Pedro Bartelle, CEO da Vulcabras, em showroom da empresa em Jundiaí, no interior de São Paulo: mais de 17,5 milhões de pares de tênis vendidos em 2021 (Leandro Fonseca/Exame)
Marcelo Sakate
Publicado em 29 de abril de 2022 às 08h10.
Última atualização em 29 de abril de 2022 às 08h39.
Há uma tendência de comportamento e consumo nos parques e nas ruas das cidades brasileiras. A prática da corrida tem sido acompanhada pela sofisticação dos modelos de tênis com o avanço da tecnologia de materiais e design. Modelos antes acessíveis apenas aos atletas profissionais e de elite chegam em intervalo de tempo menor ao consumidor graças às estratégias das grandes marcas globais, como Nike, Adidas, Asics e New Balance.
É um mercado global estimado em US$ 10 bilhões. Nele há o segmento de alta performance, um nicho no Brasil e no mundo que tem os modelos com placa de carbono como grande destaque. São calçados que chegam a custar mais de R$ 2.000 (ou R$ 2.199,99 para ser exato) no mercado brasileiro, como é o caso do Nike Alphafly Next% Flyknit.
Nos Estados Unidos, o modelo mais caro semelhante da Nike custa US$ 285. São utilizados por atletas de elite nas principais competições do mundo e por amadores em busca de alta performance e com renda para bancá-los.
Mas há uma marca brasileira que tem investido para entrar nessa briga na "Champions League" dos tênis de corrida, em uma disputa que à primeira vista pode parecer desproporcional em termos de tamanho, capacidade de investimento e força de marca. É a Olympikus, da Vulcabras (VULC3). Jogando em casa, ela decidiu encarar as gigantes.
"Nós já tínhamos foco no esporte, mas decidimos ficar 100% focados há alguns anos", disse Pedro Bartelle, CEO da Vulcabras, à EXAME Invest. O portfólio atualmente é composto pelas marcas Olympikus, brasileira, e as licenciadas Under Armour, americana, e Mizuno, japonesa. São modelos voltados essencialmente para a prática esportiva, com preços de entrada mais baixos dentro do slogan da companhia de "democratizar o esporte no Brasil."
Em 2021, a Vulcabras comercializou 17,54 milhões de pares de calçados esportivos, um crescimento anual de 35,6%. A empresa lidera esse segmento de mercado no Brasil em volume produzido e vendido, mas não em valores.
A aposta da companhia brasileira está justamente em tênis para corrida. "Nós já estávamos no mercado de running, mas sentimos que faltava começar a participar do segmento de alta performance", disse o executivo.
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O plano para ingressar e ser relevante nesse mercado começou a tomar forma em 2018, com novos investimentos no centro de pesquisa e desenvolvimento (P&D) da Vulcabras para estudar o que há de mais avançado em tecnologias de calçados. É uma jornada que acaba de ser coroada com três lançamentos, um dos quais justamente no segmento citado por Bartelle. O modelo que se tornou a grande aposta da companhia é o Olympikus Corre Grafeno.
Os outros lançamentos são o Corre2, desenvolvido com o apoio do Laboratório de Biomecânica da Universidade de São Paulo (USP), e o Corre Vento.
Aqui cabe um contexto: a placa de carbono representa uma inovação que, combinada com novos materiais de entressola, aumenta o retorno de energia para o corredor a cada passada e, portanto, reduz o seu cansaço ao longo de um treino ou uma competição. O resultado: tempos mais rápidos, especialmente em provas de média a longa distância, como meias-maratonas e maratonas, com eficiência comprovada em diferentes pesquisas no mundo.
O modelo com placa de carbono foi consagrado pelo maior maratonista de todos os tempos, o queniano Eliud Kipchoge, atual bicampeão olímpico e recordista mundial. Ele se tornou o primeiro e único corredor da história a completar a distância mítica de 42,195 quilômetros abaixo da marca de duas horas, o Santo Graal do atletismo, utilizando justamente um modelo da Nike, da qual é garoto-propaganda. O feito aconteceu em um evento especial em 2019 em Viena, na Áustria.
Hoje as principais marcas do mundo possuem seus modelos com placa de carbono, muitos dos quais com preços acima de R$ 1.500 no Brasil. A Vulcabras, por sua vez, decidiu apostar em um novo material encontrado no Brasil com características semelhantes, o grafeno, para utilizar na placa que vai na entressola do tênis. O insumo permite a produção em escala acima do que seria possível, e a preços mais acessíveis, do que se fosse o carbono.
Outras decisões foram tomadas para atingir o objetivo de levar esse modelo para um público mais abrangente. De decisões de mercado -- o Corre Grafeno custa R$ 699,99, ou menos da metade dos best sellers da categoria -- a escolhas técnicas, como desenhar o calçado com uma base mais larga no solado, melhorando a estabilidade. Os modelos da Nike, por exemplo, têm a sola mais estreita com o objetivo de reforçar a performance do corredor.
O desenvolvimento da placa de grafeno se deu no centro de P&D da companhia em Parobé, no Rio Grande do Sul (a cerca de 70 quilômetros de Porto Alegre), que Bartelle diz que alcançou o estágio de grandes marcas globais. Foram R$ 430 milhões em investimento em quatro anos, e o centro conta hoje com cerca de 600 profissionais.
