FIPs: Mesmo que seja aberto ao varejo, produto deve ser voltado para alta renda, pelo seu perfil de risco (Getty Images)
Repórter de finanças
Publicado em 21 de julho de 2025 às 07h02.
Mais um investimento dá um passo rumo ao varejo: a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) debate com o mercado a possibilidade de abrir os Fundos de Investimento em Participações (FIPs) para investidores pessoas físicas. De dezembro até março a CVM abriu uma consulta pública sobre a temática, em que recebeu 27 manifestações.
No momento, esses fundos não são para qualquer um. Apenas investidores qualificados, ou seja, aqueles que têm no mínimo R$ 1 milhão em investimentos podem comprar cotas dos FIPs.
Os FIPs aplicam seus recursos preponderantemente em participações societárias de empresas fechadas, ou seja, que não têm ações negociadas na bolsa. Esses fundos têm perfil bastante abrangente e são usados com frequência por famílias de alta renda e empresas para consolidar investimentos e facilitar sucessões.
Mas é por meio deles também que são implementadas estrartégias de private equity, que investe em empresas mais maduras, mas que ainda têm potencial de expansão, ou venture capital, quando o foco está em empresas em estágios iniciais, geralmente startups com perfil inovador.
“Um FIP nunca vai comprar uma empresa como a Vale (VALE3), vai pegar uma empresa menor, em desenvolvimento. Quinto Andar é de um FIP”, diz Leandro Turaça, sócio da Ouro Preto Investimentos, destacando que toda expansão do produto que seja possível fazer para o público geral é interessante, porque democratiza o investimento.
Os fundos que investem private equity e venture capital são chamados de FIP Capital Semente, aquele fundo que poderá comprar empresas que se enquadram numa receita bruta anual de até R$ 16 milhões, e FIPs Empresas Emergentes, em que o fundo pode comprar empresas com receita bruta anual de até R$ 300 milhões.
Também existem FIPs focados em infraestrutura (FIP-IE), pesquisa e inovação (FIP-PD&I), saneamento, energia e agronegócio, com objetivos mais ligados ao desenvolvimento de setores estratégicos da economia. Esses FIPs possuem benefícios fiscais tanto para pessoas físicas quanto jurídicas, como a isenção do Imposto de Renda (IR) em alguns casos.
Já o FIP Multiestratégia permite investimentos em empresas de diferentes portes (incluindo private equity e venture capital) e até no exterior. No entanto, caso haja alocação fora do país, o fundo passa a ser exclusivo para investidores profissionais — aqueles com patrimônio superior a R$ 10 milhões.
A hora do crédito: patrimônio em FIDCs supera pela primeira vez o de fundos de açõesO FIP é um investimento de longo prazo, ilíquido, com mais risco que os demais – mas, em contrapartida, promete retornos mais altos. Como os fundos são fechados, não há um mercado secundário e o investidor não consegue resgatar seu dinheiro a qualquer momento: o retorno só ocorre quando o fundo é encerrado ou quando a empresa investida é vendida, seja para outra companhia, seja por meio de uma Oferta Pública de Ações (IPO), o que pode levar anos.
Além disso, o desempenho do FIP depende diretamente do sucesso operacional das empresas investidas, o que torna o risco consideravelmente maior. Apesar de uma empresa listada na bolsa de valores ter seus riscos de crescimento, elas são consideradas empresas mais maduras do que as investidas fechadas pelos FIPs, o que, em tese, traz mais segurança.
Por conta disso, a CVM propõe uma série de mecanismos para proteger o investidor pessoa física. “O investidor qualificado talvez tenha um pouco mais de consciência dos riscos. O de varejo precisa de mais travas. Acredito que o regulador vai colocar algumas regras que vão beneficiar a relação risco-retorno do produto”, pontua Turaça.
Entre elas está a proibição de chamadas de capital, ou seja, o momento em que o gestor solicita mais dinheiro aos cotistas para cobrir, por exemplo, possíveis perdas ou para fazer um investimento novo. Mas há manifestações contrárias. Para a Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP) proibir as chamadas de capital pode impactar alguns tipos de estruturas que ocorrem nos FIPs.
Na manifestação, a entidade também alerta que há mecanismos para proteger o investidor do risco de crédito inerente às chamadas de capital. As chamadas de capital devem ser vedadas, "exceto nas hipóteses em que sejam adotados mecanismos ou instrumentos para eliminação, ou mitigação do risco de crédito inerente às chamadas de capital", aponta o documento.
