Mercados

Os humoristas do mercado

Com análises debochadas inspiradas no americano Jim Cramer, do programa Mad Money, a Empiricus conquista clientes e prepara a estreia na TV. Mas ainda precisa provar que está livre de conflitos de interesses

Os sócios Miranda, Amstalden e Mesquita: relatórios e polêmicas espalhados por e-mail (.)

Os sócios Miranda, Amstalden e Mesquita: relatórios e polêmicas espalhados por e-mail (.)

DR

Da Redação

Publicado em 3 de maio de 2010 às 10h23.

"Seu despertador amanheceu piscando num horário qualquer da madrugada. Você nem fez a barba, meteu-se num terno e foi trabalhar. Leu no jornal 'apagão no país' e pensou aliviado que seu atraso estava justificado. Mas você é um trader e está preocupado com o mercado. Uma dica: coce a barba. Pensou? Não! Coce novamente! Agora sim, tudo está claro: compre MPX!" Até pouco tempo atrás, tiradas assim, cheias de humor e ironia, seriam impensáveis num relatório de ações. Mas, desde novembro, elas se tornaram rotina para os clientes da Empiricus Independent Research, empresa de análise de ações criada naquele mês por economistas e profissionais do mercado financeiro. Inspirados no estilo debochado de Jim Cramer, âncora do Mad Money - programa de finanças mais popular da TV americana -, os textos são enviados diariamente a 65 pessoas físicas e jurídicas, como a corretora Icap e a gestora de recursos paulista Bahema. Em março, versões resumidas passaram a ser distribuídas nos 6 000 terminais da Bloomberg no mundo todo. Ainda nes te semestre, os sócios da Empiricus devem seguir a trajetória do ídolo e estrear um programa de TV. Eles trabalham com a Endemol, produtora que inventou o Big Brother, numa versão brasileira do Mad Money, com o sócio Marcos Elias no papel de economista maluco. "Não há no Brasil quem traduza o mercado financeiro para a massa. Precisávamos de alguém polêmico, divertido e com conhecimento do tema", diz Daniela Busoli, gerentegeral da Endemol no Brasil.

É muito cedo para dizer se a Empiricus tem cacife para estar entre as melhores casas do ramo. "Para saber se um analista é bom mesmo é preciso acompanhar os relatórios por pelo menos seis meses e comparar com os resultados das empresas citadas", diz Ricardo Rochman, professor da Fundação Getulio Vargas, que estuda o desempenho dos analistas no país. Além de não ter nem seis meses de vida, por ora a Empiricus coleciona alguns acertos - como a antecipação do pagamento dos dividendos da Eletrobrás e a previsão de que a Amil compraria a Medial nove dias antes do anúncio do negócio - e palpites ainda não comprovados. Em novembro, recomendou a compra de ações da Brasil Telecom, mas, até agora, os papéis caíram cerca de 12%. Por mérito ou diversão, é comum que e-mails com os relatórios se espalhem pelo mercado. Fizeram sucesso os "Dez mandamentos de Eike Batista", com dicas como "Seja fashion!, Tenha lancha, avião e helicóptero. More no Rio de Janeiro ou em Floripa, mas nunca em São Paulo". Houve também algumas polêmicas, como a provocada pelo texto que dizia que o ex-presidente do Banco Central Pérsio Arida, hoje sócio do BTG Pactual, é um seguidor da economista Deirdre McCloskey, professora da Universidade de Illinois. O texto se espalhou e Arida não gostou. Enviou um email dizendo que publicou seus estudos antes dos da americana e pediu reparação - o que a Empiricus não fez.


Causar polêmica não é, segundo os sócios da empresa, o objetivo. Felipe Miranda, analista responsável, diz que a ideia é oferecer uma alternativa aos relatórios tradicionais. Em mercados maduros, as casas independentes são antigas, algumas estão no topo dos rankings de análise e podem faturar dezenas de milhões de dólares por ano. A Empiricus ainda está bem longe desse patamar - o faturamento deve chegar a 1,5 milhão de reais neste ano. Os sócios com mais experiência são Caio Mesquita, que foi diretor dos bancos Brascan e BNP Paribas, e o Jim Cramer tupiniquim, Marcos Elias - que foi sócio da corretora Link, uma das maiores do país, e hoje comanda a gestora Galleas (que fechou seus fundos de ações para aplicação e resgate na crise de 2008 por ter dificuldade para bancar os saques). Os demais são acadêmicos ou tiveram passagens curtas por bancos como o Deutsche Bank.

Há quem questione se eles estão realmente livres de conflitos. O que levanta dúvidas é o fato de Elias e outros três sócios da Empiricus também participarem do capital da Galleas, o que poderia gerar conflito de interesses. "Se você é gestor e compra uma ação, tudo o que você mais quer é que falem bem da empresa depois", diz um dos clientes da Empiricus. Hoje, as sete ações do portfólio da Galleas também são recomendadas pela Empiricus. Os profissionais se defendem dizendo que as atividades são separadas - e que há opiniões divergentes. Em novembro, por exemplo, a Galleas não seguiu a recomendação da Empiricus de comprar papéis da Eletrobrás e perdeu os ganhos gerados pelo pagamento de dividendos. "Não há conflito, porque os sócios da Galleas não fazem relatórios indicando papéis", diz Felipe Miranda. Desse tipo de desconfiança, nem Jim Cramer escapou. Em 1995, ele foi investigado pela CVM local por recomendar, num artigo de revista, três ações que faziam parte da carteira de sua gestora sem informar isso aos leitores. Sua reputação ficou abalada, mas a revista assumiu o erro. Desde então, Cramer só ficou mais famoso.


Acompanhe tudo sobre:AçõesB3bolsas-de-valoresCVMEmpresasEmpresas abertasInvestimentos de empresasservicos-financeiros

Mais de Mercados

Por que a China não deveria estimular a economia, segundo Gavekal

Petrobras ganha R$ 24,2 bilhões em valor de mercado e lidera alta na B3

Raízen conversa com Petrobras sobre JV de etanol, diz Reuters; ação sobe 6%

Petrobras anuncia volta ao setor de etanol