Redação Exame
Publicado em 29 de abril de 2025 às 06h37.
Documentos obtidos pelo The Guardian nesta terça-feira, 29, expuseram como o regime chinês utilizou uma série de pressões e ameaças para tentar forçar um empresário, identificado apenas como "H", a retornar à China.
Entre as táticas usadas estava a participação de Jack Ma, o bilionário cofundador da Alibaba, em uma ligação com o empresário, com a missão de persuadi-lo a voltar ao país.
"H", que estava vivendo na França, enfrentava acusações de crimes financeiros em sua terra natal. A China havia emitido um mandado de prisão contra ele e solicitado sua extradição através da Interpol, o que o impediu de viajar e gerou um ambiente de vigilância internacional.
Durante esse período, "H" recebeu uma série de telefonemas ameaçadores, incluindo um de Ma, que afirmou ser a única pessoa capaz de convencer o empresário a retornar.
A pressão sobre "H" se intensificou em abril de 2021, quando Ma, em uma conversa telefônica, disse que o empresário poderia resolver seus problemas se colaborasse com a acusação de Sun Lijun, ex-ministro da segurança pública da China, segundo o Guardian.
Sun estava sendo processado por corrupção e manipulação do mercado de ações, e Ma sugeriu que a colaboração de "H" ajudaria a resolver a situação.
O empresário se recusou a voltar para a China, temendo pela sua segurança e pela possibilidade de ser preso, detido e torturado para fazer uma confissão. Em resposta, ele e seus advogados travaram uma batalha legal na França para impedir sua extradição, argumentando que o mandado de prisão foi emitido com fins políticos, para pressioná-lo a testemunhar contra Sun.
Além das ameaças diretas a "H", sua família também foi alvo de pressões. Sua irmã foi presa na China, e ameaças de prisão contra outros familiares foram feitas. Isso aconteceu enquanto o governo chinês utilizava sua influência na Interpol para emitir um aviso vermelho contra o empresário, impedindo-o de viajar.
O aviso vermelho emitido pela Interpol é uma ferramenta usada para alertar as autoridades de outros países sobre indivíduos procurados por crimes graves. No entanto, essa ferramenta tem sido alvo de críticas, com especialistas apontando que regimes autoritários a utilizam para perseguir opositores políticos além das fronteiras nacionais.
A China é frequentemente acusada de abusar desse mecanismo, usando-o para pressionar indivíduos a retornarem ao país sob ameaça.
As táticas de pressão não se limitaram a telefonemas.
De acordo com o relato de "H", visto pelo Guardian, as ligações que recebeu variavam entre promessas de anulação das acusações e ameaças diretas à sua segurança e à de seus familiares.
Em um dos telefonemas, um amigo de "H" chegou a dizer: “Em três dias, sua família inteira será presa”. Isso culminou na prisão de sua irmã, uma medida que visava pressionar o empresário a retornar à China.
Os advogados de "H" argumentaram que a extradição não deveria ser permitida, já que o pedido tinha motivação política. Em julho de 2021, o tribunal francês rejeitou o pedido de extradição e retirou o aviso vermelho da Interpol, reconhecendo que o mandado tinha o objetivo de forçar um depoimento contra Sun Lijun.
O caso de "H" está longe de ser único. A repressão transnacional da China tem sido documentada em uma série de casos, com a China utilizando pressões sobre dissidentes para garantir que voltem ao país ou se submetam ao controle do regime.
A campanha de intimidação de "H" envolveu um número significativo de pessoas, incluindo figuras como Jack Ma, que, após críticas ao regime, foi alvo de sanções e desapareceu da cena pública por um tempo. Sua reaparição pública foi vista por muitos como um sinal de recuperação política dentro do regime de Xi Jinping.
Ma, que havia sido criticado pelo governo chinês em 2020, ficou fora do radar público por meses após uma série de sanções. No entanto, ele retornou ao cenário político em 2021, fazendo gestos de apoio ao regime de Xi.
A ligação com "H", na qual ele disse ter sido contatado por oficiais de segurança chineses, revelou o grau de pressão exercido por Pequim sobre figuras influentes do setor privado para manter lealdade ao regime.