A entidade se diz a favor da abertura dos FIPs para pessoas físicas – entretanto, fala que não é o tipo de investimento aplicável a qualquer pessoa. Por mais que não seja investidor qualificado, o produto não deveria ser assim tão democrático, e tem perfil para atender a alta renda.
“Está tendo um interesse muito grande, principalmente de pessoas de alta renda nessa classe de ativos. Faz sentido uma pessoa que tem só R$ 10 mil investir em um fundo fechado, de longo prazo, que você não sabe quando vai resgatar? Todo mundo não significa todo mundo”, comenta Luiz Eugênio Figueiredo, vice-presidente da ABVCAP.
Além disso, a CVM diz que as cotas devem ser listadas em bolsa e devem contar com serviços de formador de mercado – para gerar liquidez. A CVM também propôs que os FIPs adotem responsabilidade limitada, restringindo eventuais perdas dos cotistas ao valor de suas cotas, mesmo que o fundo acumule prejuízos superiores ao seu patrimônio.
Para Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), no entanto, a listagem em bolsa pode gerar uma falsa sensação de liquidez. “Essa listagem imposta seria artificial, passaria uma sensação que por ser listado, o investidor conseguiria sair daquele investimento, mas não necessariamente. O investidor que investe em FIP precisa estar ciente da iliquidez daquele produto”, comenta Julya Wellisch, diretora da Anbima.
A Anbima também é a favor da abertura dos FIPs para o público de varejo, desde que haja uma regulação por trás que garanta a proteção ao investidor. “Ativos privados podem ser mais complexos, mas a partir do momento que se cria um regime regulatório de adequação de informação aos investidores, e entendemos que a proposta da CVM traz esse conjunto, conseguimos conciliar um desenvolvimento dessa indústria com proteção ao investidor”, afirma Wellisch.
Os FIPs, inclusive, vem se destacando. Segundo dados da Anbima, no ano até junho, esses fundos captaram R$ 9,9 bilhões, se consolidando como a terceira maior classe em captação líquida no acumulado. Em junho deste ano, os FIPs somavam R$ 943,73 bilhões em patrimônio líquido segundo a Anbima, ficando em quarto lugar com maior PL entre todas as classes de ativos – sendo que R$ 535 bilhões eram de investidor estrangeiro, o que mostra o interesse desse público pela classe de ativos.
Já em número de fundos, em dezembro de 2024, havia 1.903. Em dezembro de 2019, cinco anos antes, esse número era de 980 – um aumento de quase 100%. Em junho de 2025, a quantidade de fundos já é de 1.951.
Com impacto direto na economia real, entre as empresas que receberam investimentos até setembro de 2024 por meio dos FIPs, em primeiro lugar aparecem 307 companhias de bens de capital que receberam aportes, seguidas por 247 empresas de energia. Em terceiro lugar, 140 companhias de serviços administrativos receberam investimentos de FIPs. Ao todo, foram 959 companhias no período, segundo a Anbima.
“Isso tudo revela um apetite institucional por alocações alternativas, especialmente em setores como infraestrutura, energia e agronegócio. São áreas que operam com contratos de longo prazo, receita previsível e menor exposição à volatilidade, o que faz sentido mesmo num cenário de juros elevados”, pontua Bruno Corano, economista da Corano Capital.
Mas ele enfatiza: o boom dos FIPs não se dá no cenário de private equity ou venture capital. Isso porque as elevadas taxas de juros redirecionam a atratividade do investimento. “A Selic continua alta, o custo de oportunidade é elevado, há muita incerteza fiscal e política no ambiente macroeconômico, e o mercado de saídas está praticamente travado. E o mercado de IPOs continua fechado, o que dificulta a principal via de desinvestimento dos fundos”, explica.
A pesquisa da ABVCAP mostra esse cenário: em 2024, foram investidos R$ 13,1 bilhões em private equity, o menor valor em quatro anos – em 2023, esse número havia sido de R$ 23,9 bilhões, uma queda de 45,2%. Apesar disso, Figueiredo diz que os números não são para assustar. Segundo ele, como são investimentos de longo prazo, uma comparação mesmo de um ano contra outro, “não faz sentido, porque acaba sendo um período relativamente pequeno.”
Em venture capital, os investimentos em 2024 registraram uma pequena recuperação – mas ainda estão em níveis baixos quando comparados. No ano passado, R$ 9,1 bilhões foram investidos na modalidade, ante R$ 7,3 bilhões em 2023, R$ 22 bilhões em 2022 e R$ 51,3 bilhões em 2021. A ABVCAP relembra que esses números tratam de valores divulgados – já que algumas operações não divulgam números – e são referentes a todo universo de private equity e venture capital, não especificamente de FIPs.