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Longo desafio: renegociação de R$ 200 milhões da Marisa resolve só o curto prazo

Marisa ainda não conseguiu retornar à normalidade dos negócios após a pandemia. Nem em receita, nem em margem

Marisa (Marisa/Divulgação)

Marisa (Marisa/Divulgação)

GV

Graziella Valenti

Publicado em 9 de fevereiro de 2023 às 06h36.

Última atualização em 9 de fevereiro de 2023 às 16h26.

A Marisa (AMAR3)  tem adiado uma solução estrutural. Pelo menos, uma que não seja só a tentativa de vender o negócio. Há anos isso está na mesa sem avanços. Das iniciativas anunciadas nesta quarta-feira, dia 8, a que pode trazer algum alívio de prazo mais duradouro é a reestruturação que será conduzida pela Galeazzi Consultoria – a depender da profundidade. O desafio é que, normalmente, os resultados dessas reorganizações levam algum tempo para trazer frutos. E o caso é de urgência. O problema emergencial, vencimentos de R$ 200 milhões no curto prazo, será tratado pelo banco BR Partners, que foi contratado para renegociar esses compromissos.

Tudo isso foi – Galeazzi e BR Partners – foi comunicado agora. Mas o retrato não deixa dúvidas. A companhia fechou na mínima histórica, na B3, avaliada em menos de R$ 365 milhões. O valor de firma da Marisa, considerando mercado, é hoje em torno de R$ 930 milhões. E, desse total, mais de 60% está nas mãos de credores, e não dos acionistas.

Aliviar a pressão da dívida a vencer logo apaga o incêndio, mas não garante a salvação da floresta. Trocando em miúdos: não resolve o desafio da empresa. Precisa ser resolvido rapidamente, é claro, mas não soluciona o longo prazo.

A Marisa ainda não conseguiu retornar à normalidade dos negócios após a pandemia. Nem em receita, nem em margem. E, claro, a alavancagem financeira piorou muito, apesar de os compromissos totais terem sido cortados quase pela metade, de R$ 1,5 bilhão, ao fim de 2019, para R$ 788 milhões, ao fim de setembro.

Neste ano, o Ebitda ajustado acumulado até setembro ainda está em terreno negativo, em quase R$ 51 milhões. Em 2019, a Marisa terminou o ano com R$ 2,25 bilhões em receita líquida e um Ebitda de R$190 milhões – e os problemas de estratégia já existiam. Passados quase três anos do auge da pandemia, a receita líquida acumulada no ano passado, até setembro, estava em R$ 1,5 bilhão.

O problema atual na frente financeira foi causado por uma alta alavancagem existente já no pré-pandemia. Capitalizações realizadas em 2019 e 2021 deram fôlego, mas não solucionaram a questão – a prova de que, dinheiro só, não resolve. O rápido consumo de caixa durante os últimos três anos levou a essa situação de aperto extremo mais uma vez. O caixa, que estava em R$ 726 milhões, ao fim de 2019, marcava R$ 222 milhões em aplicações ao fim de setembro. Nesse momento, o saldo é ainda mais preocupante, segundo fontes que conhecem o caso de perto.

Em 2021, devido ao cenário complicado, a empresa tentou buscar uma operação de fusão com outras varejistas. Houve até mesmo uma negociação com a Americanas, mas que não avançou. Além disso, circularam rumores sobre uma potencial absorção pela Renner, mas que foi rapidamente negada.

A verdade é que a varejista não conseguiu surfar bem a retomada da demanda do vestuário ensaiada no fim de 2021 e no primeiro semestre do ano passado. Entre alguns dos pontos de dificuldade estava o ritmo mais lento de recuperação das lojas de rua em grandes centros comerciais, ainda afetadas, entre outras coisas, pela ampla adoção do home office nos escritórios.

Pegar carona nessa onda teria dado tempo para a companhia encontrar um plano de mais longo prazo.

O desempenho operacional ainda levou outro banho de água fria com o cenário geral do setor de vestuário no segundo semestre de 2022. Embora a coleção de outono-inverno em todo varejo tenha tido boas vendas, a permanência das temperaturas mais baixas afetou as vendas da coleção primavera-verão justamente quando os consumidores tinham de lidar com um crédito mais caro e níveis de inadimplência mais alto.

Segundo Fernando Pimentel, diretor-superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção, o varejo de vestuário cresceu 1,3% em termos reais em 2022. O impulso, porém, veio especialmente do primeiro semestre. No caso da Marisa, no terceiro trimestre as vendas em mesmas lojas caíram 4,9%. Nesse período, a Renner, por exemplo, registrou avanço de 7,9% nesse tal de SSS, ou same store sales, na sigla em inglês. E mesmo a C&A, cujas operações no Brasil têm sido alvo de boatos de venda, manteve estável nesse indicador.

Com exceção da Renner, o segmento de empresas de departamento com foco em vestuário tem sofrido. É um desafio generalizado, com alguns casos mais urgentes e agudos. Há grande dúvida sobre qual espaço esse mercado terá. Varejos segmentados que não conseguiram se estabelecer no online – e isso vale mesmo no Brasil, que está atrasado na digitalização das compras de vestuário - podem ter problemas no futuro. Em alguma medida, o drama da Bed, Bath & Beyond tem o mesmo pano de fundo.

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