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Quem quer ser um banco? Empresas lucram com serviços financeiros fora dos bancões

Serviço de ‘banking as a service’ aumenta engajamento e cria nova fonte de receita para negócios de diferentes setores

Com uso intensivo de tecnologia, empresas não-financeiras abrem novas fontes de receita com serviços bancários (zf L/Getty Images)

Com uso intensivo de tecnologia, empresas não-financeiras abrem novas fontes de receita com serviços bancários (zf L/Getty Images)

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Beatriz Quesada

Publicado em 22 de agosto de 2022 às 06h27.

Última atualização em 22 de agosto de 2022 às 12h28.

Há poucas décadas, o banco tradicional era o principal – quiçá único – intermediário entre o consumidor e seu dinheiro. Avançando para 2022, o cenário muda radicalmente. 

Com a experiência do usuário e a conveniência ditando os rumos do consumo, os clientes começam a optar por soluções de contas, transferências, pagamentos, empréstimos e cartões em marcas não-financeiras que já fazem parte do seu dia a dia. 

É possível abrir uma conta no banco do influenciador do momento, pegar um empréstimo em uma loja de eletrodomésticos ou ter um cartão de crédito emitido por uma empresa de milhas.

A revolução pode ser chamada de banking as a service (BaaS) – banco como serviço, em tradução livre –, ou embedded finance, que pode ser traduzido como “finanças incorporadas”.

Os dois termos caminham para o mesmo conceito: a possibilidade de qualquer negócio oferecer serviços financeiros que antes estavam restritos aos bancos. Como? Com uso intensivo de tecnologia.

O elo que une a cadeia são empresas, em geral fintechs, que fornecem sua estrutura para outras marcas de forma terceirizada, em modelo white label. Funciona assim: a marca lança o serviço com seu nome e suas cores, de forma personalizada, enquanto a provedora entra nos bastidores com o arcabouço tecnológico e licença do Banco Central para operação em serviços financeiros. 

Se antes a cadeia era formada por apenas dois atores, bancos e clientes, o novo ecossistema tem pelo menos três participantes: o cliente final, as marcas com quem ele mantém relacionamento e que serão as novas provedoras dos serviços bancários, e as fintechs de bank as a service.

Um exemplo nacional é o Girabank, banco digital lançado pelo humorista e influenciador Carlinhos Maia em junho deste ano. O Girabank estreou com a estrutura do Bankly, plataforma de bank as a service que integra o grupo da Méliuz. Com mais de 26 milhões de seguidores, Maia mobilizou a abertura de 330 mil contas no dia de lançamento do novo banco – em pouco mais de um mês, são 1,1 milhão de contas.

O potencial de engajamento do influenciador reforça a crença do CEO do Bankly, Davi Holanda, de que existem diversas possibilidades de negócio para que empresas não-financeiras passem a oferecer esses serviços para seus clientes.

“As possibilidades são inúmeras, em setores óbvios e não-óbvios, como é o caso do Carlinhos Maia, que não tinha uma empresa – ele próprio é a marca”, afirma. A tese de Holanda é que, além de ser prático, o bank as service é capaz de resgatar um “efeito comunidade”, em que os clientes se sentem pertencentes. Como resultado, quem usa acaba escolhendo ter uma relação financeira com uma marca em vez do contato institucional com os bancões.

A expectativa do CEO do Bankly é de que os indicadores de crédito possam ser ainda melhores dentro dessas comunidades. “Na nossa hipótese, se o cliente tiver que deixar de pagar alguma parcela, ou ficar em atraso, vai preferir fazer isso com um banco tradicional, preservando o relacionamento com a comunidade [criada com a outra instituição]”, avalia.

Outro expoente do efeito comunidade pode surgir no mercado de esportes. Entre os times paulistas, o São Paulo registrou a marca “SPFC Bank” no Inpi (Instituto Nacional da Propriedade Intelectual), abrindo a possibilidade para o lançamento de um banco digital. Existem especulações que o Palmeiras siga pelo mesmo caminho, unindo funcionalidades normais do banco ao programa de sócio-torcedor, por exemplo. 

Junto à comodidade e ao engajamento, o oferecimento de benefícios e funcionalidades customizados fecha o tripé da atratividade da embedded finance. Isso do ponto de vista do consumidor. Para a marca que decide oferecer os serviços, os principais incentivos também são três: crescimento do engajamento, possibilidade de novas fontes de receita e aumento dos ganhos com o produto principal da empresa.

