(EXAME/Exame)
Nas últimas semanas, a busca pelo termo "estagflação" se tornou a mais elevada da história do Google.
No mundo inteiro o temor de investidores, banqueiros e empresários é um só: o mix explosivo de inflação e queda de Produto Interno Bruto (PIB). Que nos livros de macroeconomia se resume com a palavra "estagflação".
Após dois anos de pandemia e três meses de guerra na Ucrânia, boa parte do mundo está enfrentando exatamente esse cenário.
Preços nas alturas, principalmente os energéticos. E queda do PIB, por causa da desorganização das cadeias globais de produção.
E isso tudo poderia ser uma consequência de políticas monetárias equivocadas levadas adiante pelos maiores bancos centrais do planeta.
Desde a crise financeira de 2008, os maiores bancos centrais do mundo, o Federal Reserve (FED) dos Estados Unidos, o Banco Central Europeu (BCE), o Banco da Inglaterra e o Banco do Japão, tentaram reanimar economias moribundas com o equivalente monetário da respiração boca a boca: injeção cavalar de dinheiro barato, compras de títulos do governo e subsídios bilionários.
Hoje, essas mesmas autoridades monetárias centrais enfrentam o problema oposto: como conter a inflação desenfreada sem sufocar o crescimento e empurrar seus países para a recessão.
Mas o risco é que eles cometam erros catastróficos.
Ou seja, se fizerem muito pouco, demorando tempo demais para aumentar os juros, retirando os estímulos e tentando desinflar as bolhas do mercado, o mundo poderia entrar em uma espiral inflacionária como a dos anos 1970.
Mas se forçarem a barra, aumentando o custo do dinheiro, cortando os estímulos demasiado rápido e interrompendo o "bull market" global, poderiam criar uma crise econômico-financeira, com uma recessão mundial. E com o risco adicional de não conseguir limitar a inflação.
Parece uma visão apocalíptica. Na realidade é até generosa demais com os banqueiros centrais.
O Fed e o BCE já cometeram um erro evidente: subestimaram a inflação.
Durante os meses da recuperação econômica pós-pandemia, os respectivos presidentes, Jerome Powell e Christine Lagarde, se consideraram membros do "Time da Inflação Transitória".
O nome artístico daqueles que pensavam que a alta dos preços fosse apenas um fenômeno passageiro.
Por isso, os dois maiores bancos centrais do mundo não fizeram absolutamente nada.
Meses de inatividade baseada em supostas razões econômicas. Em particular, na ideia de que a causa da inflação fosse devida a um choque de oferta.
Principalmente por causa da alta no custo da energia e em outros movimentos causados pela reativação no setor de serviços após o impasse da pandemia.
Os livros de macroeconomia ensinam que, embora os bancos centrais consigam influenciar a demanda por bens e serviços manipulando o custo do dinheiro, as taxas de juros são muito menos eficazes na regulação da oferta.
Portanto, segundo essa visão, em um cenário como esse seria melhor não fazer nada.
É por isso que, em novembro passado, Powell tinha declarado que "as nossas ferramentas não podem aliviar as restrições de oferta”.
“Continuamos acreditando que nossa economia dinâmica se ajustará aos desequilíbrios de oferta e demanda e que, ao fazê-lo, a inflação cairá para níveis muito mais próximos de nossa meta de longo prazo de 2%", chegou a dizer na ocasião o presidente do Fed.
Mesma coisa sua homologa europeia, que usou o adjetivo "contida" para definir a inflação.
Entretanto, em vez de desacelerar ou se conter, os preços aumentaram exponencialmente.
Na zona do euro a inflação atingiu um novo recorde no mês passado. Enquanto nos EUA está nos níveis mais elevados dos últimos 40 anos.
A guerra na Ucrânia empurrou para cima os preços da energia, que já vinham de uma tendência de alta desde o terceiro trimestre de 2021.
Portanto, os números mostram que "Time da Inflação Transitória" errou feio. E foi forçado a agir rapidamente.
Só que o Fed e o BCE atuaram de maneiras diferentes.
O banco central americano começou a aumentar os juros e a parar de comprar títulos nos mercados em março.
O BCE simplesmente pediu desculpas.
A única ação concreta de Lagarde e sua equipe foi um estudo que explicava as razões pelas quais bancos centrais e instituições internacionais estavam errados em suas previsões de inflação.
Uma contribuição interessante e muito polida, útil para o debate acadêmico.
Mas muito pouco incisiva para os milhões de consumidores, empresas e empresários que são obrigados a enfrentar preços mais elevados para viver e administrar seus negócios.
O BCE já deixou claro que vai começar a atuar somente em julho, com o fim dos estímulos monetários e com a primeira alta de juros em mais de dez anos.
Hoje os juros na zona do euro estão negativos.
Lagarde e Powell estão tentando realizar aquilo que os economistas chamam de "aterrissagem suave".
Ou seja, reduzir a política monetária expansionista sem influenciar negativamente o crescimento econômico.
O Fed diz ter conseguido esse feito várias vezes no passado. Por exemplo, em 1965, 1984 e 1994.
Entretanto, as condições econômicas naqueles anos eram muito diferentes por três razões.
A primeira é que em todos os outros casos o Fed conseguiu domar a alta dos preços elevando as taxas de juros acima do nível de inflação.
Hoje, no entanto, a inflação está em 8,3% e as taxas estão em 0,75% -1%.
As previsões do mercado indicam que os juros atingirão cerca de 2,85% no final do ano. Bem abaixo da inflação.
A segunda razão é que o desemprego nos EUA nos anos citados era muito maior.
Isso ajudou o Fed a reduzir a inflação sem desacelerar a economia porque, quando as taxas caíram novamente, muitos trabalhadores foram contratados, mas sem pedir salários muito altos.
Em 1984, por exemplo, a taxa de desemprego era de 7,3%, mais que o dobro da atual.
E a terceira razão, que nos traz de volta ao erro fundamental dos bancos centrais, é que nas outras "aterrissagens suaves", o Fed havia se movido antes da chegada do "dragão", e não com meses de atraso como agora.
Mesma coisa para o BCE, com a agravante de que a zona do euro está crescendo menos que os EUA e o fim dos estímulos monetários poderia reviver os problemas da dívida de países com sérios problemas fiscais, como Grécia, Portugal, Espanha ou Itália.
Em sua, os maiores bancos centrais do mundo estão em uma encruzilhada. E nem eles sabem como sair dessa.
Portanto, a pergunta para os banqueiros centrais hoje é: por qual erro vocês gostariam de entrar para a história?