Invest

Fed 'Trumpificado': como vencedor do Nobel enxerga interferência de Trump no BC americano

Paul Krugman alerta que a interferência de Trump no Federal Reserve pode comprometer a credibilidade do banco central e prejudicar a economia dos EUA a longo prazo

Publicado em 4 de setembro de 2025 às 09h36.

Para o vencedor do Nobel de Economia, Paul Krugman, se o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de fato demitir a governadora do Federal Reserve (Fed), Lisa Cook, o banco central americano terá dado "mais um passo em direção a uma política totalmente Trumpificada".

"[Se Trump ganhasse o controle do Fed] Ele conseguiria aprovar cortes expressivos na taxa básica de juros, a taxa de juros de curto prazo sobre empréstimos overnight que os bancos concedem uns aos outros. E quero dizer cortes expressivos: ele fala em 300 pontos-base. Já vimos cortes tão expressivos nas taxas no passado, mas apenas diante de recessões graves", escreveu Krugman em seu blog no Substack.

"Trump, no entanto, insiste que a economia americana está em expansão, e um corte tão expressivo na ausência de uma recessão — e com a inflação acima da meta e com tendência de alta devido a tarifas, deportações e alta nos preços da eletricidade — seria sem precedentes", afirmou.

Segundo Krugman, a interferência de Trump no Fed prejudicaria a credibilidade do banco central e "a crença dos investidores de que ele fará o que for necessário para combater a inflação futura".

"E essa inflação forçaria até mesmo um Fed 'Trumpificado' a aumentar as taxas", disse.

O economista também acredita que a alta nos juros, criticadas por Trump, foi capaz de "domar a inflação" sem colocar a economia dos EUA em recessão.

"Em outras palavras, [conseguiu] ignorar a inflação na cadeia de suprimentos — devido à credibilidade que adquiriu ao longo de décadas de independência monetária", afirmou. "E Trump está tentando jogar tudo isso fora."

Na opinião de Krugman, "ninguém sabe ao certo" o motivo de Trump querer taxas de juros mais baixas.

"Ele pode achar que juros mais baixos o tornarão mais popular. Pode pensar em juros baixos como uma recompensa por um bom desempenho — e, na sua opinião, a economia está indo muito bem, então ele pode querer reduzir o déficit orçamentário cortando os custos dos empréstimos federais", disse.

"Seja lá o que ele esteja pensando, se conseguir destruir a independência do Fed, não gostará dos resultados. Ele pode conseguir baixar as taxas de juros de curto prazo por um tempo, mas as taxas de juros que realmente importam para a vida das pessoas são de longo prazo — como as taxas de hipoteca. E 'trumpificar' o Fed fará com que as taxas de juros de longo prazo subam. E talvez muito mais."

A regra de Taylor

Existe na economia uma teoria chamada de "regra de Taylor". Ela define um modelo para a determinação das taxas de juros, baseado em dois fatores principais: a taxa de inflação e a taxa de desemprego.

Desenvolvida pelo economista John Taylor em 1993, a regra sugere que o banco central deve ajustar suas taxas de juros de acordo com as variações desses dois indicadores econômicos.

Segundo a regra de Taylor, se a inflação estiver acima da meta do banco central, ele deve aumentar as taxas de juros para conter o crescimento dos preços.

Por outro lado, se o desemprego estiver muito alto, o banco central deve reduzir as taxas de juros para estimular a economia e reduzir o desemprego.

Para Krugman, o Fed "nunca adotou explicitamente uma regra de Taylor", mas alguns distritos do banco central, como o de Atlanta, tem um "utilitário da regra de Taylor" que incorpora diversas versões populares: "escolha sua regra e ela lhe dirá qual será a taxa básica de juros".

"A regra de Taylor tem se mostrado altamente influente como uma espécie de linha de base ou norma: o Fed não quer se desviar muito da regra sem um motivo muito válido.

Em 2021 e 2022, o Fed acreditava que, de fato, tinha um bom motivo para não seguir a regra de Taylor. A inflação estava muito alta, e uma regra de Taylor exigiria taxas de juros muito altas para corresponder a ela.

Mas o Fed acreditava que o aumento da inflação era temporário, impulsionado por interrupções na cadeia de suprimentos pós-covid, então adiou o aumento das taxas", disse.

O que acontece se Trump interferir no Fed?

Para Paulo Feldmann, professor de economia da Universidade de São Paulo (USP), é quase uma certeza que o Fed irá perder a independência caso Powell seja demitido ou mesmo ao final de seu mandato.

"É pouco provável que o banco central nos Estados Unidos continue sendo independente de fato. É possível que se diga que formalmente [o Banco Central] é independente, mas certamente não o será. Com Powell sendo substituído, e o mandato dele já próximo do fim, o próximo presidente do Fed será uma pessoa muito ligada a Trump e que não o contesta. Porque é assim que ele fez em praticamente todos os cargos importantes hoje dos Estados Unidos", afirma Feldmann em entrevista à EXAME.

A relação entre Trump e Powell já está tensa há meses, especialmente devido à recusa de Powell em baixar os juros.

Trump tem pressionado o Fed para reduzir a taxa de juros de referência, atualmente em 4,25% a 4,5%, alegando que esse patamar impede o crescimento da economia americana. Powell, por sua vez, defende a postura do Fed, afirmando que suas decisões são baseadas em análises econômicas e não políticas.

Lisa Cook também está na mira de Trump.

A demissão da diretora foi anunciada por Trump na segunda-feira, 25, sob alegação de fraudes hipotecárias, em uma postagem no TruthSocial. Cook, no entanto, disse que não pretende renunciar ao cargo e que vai continuar exercendo suas funções normalmente. Nenhum presidente havia tentado demitir um governador do Fed nos 112 anos de história da instituição até que Trump publicou uma carta afirmando que Cook estava demitida.

Para Robert J. Barro, professor de economia de Harvard, a saída de Cook não deve causar alterações significativas no Fed.

"Demitir Cook é uma questão diferente. Ele pode demiti-la 'por justa causa'. A acusação de fraude hipotecária foi claramente levantada por motivos políticos [como em outros casos, como o do Senador Schiff]. No caso de Cook, a administração quer usar essa acusação para criar outra vaga no Fed. Mas a política subjacente não significa que a acusação seja infundada", afirma. "E eu não acho que isso teria um grande efeito nos mercados financeiros ou na inflação", afirmou à EXAME.

Acompanhe tudo sobre:Fed – Federal Reserve SystemPaul KrugmanEconomiaEstados Unidos (EUA)

Mais de Invest

Raízen encerra parceria com mexicana Femsa e está fora do Oxxo

Coelho Diniz no GPA: Assembleia para eleger novo conselho tem data marcada

Crescimento do setor de IA pode resultar em acordo de US$ 100 bilhões, diz Barclays

Petrobras confirma emissão de US$ 2 bilhões em títulos globais