joe Biden, que prometeu em campanha regular as big techs? O tema preocupa?
Acompanhamos muito de perto esse assunto, mas essa é uma agenda dos dois partidos. Donald Trump já vinha tentando regular o setor, é um assunto que já vem sendo discutido há muitos anos, mas concordo que Biden traz uma dificuldade a mais para essas empresas. Mas ainda não é óbvio o que vão fazer. Há todo um processo, uma dificuldade para aprovar.
Acompanhamos as big techs, como Facebook, Amazon e Apple. Esses papéis já tiveram um peso maior no portfólio. Hoje, somadas, não chegam a 15% da carteira. Acompanhamos as discussões sobre o assunto, claro que nos preocupa, mas não é um tema importante.
Mas, ainda assim, na minha visão, o Facebook, por exemplo, é a ação mais barata do mundo entre as grandes de tecnologia. Por que está tão barata? Porque todo mundo está achando que o governo americano vai regular a empresa, vai separar o Facebook do Instagram. Achamos que não vai ocorrer. E mesmo que ocorra, o risco na nossa opinião já está escancarado nos preços. Achamos que, aos preços atuais, precisa ser muito pessimista para conseguir traçar um cenário negativo para o Facebook.
Por que acredita que o Facebook está tão barato?
Olhando para métricas que todo mundo conhece, o Preço sobre Lucro (P/L) do Facebook está em 25 vezes, mas, fazendo alguns ajustes, esse número pode ser ainda menor. Por exemplo, a empresa tem hoje 10% do seu valor de mercado em caixa. Considerando isso na conta, esse múltiplo já cairia para 22 vezes. Ajustando os gastos que a companhia tem com algumas iniciativas que não geram receita, sendo a principal delas o WhatsApp, poderíamos ver a ação facilmente sendo negociada a 18 vezes.
Desafio qualquer um a encontrar uma empresa que seja negociada a 18 vezes o P/L na bolsa brasileira. Uma empresa que tenha um mínimo de qualidade, não seja commodity ou ações cíclicas.
Quando olhamos o Facebook, uma empresa cresce a uma taxa de 20%, com margem Ebitda de 40%, ROE (Retorno sobre Patrimônio Líquido) infinito e negociando a 18 vezes P/L, é aquele investimento que achamos que precisamos ter capital relevante investido. Temos 5% de exposição do fundo na ação, porque estamos cuidando do patrimônio de clientes, mas é um negócio muito barato. E é barato porque o mercado está apavorado com o que o governo vai fazer com o Facebook.
Existe um grande ponto de interrogação sobre o que vão fazer com a empresa, mas achamos que os preços já incorporam boa parte do risco. O Google também é um espetáculo e está muito barato pelo mesmo motivo. Mas, entre os dois, ainda prefiro o Facebook.
Como você vê o movimento de rotação setorial de tecnologia para empresas cíclicas, que tem guiado os mercados nos últimos meses? Traz algum receio?
Acompanhamos e entendemos que há gestores mais de curto prazo que tentam pegar essas tendências, mas nossa filosofia foca em cinco anos. E acho praticamente impossível uma empresa de commodity se valorizar mais que uma empresa digital nesse período, porque o negócio é muito pior. Não tem como comparar uma Vale com um Facebook, que é de alto crescimento.
O movimento preocupa porque sei que se tivermos um desempenho abaixo da média em um mês, dois meses, os cotistas vão ficar chateados, mas faz parte do mercado. Não tentamos de forma nenhuma capturar essa rotação setorial.
Tem alguma proteção para portfólio?
Temos como filosofia estar sempre 100% investidos. Somos da opinião que hedgear crise é uma iniciativa de valor esperado negativo. Não temos nenhum hedge para o fim do mundo, Nada muito pessimista. O que fazemos é rebalancear posições que já andaram muito.
Acompanhamos o valuation dos papéis muito de perto. Sabemos que, no tema tecnologia, em que investimos parte relevante da carteira, existem ações que estão com preços muito exagerados. Então zeramos algumas dessas posições que ficaram muito caras e realocamos em coisas que ficaram mais baratas. Essa é a forma como nos protegemos, sempre tentando ter o portfólio mais barato do mundo dentro da nossa filosofia de alto crescimento.
Pode dar exemplos de algumas dessas trocas que fizeram no ano passado?
Somos grandes entusiastas de empresas de SaaS (Software as a Service). Achamos que esses são os melhores negócios do mundo, mas o negócio é tão bom que, com o mercado aquecido, essas companhias saíram um pouco do preço razoável. Acabamos reduzindo ou saindo da posição de algumas empresas de que gostamos muito. Uma delas é o Hubspot, que fazia parte do fundo.
É uma companhia que traz ferramentas de CRM para que pequenas e médias empresas possam acompanhar seu cliente na internet. Uma companhia fenomenal, mas a ação foi de 100 dólares para 400 dólares.
Entre as ações que fizeram investimento, uma empresa de que somos fãs e conseguimos entrar com um preço bom em março foi a Square, que é do co-fundador do Twitter. A ação estava em 100 dólares antes da covid, foi para 40 dólares no meio da crise, quando montamos uma posição importante. Agora, está em 240 dólares.
Capturamos um movimento bem interessante em Spotify, que carregamos desde o IPO, mas aproveitamos a queda para aumentar posição. Achamos a empresa espetacular, em um dos maiores mercados do mundo, que é o de música. A empresa tem 150 mil usuários pagantes, acreditamos que pode ter 1 bilhão. Pode ser quase 10 vezes maior daqui a alguns anos.
A equipe da gestora está sediada no Rio de Janeiro, como chegam a essas teses de investimento globais?
Temos investido com essa cabeça em inovação há sete anos. É um negócio que estamos construindo há um tempo. Mas temos alguns componentes que também nos ajudam a selecionar boas ideias. Olhamos muito para a indústria de venture capital, que é um celeiro muito importante para as empresas, com uma cultura focada em resultados. Acompanhamos o que os melhores fundos de venture capital estão fazendo. Acompanhamos todos os fundos com filosofia semelhante à nossa no mundo.
Temos também um acompanhamento tradicional que é filtrar as empresas olhando pelo aspecto quantitativo, qualitativo e de valuation. E um viés de geografia. Gostamos muito dos EUA, do Canadá e da Ásia, especialmente o Sudeste Asiático, que será a próxima grande fronteira da economia digital. Gostamos também de olhar para as empresas de Israel e agora fizemos nosso primeiro investimento no Japão. Entre os desenvolvidos, o país está entre os menos digitais e acreditamos que a covid acelerou uma mudança nesse sentido.
Depois da forte recuperação dos mercados, como avalia o valuation das ações hoje? E algo mudou em termos de estratégia de alocação do portfólio do começo de 2020 para este início de 2021?
O mercado está sem dúvida mais caro do que no ano passado. Mas, quando pensamos no nosso jogo, que é focar em cinco anos, acreditamos que não mudou muito, as ações subiram porque tinham que subir. O volume de e-commerce no Brasil quase que dobrou e as estimativas são que a curva deslocou para cima.
Entramos em 2021 com um portfólio muito parecido com o que entramos em 2020, porque o que vimos em 2020 só solidifica a nossa filosofia de investir em negócios de qualidade e em mercados globais. A diferença é que hoje estamos com a carteira um pouco mais diversificada em termos de número de ativos. Temos 25 ações, naquela época tínhamos por volta de 15.