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Longe da Faria Lima: a ascensão silenciosa de centros financeiros no Norte e Nordeste

Demanda por investimentos nas regiões é a que mais cresce no país - e mais empresas locais estão usando o mercado de capitais para se financiar

Fora da Faria Lima: ecossistema de investimentos cresce no Norte e no Nordeste (Gonzalo Azumendi/Getty Images)

Fora da Faria Lima: ecossistema de investimentos cresce no Norte e no Nordeste (Gonzalo Azumendi/Getty Images)

Rebecca Crepaldi
Rebecca Crepaldi

Repórter de finanças

Publicado em 10 de setembro de 2025 às 06h00.

Que o coração do mercado financeiro no Brasil fica na Faria Lima, ninguém questiona. Mas isso não quer dizer que outras regiões não estejam no páreo. Fora do eixo Rio-São Paulo, o Norte e o Nordeste se destacaram no primeiro semestre deste ano, apresentando os maiores crescimentos em investimentos, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

De acordo com a entidade, o volume financeiro da região Norte cresceu 8,5% na comparação de junho de 2025 com dezembro de 2024 — saltando de 131,3 bilhões para 142,5 bilhões. Já na região Nordeste, que ficou em segundo lugar, o avanço foi 7,9% no mesmo intervalo, indo de 683,6 bilhões para 737,8 bilhões. As outras regiões também registraram crescimento: Sudeste, 7,5%; Centro-Oeste, 6%; e Sul, 3,5%.

“É fato que temos uma relevância de riqueza concentrada no Sudeste. Mas, à medida que as informações ficam mais acessíveis por diversos canais, mostrando que há gestoras além da Faria Lima, falando a língua de quem mora em outras regiões, a gente espera ver, sim, um crescimento por todo o Brasil”, avalia Luciane Effting, presidente do Fórum de Distribuição da Anbima.

Passo de formiguinha

O número de gestoras tem crescido na parte de cima do mapa. Ainda não são muitas, é verdade, e justamente por isso, o potencial de crescimento é maior. De acordo com a Anbima, no Nordeste, em 2019, eram apenas 8 gestoras. Hoje são 20. No Norte, em 2019, simplesmente não havia gestoras por lá. Agora têm duas.

Uma das casas mais conhecidas no Nordeste é a Finacap, gestora de Recife com quase três décadas no mercado. Começou como uma operação voltada exclusivamente para renda variável, operando como um family office, e hoje também atua como asset management e wealth management, com R$ 2 bilhões sob gestão.

Para Alexandre Brito, sócio e gestor da casa, as regras de transparência da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e Anbima, como a CVM 175, trouxeram mais segurança e impulsionaram investimentos. O acesso facilitado à educação financeira, por outro lado, ajudou na qualificação de profissionais de mercado para atender demanda de investidores.

“É um crescimento parecido com o que aconteceu nos Estados Unidos, depois de 2008. Os reguladores passaram a exigir mais transparência e um melhor nível de relação fiduciária do profissional com seu cliente”, aponta Brito.

Aumento de assessores também impulsionam investimentos

O número de assessores de investimento nessas regiões também tem se multiplicado. De acordo com dados da Associação Nacional das Corretoras e Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários, Câmbio e Mercadorias (Ancord), na região Norte, o número saltou de 144 assessores em 2020 para 370 em 2025, um crescimento de 157%, em cima de uma base ainda pequena.

Na região Nordeste, eram 969 assessores em 2020 e hoje são 1.983, um aumento de 104,65%. Nas outras regiões o aumento foi de:

  • Região Sul +141,7%
  • Centro-Oeste +121%
  • Sudeste +42,3%

Entre os fatores que contribuíram para o aumento de investimentos nas regiões, a entidade cita “a diversificação de investimentos, novos e mais atrativos produtos, a própria conscientização do investidor que também está mais informado e exigindo atendimento mais personalizado e adequado, com mais assessores de investimento e novos escritórios chegando”, diz José David Martins Junior, diretor-geral da Ancord.

Ao observar os estados que mais se destacam está o Amapá, com crescimento de 350% no número de assessores, seguido por Pará (314,3%) e Tocantins (214,3%). Porém, os especialistas alertam: a base de comparação nessas regiões é baixa, por isso se um local tinha 1 assessor e passou para 3 assessores, por exemplo, o salto será de 300%.

Nordeste cresce mais que a média nacional

Com mais de 1,4 mil agências nas regiões Norte e Nordeste, somando mais de 14 mil funcionários, o Banco do Brasil (BB) é um player gigante comparado a outros na região e avalia: o aumento dos investimentos acompanham o aumento nos índices macroeconômicos.

O Produto Interno Bruto (PIB) da região Nordeste cresceu acima da média nacional em 2024. Segundo dados da Resenha Regional do Banco do Brasil, o PIB da região acumulou alta de 3,8% no ano anterior, ante índice positivo de 3,5% alcançado pelo país.

Retomada do setor automobilístico nos estados da Bahia e do Amazonas, a Zona Franca de Manaus, o setor de mineração no Pará e também no Amazonas, a exploração dos hidrocarbonetos, petróleo e gás na Paraíba e avanço dos serviços industriais voltados para parte de agropecuária no Tocantins e Bahia são importantes fontes de riqueza das regiões, segundo Mario Perrone, head de investimentos do BB.

“Tem a parte de agenda de investimento em infraestrutura e logística também. O sistema de transportes que torna a região Norte mais atrativa para negócio. Vamos ter a COP30 se aproximando, que é uma agenda importante ali em Belém que, vem movimentando muita riqueza. Acho que vale destacar no Nordeste o turismo também.”, explica.

Se eu conheço, vou comprar

Empresas do Norte e Nordeste passaram a emitir mais dívidas e isso fez com que as pessoas ficassem mais próximas do mercado financeiro.

“A gente teve um crescimento muito forte de operações no mercado financeiro de empresas locais, seja emissão de dívida, CRI, CRA, como debênture até lançamento de abertura de capital na bolsa”, explica Brito, da Finacap.

A lógico do "se eu conheço, vou comprar" pode ter sido um impulsionador também para o maior número de volume financeiro investido nessas regiões. Os dados, pelo menos, corroboram com isso.

Segundo a Anbima, em 2020, as emissões de debêntures, notas comerciais e notas promissórias somavam R$ 8,22 bilhões no Nordeste. Em 2024, esse número na região foi de R$ 49,12 bilhões, o que representa um aumento de quase 500%.

Na região Norte, esse avanço de emissões foi de R$ 2,1 bilhões em 2020 para R$ 15,05 bilhões em 2024 — um crescimento de 614%. Nas outras regiões, o aumento de emissões foi de 405% no Centro Oeste, 236% no Sudeste e de 200% no Sul.

“A medida que as empresas dessa região começam a fazer emissões via mercado de capitais, encontram a demanda de investidores com o conhecimento dessas empresas. Isso obviamente traz mais segurança para investir nesse tipo de papel”, comenta Effting.

Para além da familiaridade dos investimentos, o acesso tem ajudado a dar fôlego para as regiões. O surgimento de produtos como as ‘caixinhas virtuais’ e fundos com ticket inicial baixo, segundo o head do BB, também colaboram com a maior capilaridade de investimentos pelo país.

Em maio deste ano, o banco criou seu primeiro escritório de especialistas voltado ao investidor pessoa física no Nordeste, em João Pessoa (PB). Sinal de que demanda não falta.

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