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Enquanto o Leão não vem: vale a pena surfar na onda de títulos isentos?

Movimentações de CRIs, CRAs e debêntures cresceram 253% dos sete primeiros meses de 2020 para o mesmo período de 2025 — o que mostra uma corrida para o crédito privado

Crédito privado: isenção de IR até final de 2025 impulsiona busca por CRIs, CRAs e debêntures (beast01/Getty Images)

Crédito privado: isenção de IR até final de 2025 impulsiona busca por CRIs, CRAs e debêntures (beast01/Getty Images)

Rebecca Crepaldi
Rebecca Crepaldi

Repórter de finanças

Publicado em 27 de agosto de 2025 às 11h48.

O ano é do crédito privado e os números mostram isso. Nos sete primeiros meses deste ano, Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) e debêntures movimentaram cerca de R$ 615,25 bilhões no mercado secundário, aponta um estudo da POP BR, empresa da LUZ Soluções Financeiras.

O montante é 14% maior que o movimentado nesse mesmo intervalo em 2024, quando foi registrado um volume de R$ 540,32 bilhões; e 253% maior em comparação há cinco anos, quando os sete primeiros meses de 2020 somaram R$ 174,55 bilhões — movimento muito puxado pelas debêntures, incluindo as incentivadas.

Mesmo com spreads amassados, os investimentos brilham os olhos não só de gestores, mas como de pessoas físicas, que surfam na onda antes que seja tarde demais. Isso porque tramita no Congresso a MP 1.303 que instituirá o fim da isenção do Imposto de Renda (IR) para esses títulos (CRIs, CRAs e debêntures incentivadas).

Esta é uma semana decisiva para que o governo apresente ao Congresso o Orçamento para 2026 — que já deve contar com o fim da isenção desses títulos.

“As pessoas estão partindo da premissa de que a MP vai ser aprovada como está hoje e pensam ‘é minha última chance de ter um ativo que eu possa ficar isento de IR para sempre'. Elas pensam que se deixar para tomar essa decisão janeiro, pode ser tarde, então prefere antecipar as compras e, se descobrir que a MP não passou, saem”, diz Leonardo Ono, gestor de crédito privado da Legacy.

Do boom à incerteza: o que vem pela frente para o crédito privado

A casa acredita que terá mudanças no texto. De qualquer forma, passando como está hoje, as mudanças só entrarão em vigor a partir de janeiro de 2026 - ou seja, tudo o que for emitido até dezembro deste ano seguirá isento. Esse é o motivo da corrida do crédito privado, com um grande apetite do investidor pessoa física a esses títulos.

É possível ver isso nos números. Apesar do aumento no volume de dinheiro movimentado, a quantidade total de papéis negociados caiu, de 10,5 bilhões, em 2024, para 6,2 bilhões em 2025. Em contrapartida, o número de operações aumentou (de 2,1 milhões para 2,5 milhões) nos sete primeiros meses deste ano.

Se há menos títulos sendo negociados no total, porém há mais operações acontecendo, significa que cada operação envolve uma quantidade menor de papéis. Isso quer dizer que mais pessoas físicas estão comprando esses títulos, mas em valores cada vez menores. Antes, uma operação envolvia cerca de 4,8 mil papéis; agora, são 2,4 mil em média, segundo os dados da POP BR.

“Pessoas físicas têm, de forma geral, menos capital disponível do que um fundo ou um investidor institucional para alocar em um ativo de uma só vez. Então, a tendência é comprar um número menor de ativos por negociação. Quando um fundo compra um ativo, o montante para investir é maior. Ou seja, o número de papéis por negociação é maior”, diz Aruã Torigoe, analista da POP BR, da LUZ Soluções Financeiras.

Novas emissões de debêntures incentivadas

A movimentação ocorre não só no mercado secundário, mas também no primário. De acordo com dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), no que se refere somente às debêntures, o volume financeiro do primeiro semestre deste ano somou R$ 192,59 bilhões contra R$ 206,74 bilhões no mesmo período de 2024 — queda de 6,84%.

No entanto, do total de 2024, as debêntures incentivas somaram R$ 64,45 bilhões. Este ano, no mesmo intervalo, as novas emissões de debêntures incentivadas somaram R$ 74,54 bilhões.