Os números preliminares de vendas do Corre Grafeno são encorajadores, segundo ele. O primeiro lote distribuído para redes de varejo, marketplaces e site próprio se esgotou em 48 horas -- o número exato não é revelado. "Não tenho dúvidas de que a Olympikus vai liderar o segmento de tênis de corrida com placa no Brasil", diz o CEO da Vulcabras. A empresa já ampliou a capacidade de produção do modelo diante da demanda inicial.
"Vamos aumentar o tamanho desse nicho, levando o tênis com placa a quem não pensava em usá-lo. Vamos produzir de cinco a dez vezes o que havíamos imaginado do Corre Grafeno", disse Bartelle.
Além do preço mais acessível, o executivo faz a sua previsão com base nos características da operação não só da empresa como das demais marcas globais desse segmento no Brasil.
A capacidade de produção e distribuição dos calçados é um dos pilares da Vulcabras para enfrentar a concorrência. São mais de 10.000 clientes no varejo e atacado, com acesso a dados de consumo de cerca de 40% das lojas para o consumidor, o chamado sell out. "Conseguimos informações em tempo real que nos permitem medir com precisão a receptividade aos produtos e as necessidades de reposição dos nossos clientes", disse o executivo.
"Para competir com marcas internacionais, tivemos que nos tornar uma empresa muito ágil. Somos 'verticalizados', do desenvolvimento à distribuição. Conseguimos produzir e entregar o pedido dos clientes em 45 dias, o que significa uma vantagem para eles porque não precisam comprar com tanta antecedência e fazer grandes apostas."
Segundo ele, há duas vantagens mais evidentes dessa operação: o cliente e a empresa conseguem potencializar a venda do produto que tem boa saída, o que inclui a identificação de preferências por modelos e cores; por outro lado, ambos evitam ter que recorrer a liquidações para reduzir ou zerar o estoque de produtos que não venderam bem.
A companhia tem duas fábricas no Nordeste, nas cidades de Horizonte (Ceará) e Itapetinga (Bahia). Neste ano, ambas passam a operar somente com energia eólica produzida em um dos maiores parques de geração dessa fonte no mundo, o Rio do Vento, no Rio Grande do Norte.
Nas concorrentes que são marcas globais, os modelos sofisticados são em geral importados a cada seis meses, o que faz com que, não raro, os best sellers que se esgotam fiquem indisponíveis por meses nas numerações mais comuns.
Os números do segundo trimestre em diante da Vulcabras já vão sofrer o impacto positivo dos novos modelos da Olympikus. E devem reforçar uma trajetória de forte crescimento da companhia brasileira, que tem como um dos fundamentos justamente a estratégia de aposta em calçados esportivos e de corrida em particular.
"Estamos no nosso melhor momento, em um movimento que começou antes da pandemia. Não paralisamos a produção. Quando veio a retomada, estávamos preparados para atender a demanda e ganhamos mercado", disse Bartelle.
A Vulcabras vem de resultados recordes em 2021 em diferentes métricas, como receitas, Ebitda (geração de caixa operacional) e lucro. As receitas líquidas somaram R$ 1,867 milhão, com crescimento de 58% sobre 2020. A margem bruta aumentou 5,8 pontos percentuais no ano, para 35,3%, mesmo com a pressão de custos de insumos.
São resultados reconhecidos pelo investidor, a julgar pelo comportamento das ações. A valorização em 12 meses está na casa de 25%, enquanto o Ibovespa no período teve queda de quase 10%.
Os analistas Luiz Guanais, Gabriel Disselli e Victor Rogatis, da equipe de Equity Research do BTG Pactual, apontaram em relatório no começo de março que a Vulcabras tem conseguido compensar o aumento de custos de insumos com a combinação de operação com capacidade total, demanda em alta e previsibilidade da produção.
A recomendação é de compra para o papel, dado o valuation considerado barato, com múltiplo de 7x P/L para 2022, enquanto a média do setor é de 21x.
Os números do primeiro trimestre de 2022 serão apresentados na próxima terça-feira, dia 3. Além da Olympikus e dos calçados esportivos, outras duas avenidas de crescimento são as linhas de vestuário e o e-commerce próprio.
A Vulcabras, que completa 70 anos em 2022, é resultado mais recentemente da união de duas empresas: a própria Vulcabras e a Azaleia, que foi adquirida em 2007 e trouxe junto a marca feminina de mesmo nome e a Olympikus, entre outras. Em setembro de 2020, como parte da estratégia do foco 100% no esporte, a companhia licenciou a marca Azaleia para a Grendene (GRND3), controlada pela família.
A guinada esportiva da Vulcabras, no entanto, tem respaldo de uma atuação de longa data: a empresa no passado já representou algumas das maiores marcas do mundo no mercado brasileiro, como Adidas, Puma e Reebok.
Para Bartelle, os resultados de crescimento até aqui são apenas o começo de uma longa jornada. Ou de uma maratona, em uma analogia que acaba sendo mais apropriada.