Somente neste ano, Ibovespa perdeu e retomou a casa dos 100.000 pontos sete vezes (DNY59/Getty Images)
Guilherme Guilherme
Publicado em 20 de outubro de 2020 às 19h24.
Última atualização em 20 de outubro de 2020 às 20h11.
O Ibovespa voltou a fechar com mais de 100.000 pontos nesta terça-feira, 20. Mas nem de longe a festa se igualou à de junho do ano passado, quando o principal índice da B3 encerrou acima do patamar pela primeira vez. Isso porque além dessa ter sido a 12ª vez que o mercado brasileiro atinge a marca, o horizonte está mais nebuloso que o de pouco mais de um ano atrás. Embora bancos de investimentos e corretoras ainda apostem que o Ibovespa encerrará o ano acima dos 100.000 pontos, há grandes desafios pela frente.
No curtíssimo prazo a possibilidade de republicanos e democratas chegarem a um acordo sobre um pacote de estímulos antes das eleições americanas – que motivou o índice a voltar para os 100.000 pontos – também pode ser motivo de pessimismo, caso não se torne realidade. Nesta terça, a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, que toca as negociações com o secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, voltou atrás sobre o prazo final para o acordo, o que pode arrastar a discussão por mais algum tempo.
Embora tenha dito, no domingo, que terça seria o prazo final para um acordo sobre o estímulo, em entrevista à Bloomberg, ela disse que seria apenas o último dia para colocaram os termos sobre a mesa e avançar para a próxima fase. “Legislação leva tempo”, disse.
Mas além do impasse sobre os estímulos, os mercados ainda precisam lidar com as incertezas das eleições americanas com o maior número de votos por correios da história. Atrás nas pesquisas de intenção de voto, o atual presidente Donald Trump já sinalizou que pode contestar os resultados, caso não vença. Diante desse cenário, investidores chegam até mesmo a cogitar que uma derrota avassaladora de Trump seria o melhor dos mundos, embora não sejam afeitos aos planos de tributação corporativa do candidato democrata Joe Biden.
“Os investidores deixaram de pressionar uma possível vitória do candidato democrata Joe Biden e estão digerindo melhor as propostas. Agora, o principal tema para as próximas semanas deve ser muito mais quando vai sair o resultado do que quem vai ganhar”, afirma Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos.
Tudo isso poderá ocorrer ao mesmo tempo em que a temporada de balanços do terceiro trimestre estará a pleno vapor no Brasil e países europeus estão lidando com a segunda onda de coronavírus.
Nas últimas semanas, criou-se um otimismo sobre a possibilidade de os resultados trimestrais superarem as expectativas do mercado. Isso se observou, principalmente, com os grandes bancos, que passaram por forte valorização nos últimos pregões, na esperança de que haja queda das provisões contra calote – que se tornou uma das maiores ameaças do setor desde o início da pandemia. Mas, pelo menos para Bruno Lima, analista da Exame Reserch, há grande chance de as provisões se manterem altas até 2021. “A verdadeira inadimplência só deve aparecer no ano que vem, dado que muitos créditos foram renegociados”, comenta. Caso o otimismo dê espaço à decepção após a divulgação dos resultados, os efeitos nas ações dos grandes bancos podem ser negativos, pressionando o Ibovespa.
Mas enquanto os mercados brasileiro e americano tentam digerir os resultados corporativos, os europeus ainda repercutem negativamente os efeitos da pandemia. No continente, os números de casos de contaminação voltaram aos patamares recordes, fazendo com que maioria dos países retomassem medidas de isolamento, em menor ou maior proporção. Na Irlanda, o lockdown precisou ser retomado.
“A retomada dos casos de covid na Europa lembrara os investidores que a pandemia ainda segue em curso e que novas rodadas de fechamentos de negócios e prejuízos econômicos continuam no radar”, diz Paloma Brum, economista da Toro Investimentos.
No Brasil, a questão fiscal entrou em modo silencioso, mas segue presente no radar. Embora as recentes sinalizações do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e do ministro Paulo Guedes sobre o cumprimento do teto de gastos, as discussões sobre o Renda Cidadã devem trazer o tema à tona após as eleições municipais.
Já as reformas, o mercado acredita que são praticamente impossíveis de serem aprovadas até o fim de dezembro “Tinha a expectativa que a tributária passasse pela Câmara ainda neste ano. Mas no máximo deve passar pela comissão mista, o que não seria suficiente para impulsionar a bolsa. Sobraram muito poucos gatilhos positivos no Brasil”, comenta Cruz.
Por outro lado, avanços nos testes das vacinas mais promissoras podem ser o grande impulsionador da bolsa nas últimas semanas do ano, segundo Cruz. “Em dezembro tudo para. Então vai dar para focar só em notícia de vacina – isso se as eleições americanas forem resolvidas.”
Entre as candidatas à vacina, estão várias no radar do mercado, como as que vem sendo desenvolvidas pela AstraZeneca/Oxford, Pfizer/BioNtech, Moderna, J&J e outras. No entanto, nem todas são vistas com o mesmo potencial positivo para as bolsas de valores. “Não vejo a vacina russa, por exemplo, fazendo preço, porque não passou por um crivo rigoroso de agências regulatórias. Mas a chinesa tudo indica que está passando pelos pontos de análise e ganhando a confiança do investidor”, diz Henrique Esteter, analista da Guide. "Os gatilhos positivos são muito mais ligados à redução dos riscos do que qualquer outra coisa."
Mas ainda que haja algum otimismo sobre a possibilidade de um rali de fim de ano e de o Ibovespa encerrar 2020 acima dos 100.000 pontos, Igor Graminhani, analista gráfico da Genial Investimentos, afirma que, ao menos ainda, não há muito a que se comemorar. “O Ibovespa ainda não entrou em tendência de alta. A tendência de curto prazo ainda é baixista, embora no médio prazo seja de alta. Os 100.000 pontos, por ser um número redondo, o mercado acaba gravando, mas não é necessariamente um ponto de resistência. O desafio agora é romper os 102.330 pontos.”