Liquidez nos mercados (Getty Images/Exame)
Nas últimas semanas o mundo conheceu uma série de turbulências econômicas que abalaram os mercados.
As Bolsas de Valores começaram a sofrer por causa da crise dos títulos da dívida pública do Reino Unido. Prosseguiram essa semana com a crise do Credit Suisse, que gerou temores sobre um possível novo caso Lehman Brothers. E os mercados estão conhecendo uma volatilidade intensa nas últimas horas por causa das incertezas sobre o futuro.
Existe um fio vermelho que liga todos esses casos, provocando um elevado nível de estresse entre os investidores: o "sumiço" de US$ 7 trilhões que está sacudindo os mercados financeiros.
Esse fio vermelho é a lenta, mas inexorável, redução da liquidez global. A Bloomberg calculou o agregado da M2 global em dólares, que mostra como em março de 2022, a liquidez no mundo atingiu quase US$ 104 trilhões, enquanto agora caiu para US$ 96,8 trilhões.
Em poucos meses houve, portanto, uma redução de cerca de US$ 7 trilhões na liquidez global. Mas esse é apenas uma parte do problema. Outra é que a liquidez ainda existente está circulando cada vez menos. Ela está ficando parada nos portfólios dos investidores, dos fundos ou nos cofres dos Bancos Centrais.
Dessa forma, o combustível que por mais de uma década arrastou ações e ativos globais para os níveis mais altos de todos os tempos começa a encolher. Essa redução é apenas o começo, e a massa de dinheiro ainda é abundante no mundo. Mas caso os bancos centrais continuarem a reduzi-la, o risco é que, mais cedo ou mais tarde, o mercado seja abalado.
Afinal, um mundo econômico-financeiro que sobreviveu por anos graças às injeções de liquidez e que se endividou demais, até que ponto pode aguentar se o "anabolizante monetário" for gradualmente eliminado? Os portfólios mais vulneráveis do mercado com certeza irão sofrer um choque.
Alguns analistas já estão lançando o alerta. Michael Wilson, estrategista de ações do Morgan Stanley (MSBR34), escreveu em um relatório recente salientando como o mundo está entrando na "área de perigo" onde acontecem "acidentes financeiros".
Os dados começam a mostrar que a liquidez internacional está diminuindo. Pela primeira vez desde 2015, o crescimento anual global do agregado monetário M2 foi negativo. E se mantiver o ritmo atual de US$ 750 bilhões a menos por mês, segundo estimativas do Morgan Stanley, a queda logo chegará a 30%.
Parte da liquidez mudou para o M3, ou seja, foi para aplicações como a poupança. Todavia, o declínio se torna cada vez mais evidente. Afinal , os bancos centrais, em meio a aumentos contínuos de taxas básicas de juros e "aperto quantitativo", estão encolhendo seus balanços. E, com isso, reduzindo a abundância de dinheiro com a qual tinham generosamente regado os mercados.
O Banco Central do Brasil foi um dos primeiros a começar essa política monetária restritiva, antecipando em mais de um ano a ação do Federal Reserve (Fed) e do Banco Central Europeu (BCE). Entretanto, quando se movem esses dois gigantes, o mundo inteiro é atingido. Mesmo se no começo se limitaram a vender ou a não renovar os títulos da dívida pública adquiridos durante a pandemia. A partir da metade de 2022, com o começo das altas dos juros em Washington e Frankfurt, que a drenagem de liquidez está ganhando dimensão e rapidez.
Mas, a essa altura, quase todos os Bancos Centrais do mundo já encerraram seus programas de "flexibilização quantitativa". Ou seja, as injeções de dinheiro. E estão revertendo a rota.
Segundo a Yardeni Research, os quatro maiores Bancos Centrais do mundo já reduziram em mais de US$ 3 trilhões seus ativos. E a redução da liquidez deverá acelerar, não apenas nos Estados Unidos (onde o Fed já está diminuindo suas participações e deu uma acelerada em setembro), mas também no Reino Unido, onde o Banco da Inglaterra deveria começar no final do mês a redução dos estoques de títulos adquiridos durante a pandemia (crise da dívida soberana britânica permitindo).
Além dos Bancos Centrais, todavia, existem outras razões que expliquem essa redução de liquidez global. Por exemplo, segundo o Morgan Stanley, entre as causas estão os altos preços do petróleo e de muitas matérias-primas compradas e vendidas em dólares, além do crescente aperto regulatório e a menor taxa de circulação do dinheiro na economia real.
Mas talvez haja outro motivo que piore o quadro: o medo generalizado do futuro. Um constante estado de ansiedade que leva os investidores e consumidores a manter a liquidez parada e a não utilizá-la.
Nos Estados Unidos, por exemplo, as chamadas Reverse Repos que bancos e fundos de investimento realizam com o Federal Reserve atingiram o recorde histórico de US$ 2,3 trilhões de dólares. Essas transações são basicamente overnights - ou seja, renovados a cada dia - utilizados pelos bancos para ceder liquidez ao Fed em troca de liquidez. Uma forma de estacionar liquidez no Banco Central americano e não utilizá-la nos mercados ou na economia real.
Há várias razões que explicam essa explosão dos Reverse Repo nos EUA,, até mesmo técnicas. Mas o resultado é o mesmo: uma grande quantidade de dinheiro permanece estacionada no Fed, enquanto a liquidez geral cai globalmente. Mais um fator de drenagem que, considerando a dimensão da economia americana, tem o risco de estrangular o mercado.
A redução da liquidez nos mercados está apenas no começo, e, em geral, continua abundante. Mas sua redução gradual provavelmente está contribuindo para aumentar as tensões e oscilações nos mercados financeiros. Isso é demonstrado pela alta volatilidade das Bolsas de Valores e, sobretudo, dos títulos da dívida soberana. E é algo confirmado pelo índice de "stress" sobre os títulos dos EUA elaborado pelo Federal Reserve de Nova York.
No mercado de títulos corporativos com grau de investimento, o nível de estresse subiu de 0,46 para 0,9 em uma escala onde o máximo é 1. O nível mais elevado desde o começo de 2020, quando a pandemia começou. Segundo o Morgan Stanley, esta situação está se tornando insustentável pois leva para um "estresse econômico e financeiro intolerável".
É por isso que os mercados começam a se questionar se, mais cedo ou mais tarde, o Fed e o BCE sejam forçados a realizar uma inversão em 180º, como fez o Banco da Inglaterra (ainda que por causa de uma emergência específica), e voltar a injetar dinheiro na economia.
O caso inglês poderia ter sido apenas o estopim que justificou essa mudança de rota e volta da liquidez. Mas outros casos parecidos poderão ocorrer. Entre combater a inflação e apoiar a economia, até o momento o Fed escolheu a primeira opção. Mas entre o combate à inflação e o risco de uma nova crise financeira, essa escolha poderia ser totalmente diferente.