Investidores estão fugindo da China. E isso poderia beneficiar o Brasil (Thomas Peter/Reuters)
Os investidores internacionais estão fugindo da China. Nos primeiros três meses de 2022, os investidores estrangeiros já retiraram o valor recorde de US$ 6 bilhões de dólares do país asiático, por causa das incertezas internas e geopolíticas.
De acordo com um relatório recente do Instituto de Finanças Internacionais (IFF, na sigla em inglês), a China está enfrentando uma debandada de capital "sem precedentes" desde o início da guerra na Ucrânia, marcando uma mudança "muito incomum" nos fluxos globais de capital nos mercados emergentes.
Segundo o IFF, "o momento das saídas de capitais - que se acumularam desde a invasão russa da Ucrânia - sugere que os investidores estrangeiros podem estar olhando para a China sob uma nova luz, mesmo que seja muito cedo para tirar conclusões definitivas a esse respeito".
A razão desse "mega-saque" parece ser a tempestade perfeita que eclodiu sobre a economia chinesa.
Primeiro problema: um novo surto de Covid que não era visto por aqui há dois anos, desde os tempos sombrios do começo da pandemia na cidade de Whuan.
A volta dos lockdowns poderia novamente bloquear portos e travar as cadeias de suprimentos globais.
Segundo, o apoio à Rússia que muitos no Ocidente temem que possa aumentar ainda mais à medida que as semanas passam e a guerra na Ucrânia continuar.
Terceiro, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) da China foi fixado pelo governo de Pequim em 5,5%. A meta mais baixa dos últimos trinta anos. E mesmo assim, será muito difícil de alcançar.
Não por acaso, o primeiro-ministro, Li Keqiang, anunciou um pacote de estimulo fiscal superior a US$ 300 bilhões, com o objetivo de sustentar pequenas e micro empresas e empreendedores individuais, além de evitar problemas de desemprego.
Esse crescimento poderia ser afetado negativamente caso o Ocidente decrete sanções também contra a China, se Pequim ajudar substancialmente Moscou na guerra.
Guerra que, por sinal, ameaça também os corredores ferroviários na Europa Central da Nova Rota da Seda, uma engrenagem fundamental na Iniciativa do Cinturão e Rota do presidente Xi Jinping. Fundamental para escoar rapidamente as produções chinesas.
Quarto problema: um mercado imobiliário chinês ainda cambaleante e incapaz de retomar o crescimento.
A indústria havia se despertado um pouco na semana passada após a notícia de que o governo havia congelado o imposto sobre a propriedade.
Entretanto, a crise de liquidez continua e os números de fevereiro marcaram uma queda de 50% nas vendas das grandes empresas do setor em relação ao ano anterior.
A empreiteira Zhenro Properties Group, baseada em Xangai, está à beira da inadimplência, e outras empresas anunciaram que adiarão a divulgação de seus resultados financeiros para uma data posterior.
Há poucos dias, outra incorporadora chinesa, a Sunac, disse que não poderá pagar juros de títulos de sua dívida.
Mesma história da Evergrande, o gigante das construções já endividado por mais de US$ 300 bilhões, que viu US$ 2,1 bilhões de seus depósitos bloqueados em bancos credores depois de anunciar que não cumpriria o prazo final de março para apresentar seus resultados de 2021.
Por último: muitos investidores temem sobre uma possível saída de ações chinesas da Bolsa de Valores dos EUA.
Tudo, em um ano muito delicado para a China e para o Partido Comunista Chinês (PCC). Daqui poucos meses ocorrerá o 20º Congresso do PCC, e o secretário-geral, Xi Jinping, busca um terceiro mandato para se manter no poder. Algo sem precedentes na China, que poderia comparar Xi ao fundador da República Popular, Mao Zedong. Decretando, de fato, uma nova ditadura personalista na China.
A atuação do governo chinês contra os grandes grupos tecnológicos foi uma tentativa evidente de consolidar o poder. Como mostra o caso do Alibaba (BABA34), com o "sumiço" do fundador e controlador, Jack Ma, até que a empresa aceitou cumprir as diretrizes do Partido Comunista Chinês.
Isso amedrontou ainda mais os investidores estrangeiros posicionados em China.
Resultado: fuga de capitais da segunda economia do planeta terra. Com um fluxo financeiro gigantesco que busca novos investimentos internacionais.
Não por acaso, o índice Hang Seng da Bolsa de Valores de Hong Kong perdeu 45% em relação há um ano atrás.
No mesmo período, o Nasdaq Golden Dragon China, índice que inclui empresas chinesas do setor de tecnologia, caiu 58%.
O Brasil, por outro lado, parece se um oásis de tranquilidade entre os mercados emergentes. E, não por acaso, está registando um aumento dos fluxos de investimentos internacionais.
Em 2022, o saldo acumulado de investimentos estrangeiros na Bolsa de Valores de São Paulo (B3) já chega a quase R$ 90 bilhões. Basicamente o inteiro saldo positivo de 2021, que já tinha sido um ano de entrada recorde de investimentos estrangeiros.
A economia brasileira não está brilhando,com inflação, juros altos, riscos fiscais e ano de eleição. Mas o sentimento dos investidores internacionais em relação ao Brasil melhorou sensivelmente graças ao fato que o país não está envolvido nos problemas geopolíticos da guerra da Ucrânia.
Dos países do grupo dos BRICS, o Brasil foi o único que condenou a invasão da Rússia. Todos os outros tem interesses comerciais, cooperações militares ou laços diplomáticos tão estreitos com Moscou que amedrontam os investidores.
Além disso, o mercado brasileiro oferece aos investidores internacionais exatamente aquilo que eles procuram nesse momento: commodities e bancos.
Mais de 50% da composição do Ibovespa é formado por empresas como Vale (VALE3), Petrobras (PETR4) ou bancos, como Itaú (ITUB4), Bradesco (BBDC4) ou BTG Pactual (BPAC11).
A Bolsa de Valores brasileira também está barata. O indicador de preço em relação ao lucro da Bolsa segue em 7,8 vezes, bem abaixo da média histórica, que foi de 12 vezes.
Um múltiplo ainda mais baixo considerando a expectativa de lucros para 2022 que segue aumentando por conta da forte alta dos preços das commodities.
"O fluxo vem para o Brasil naturalmente pela nossa natureza de exposição em commodities. A gente tem uma concentração muito grande em empresas de valor", explica Leonardo Paiva, economista do BTG Pactual, "Mas isso depende muito mais do ciclo econômico global do que por uma questão estrutural brasileira. Isso porque as empresas de commodities respondem às condições globais de cada mercado específico. E bancos respondem aos juros altos. Nesse momento, a conjuntura é favorável para commodities e juros. Por isso que os investimentos estrangeiros estão chegando".
Segundo Paiva, uma agenda de reformas poderia ser positiva para a Bolsa de Valores do Brasil, pois reduziria o risco estrutural do país e também aumentaria a eficiência da economia como um todo, "mas isso vai ficar mais para o novo governo, de 2023 para frente".