Oferecer um serviço financeiro adjacente à marca aumenta a recorrência de consumo e pode manter o cliente dentro da plataforma por mais tempo. “A corrida hoje do mercado é entender como tornar os clientes mais fiéis à marca dentro do ecossistema”, argumenta Ricardo Baraçal, sócio diretor da Frente, corretora de câmbio.

A Frente lançou a plataforma Simple, que fornece uma white label para serviços de câmbio. Entre eles, remessas internacionais com tecnologia blockchain e entrega de papel moeda. 

A Smiles, plataforma de fidelidade da Gol, é uma das parceiras da plataforma, oferecendo o serviço de remessas como complemento ao carro-chefe da empresa, o programa de milhas. A integração com o negócio da empresa é reforçada por um programa de recompensa, que devolve um saldo em milhas quando a operação de câmbio é feita dentro da Smiles.

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O fenômeno é global e as expectativas são altas. A Bain estima que o mercado de para plataformas de bank as a service nos Estados Unidos gire em torno de US$ 21 bilhões em receita total em pagamentos, empréstimos, serviços bancários e cartões. Os setores que mais se beneficiam das sinergias são as varejistas e as plataformas de e-commerce, na avaliação da consultoria. A projeção é que o mercado mais do que dobre, movimentando US$ 47 bilhões até 2026. 

Desde então, mais e mais empresas estão buscando uma fatia do bolo financeiro. Algumas gigantes, como Mercado Livre e Magazine Luiza, por exemplo, criaram soluções dentro de casa, desenvolvendo braços financeiros próprios por meio de fintechs, na chamada fintechização da economia.

No conglomerado argentino, o segmento financeiro é o Mercado Pago, que tem licença para operar como banco digital desde 2018 e já responde por 48% da receita líquida total do grupo. Já o grupo de Luiza Trajano lançou a Fintech Magalu em maio deste ano, unindo soluções de cartão de crédito para pessoas físicas e jurídicas, empréstimos e pagamentos por meio do MagaluPay

Existem, no entanto, alguns contras no movimento. Embora a desconcentração bancária seja bem-vinda, Elaine Borges, professora e pesquisadora da USP na área de finanças, alerta que é preciso ficar atento a práticas abusivas dentro do modelo.

“Acredito que seria necessário uma intervenção mais forte do governo para impedir que a população mais vulnerável entre em uma armadilha, usando, por exemplo, um crédito inadequado. É preciso uma intermediação, a decisão do que será oferecido não pode ficar nas mãos do livre mercado”, defende. 

Vale lembrar que o Banco Central endureceu, em março deste ano, as regras que regulam as fintechs, elevando a barra de requisitos conforme o tamanho da startup. A nova regulação exige, por exemplo, que as instituições de pagamento elevem sua alocação de capital para fazer frente a maiores riscos operacionais. 

Bancos ameaçados?

Por aqui, o potencial do mercado de bank as a service ainda não ameaça a hegemonia dos bancões. O País tem quatro instituições bancárias – Santander, Itaú, Bradesco e Banco do Brasil – na lista dos 10 bancos mais rentáveis do mundo, segundo ranking da consultoria Economatica. E embora as fintechs tenham diminuído em 10% a concentração bancária nos últimos 10 anos, 71% do mercado ainda está concentrado nas mãos desses mesmos bancos – mais a Caixa.

A força do sistema atende a um cenário local característico que envolve taxas de juros historicamente altas e uma barreira de entrada para novos players, criando uma concentração de mercado na mão de poucos players ultra-lucrativos. O cenário começou a mudar em 2013, quando o Banco Central lançou a criação das instituições de pagamento – primeiro passo para a abertura do mercado bancário para as fintechs.

A grande preocupação dos bancos, no entanto, pode estar em um jogador que ainda não está completamente posicionado no tabuleiro. São as big techs, que podem ser potencialmente perigosas justamente no negócio mais lucrativo dos bancos: o crédito.  

“A análise de crédito tradicional é bastante antiga. As grandes empresas de tecnologia sabem muito mais sobre nós e sobre nosso comportamento do que a base de dados dos bancos. Vai ser uma boa briga porque são dois mercados muito rentáveis”, completa Borges.

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