Ou seja, apesar de o volume total de emissão de debêntures ter caído neste primeiro semestre frente ao mesmo período de 2024, as emissões de debêntures incentivadas aumentaram em 15,6%.

Daniela Gamboa, CIO de Crédito Privado e Imobiliário na SulAmérica Investimentos, diz que esta não é a primeira vez que o governo discute ou propõe alteração na tributação nos ativos incentivados.

“Já vimos isso acontecer nos governos Dilma, Temer e Bolsonaro. No entanto, os investidores parecem minimizar o risco de não aprovação da MP e seguem em busca de comprar os títulos emitidos até 2025, a fim de manter a isenção de suas aplicações.”

Selic em alta também colabora

A Selic em alta também colabora com a procura por esses títulos. Mas enquanto o valor nominal do ativo sobe com a procura, os spreads estão ficando cada vez mais comprimidos.

“Isso significa que o ativo obteve valorização com os investidores se antecipando a essa possibilidade do imposto. Por outro lado, as empresas seguem se aproveitando deste momento de forte demanda e de oportunidade para emitirem títulos a spreads mais baixos”, pontua Gamboa.

Entretanto, na visão de Ono, para empresas muito boas, faz sentido investidor comprar debêntures incentivadas abaixo da NTN-B, do mesmo jeito que o investidor também acha bom comprar CRAs e CRIs abaixo do CDI emitidos por bancos de alta qualidade.

Afinal, ao fazer a conta, quando se compra um título não isento a 100% do CDI ou da NTN-B, o imposto come parte importante da rentabilidade.

“Ainda faz sentido, sim, comprar esses títulos apesar dos spreads terem fechado bastante, desde que você não entre em papéis que vão te dar dor de cabeça no futuro. Já que as taxas estão baixas, têm que focar em segurança, ou seja, créditos ou gestores com capacidade comprovadas em escolher bons nomes”, diz Ono.

Vale a pena investir nesses títulos?

Investir em CRIs, CRAs e debêntures pode ser fácil, pela variedade dos produtos nas corretoras, mas é preciso atenção.

Um CDI mais alto gera dificuldades para as empresas pagarem suas dívidas — e esses títulos nada mais são do que dívidas.

“Não é hora de ser muito corajoso na escolha dos créditos”, diz Ono, que complementa: “Qualquer ativo de crédito privado, por trás desse titulo, você tem uma atividade de emprestar dinheiro para uma empresa, então você corre o risco de crédito.”

E para saber o que está por trás desses papéis, Torigoe afirma que ainda faltam informações para que o investidor comum consiga tomar decisões embasadas.

“Na prática, como credor, o investidor precisaria acompanhar as demonstrações financeiras do devedor e identificar se há sinais de deterioração ou não. O objetivo é notar qualquer sinal de que a empresa pode não conseguir cumprir com as obrigações previamente definidas.”

O risco de crédito afeta diretamente o risco de liquidez. Se há possibilidade de a empresa não pagar a sua dívida, certamente, será ainda mais difícil vender o papel no mercado. E, para conseguir vendê-lo, será preciso aplicar um bom desconto no preço, diz Torigoe.

Esse fato, por sua vez, pode ser um problema para investidores que estão comprando os papéis em 2025 para vender em 2026.

“A escolha certa dos ativos e a gestão ativa é o fator que diferencia o retorno dos fundos. No crédito é muito importante a disciplina na gestão, isto é, comprar e diminuir a posição na hora certa", diz Gamboa.

"O controle da alocação e da duration da carteira fazem muita diferença, principalmente em um momento com juros elevados e proximidade das eleições no ano que vem”, complementa Gamboa.

Duration é uma medida de tempo médio que levará para o recurso investido ser repago, e também indica a sensibilidade do preço do título a mudanças nas taxas de juros.

Para 2026, Torigoe estima que os spreads do mercado secundário também fiquem mais achatados.

Ou seja, por conta da tributação, a diferença entre as taxas pagas por estes ativos e a curva livre de risco deverá diminuir e a demanda será maior pelos ativos emitidos antes da tributação.

“Não acho que haverá uma redução no apetite, mas os ativos emitidos até o final deste ano devem ter uma procura maior.”

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