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Por que o iene japonês não é mais uma moeda 'porto seguro'

A divisa nipônica perdeu cerca de 30% desde o começo do ano, e essa queda poderia ser o prelúdio para um novo "Cisne Negro" para a economia global

10000 Japanese Yen notes (GettyImages/Reprodução)

10000 Japanese Yen notes (GettyImages/Reprodução)

O ano de 2022 não foi nada fácil para os investidores internacionais. Inflação em alta no mundo inteiro, alta dos juros, recessão à vista nas maiores economias mundiais (menos no Brasil), turbulências geopolíticas e crise energética na Europa. Em um contexto como esse, a busca é naturalmente pelos chamados "ativos portos seguros", como ouro, títulos do tesouro dos Estados Unidos ou moedas fortes.

Entretanto, uma das moedas mais importantes do mundo, o iene japonês, divisa da terceira mair economia global e parte da reserva de muitos bancos centrais, está perdendo sua característica de "ativo porto seguro", após ter se desvalorizado quase 30% nos últimos 10 meses.

Em março de 2020, quando o cisne negro da Covid-19 estourou nos mercados mundiais, o iene foi comprado ao dólar e ao ouro como "ativo porto seguro" para superar as fases mais agudas do pânico financeiro. Hoje, no entanto, os investidores preferem não incluí-lo em suas reservas, considerando a linha ultra-expansionista e completamente fora de contexto adotada pelo Banco do Japão, com consequente desvalorização maciça da moeda.

No começo de novembro, o câmbio entre dólar e iene chegou a 147, o mais elevado dos últimos 32 anos. Isso apesar do Banco Central do Japão tentar defender o valor da moeda duas vezes em poucas semanas, vendendo US$ 43 bilhões. Uma manobra que não conseguiu salvar a moeda japonesa da desvalorização. Um sinal ulterior de fraqueza enviado aos investidores globais.

Iene vive pior momento desde o final da década de 1980

Mas por que o iene está em seu pior momento desde o final da década de 1980? Parte da resposta está no que os especialistas chamam de "desacoplamento" da política monetária. Este fenômeno ocorre quando os Bancos Centrais de duas áreas econômicas seguem caminhos opostos: uma inicia uma política monetária restritiva (como o caso do Federal Reserve ou do Banco Central Europeu) enquanto o outro (o Banco do Japão) adota uma atitude expansiva e dovish.

Entretanto, o mercado cambial não é um espectador indiferente, e seu andamento acaba refletindo esta divergência monetária penalizando o iene.

Os investidores estão simplesmente percebendo que o Banco Central do Japão se tornou o único grande Banco Central do mundo que quer continuar vivendo na era das taxas de juros zero ou negativas. Atualmente, os juros curtos definidos pelo BoJ ainda são negativos: -0,1%).

A desvalorização é o preço que o Japão está pagando por ter uma moeda menos atrativa e uma Bolsa de Valores que enfrenta dificuldades por causa da fuga dos investidores estrangeiros. Mesmo se o índice Nikkei só perdeu 5% desde o início do ano, contra uma queda de -20% em Wall Street e de -22% nas bolsas europeias, os prejuízos são muito mais profundos se comparados em dólares, doendo muito mais nas carteiras dos investidores estrangeiros.

Muitos analistas se perguntam se a experiência japonesa de imprimir dinheiro sem limites por mais de 30 anos chegou em seu pico, em um possível ponto sem retorno, de fato tornando impossível uma política monetária restritiva. Até a inflação, que neste momento está por volta de 3% apesar do Japão ser um grande importador de energia (que se tornou mais cara devido à desvalorização do iene), corre o risco de disparar e complicar a estabilidade das contas do país asiático.

Curva de juros na contramão no Japão

Outro indicador que mostra como o mercado está muito menos compreensivo com as políticas monetárias de Tóquio é a curva dos rendimentos, que está se achatando nas principais economias do mundo e está se inclinando no Japão. Os juros em até 10 anos estão em 0,25%, mas são influenciados pelo Banco do Japão. Já os títulos de 30 anos, que flutua sem intervenção da instituição monetária central nipônica, apresenta taxas de 1,5%, uma alta de 50 pontos-base em relação a março.

Com isso, muitos investidores estão se perguntando até que ponto a moeda japonesa irá cair. Se os mercados entrarem uma fase de risk-off, cenário bastante provável até a primeira metade de 2023 considerando que nos aguardam trimestres complicados, a cotação dólar/ienes poderia chegar até 170.

No entanto, muito dependerá da evolução das taxas de juros dos Estados Unidos, especialmente as dos títulos do Tesouro Americano com vencimento em 10 anos, com as quais a taxa de câmbio tem uma correlação direta quase perfeita. Isso pois o primeiro detentor estrangeiro de títulos da dívida pública norte-americana é o Japão, mesmo se esse montante está progressivamente diminuindo.

Em casos extremos, o governo de Tóquio poderia decidir de vender boa parte dos títulos do Tesouro para tentar estacar essa sangria do câmbio. Uma decisão, de fato, kamikaze, que jogaria para o alto os rendimentos dos Treasuries e derrubaria seu valor em nível global, com um efeito cascata sobre os balanços de grandes empresas e até de inteiros países. Fazendo do Japão um possível novo Cisne Negro da economia mundial.

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