O retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos acentuou a volatilidade nos mercados e colocou o dólar em xeque. A sucessão de medidas tarifárias, ameaças ao Federal Reserve (Fed) e desequilíbrio fiscal fizeram com que investidores reavaliassem a confiança histórica na moeda, que acumula queda de 9% no ano, segundo o Bloomberg Dollar Spot Index (BBDXY).
Em vez de atrair capital em tempos turbulentos, o dólar passou a reagir de forma atípica a eventos de risco. Na crise entre Israel e Irã, por exemplo, não houve movimento significativo em direção à divisa americana — comportamento que contrasta com seu histórico como reserva segura em tempos de tensão.
Mercado dividido
A desvalorização do dólar ocorre mesmo diante de taxas de juros relativamente mais altas que em outras economias desenvolvidas. Isso sugere que as decisões políticas vêm pesando mais do que os fundamentos econômicos tradicionais.
Diversas instituições financeiras já trabalham com projeções mais baixas para a moeda. Enquanto alguns bancos esperam estabilidade no curto prazo, outros enxergam um ciclo de enfraquecimento prolongado, estimulado por realocação de reservas internacionais, menor apetite estrangeiro por títulos públicos e crescimento mais lento dos EUA.
A redução na participação do dólar nos portfólios dos grandes investidores também vem se tornando evidente. Aumento na proteção cambial de ativos americanos e expansão de posições vendidas indicam que há uma mudança estrutural em curso na forma como o mercado global se expõe à moeda americana.
O Morgan Stanley prevê um mercado estruturalmente baixista para o dólar, com o índice DXY podendo cair para 91 até meados de 2026. O Goldman Sachs projeta uma valorização do euro para 1,25 contra o dólar em 12 meses, apoiada por um realinhamento de portfólios globais. Já o JPMorgan estima uma perda adicional de 3% no dólar real até janeiro do ano que vem e uma queda total de 15% em quatro anos.
Outros bancos como HSBC e UBS admitem a possibilidade de recuperação pontual durante o segundo semestre, mas mantêm uma visão negativa para o longo prazo. O Barclays vê o dólar tecnicamente sobrevendido no curto prazo, mas acredita que choques fiscais nos EUA ainda podem acelerar a desvalorização.
A State Street avalia ainda que a moeda deve oscilar entre 96 e 100 pontos no terceiro trimestre, mas alerta para o risco de reversão caso haja novos episódios de aversão ao risco. Já o BNP Paribas recomenda reduzir exposição ao dólar em favor de moedas como o euro, o dólar australiano e a rúpia indiana.
E o real?
A imposição de tarifas de 50% sobre produtos brasileiros pelo governo Trump, anunciada em 10 de julho, desencadeou uma reação agressiva no mercado cambial, levando o real a cair até 2,8% frente ao dólar e atingindo máximas acima de R$ 5,70. Foi a pior performance entre moedas emergentes no dia, superando perdas do peso mexicano e do rand sul-africano.
A resposta do mercado refletiu preocupações com os impactos comerciais, riscos inflacionários internos e a possibilidade de retaliações políticas e fiscais do lado brasileiro. Analistas destacaram que o choque atingiu um momento sensível para o país, às vésperas do ciclo eleitoral de 2026 e com desafios fiscais já acumulados no primeiro semestre do ano.
Relatórios de casas como UBS, BNP Paribas e Wells Fargo apontam que, embora o real tenha espaço para recuperação parcial, o patamar de R$ 5,75 passou a ser visto como novo teto técnico no curto prazo. A projeção se baseia em três fatores principais: o diferencial de juros ainda elevado no Brasil, que mantém o país atrativo para estratégias de carry trade; o fluxo positivo da balança comercial; e a expectativa de que o governo não promova estímulos agressivos com impacto imediato no orçamento.
Ainda assim, o risco fiscal segue no radar. Qualquer tentativa de compensar as perdas com exportações via aumento de gastos públicos pode gerar desconfiança sobre a trajetória da dívida e ampliar a pressão cambial, segundo os analistas. O dólar já vinha se fortalecendo contra emergentes em momentos de aversão ao risco, e a situação brasileira amplificou esse efeito.
Outro ponto observado pelo mercado financeiro é a vulnerabilidade do real a choques externos, mesmo quando os fundamentos domésticos estão razoavelmente equilibrados. O histórico recente mostra que eventos globais com origem nos EUA tendem a ter impacto amplificado na moeda brasileira, dada sua liquidez e forte presença em portfólios de investidores estrangeiros.
Em relação à atuação do Banco Central (BC), a sinalização até o momento é de observação do mercado, sem interferência direta. O real flutua livremente desde 1999, e a autoridade monetária tem optado por atuar apenas em momentos de disfuncionalidade ou choques prolongados. Por enquanto, o BC indica que as reservas internacionais, acima de US$ 350 bilhões, são mais do que suficientes para acomodar a volatilidade atual.
No cenário internacional, o índice do dólar (DXY) continuou em tendência de leve enfraquecimento, puxado pela perspectiva de cortes nos juros americanos e pela perda gradual da atratividade de ativos dos EUA. Isso torna ainda mais evidente que a depreciação do real está associada a fatores domésticos e regionais, e não apenas ao fortalecimento global da moeda americana.
De olho na guerra comercial
As próximas semanas trazem gatilhos potenciais para novos ajustes. Caso as tarifas anunciadas pelo governo entrem em vigor em 1º de agosto, a pressão cambial pode aumentar. Também há riscos ligados à política fiscal, especialmente diante da expansão do déficit e possíveis impasses no Congresso.
Por outro lado, cenários como desaceleração econômica global ou adiamento de cortes de juros pelo Fed podem devolver algum fôlego ao dólar. Para analistas, o ambiente segue instável — e os próximos capítulos da gestão Trump serão determinantes para o destino da moeda.