Os sócios-fundadores da Mosaico, Guilherme Pacheco (terceiro à esquerda), José Guilherme Pierotti e Roberto Malta, além de executivos da empresa e Gilson Finkelsztain, presidente da B3 (à direita), na cerimônia de estreia na bolsa (Cauê Diniz/Divulgação)
Marcelo Sakate
Publicado em 7 de fevereiro de 2021 às 08h30.
Última atualização em 8 de fevereiro de 2021 às 09h42.
Uma empresa que nasceu com 10 mil reais de capital inicial e atingiu os 4,9 bilhões de reais depois de duas décadas. Ou que chegou a ser vendida pelos sócios-fundadores para ser recomprada dez anos mais tarde. Que teve a Globo como sócia antes que o grupo de mídia decidisse sair do capital, muitos anos antes que essa companhia decolasse e conseguisse realizar o IPO. Desconhecida do público com seu nome original, mas familiar com suas plataformas para o consumidor final, como os sites Zoom, Buscapé e Bondfaro.
Essa são algumas das descrições possíveis para a Mosaico (MOSI3), empresa brasileira de tecnologia que atraiu os holofotes nesta sexta-feira, 5, com uma estreia que remeteu aos IPOs estrelados da Nasdaq, mas inédita para os padrões da bolsa brasileira, a B3: as ações praticamente dobraram de valor na estreia, saltando 97%.
A empresa acordou com valor de mercado de 2,5 bilhões de reais na sexta e passou a 4,9 bilhões de reais no fim do dia. A ação foi precificada a 19,80 reais para o IPO e encerrou a sexta negociada a 39,00 reais.
O estrondoso sucesso da Mosaico na estreia coroa -- até aqui -- uma trajetória de empreendedorismo de mais de duas décadas. Simboliza o amadurecimento das empresas de tecnologia e internet no Brasil desde os primórdios e a visão e a perseverança de seus sócios-fundadores, José Guilherme Pierotti, Guilherme Pacheco e Roberto Malta.
Sócios-controladores com 85,1% das ações ordinárias antes do IPO, devem ficar com 40,6% com a oferta e a colocação de ações suplementares e adicionais, ainda como os principais acionistas da companhia. Pacheco é também o presidente do conselho de administração, que conta ainda com Pierotti e Malta como membros, além de dois independentes.
"Foram 22 anos desde que começamos o Bondfaro, ainda garotos, com capital de 10 mil reais. Nossa história desde então foi o espelho de uma vida: não linear, com altos e baixos, momentos muito difíceis. Mas sempre seguimos adiante com persistência e coragem", disse Guilherme Pacheco em discurso na cerimônia de estreia na B3 na manhã de sexta.
"Coragem para empreender na internet, quando a internet praticamente não existia; para atravessar o descrédito e as agruras com o estouro da bolha da Nasdaq em 2000 (...), para fundir com o concorrente em 2006, para empreender de novo saindo do zero em 2010; coragem para escolher um caminho diferente, adaptar e evoluir o negócio de acordo com as dores e o desejo do consumidor; para se endividar e comprar a antiga empresa de volta em 2019; e para tornar essa empresa pública agora", completou no discurso.
Pierotti, Pacheco e Malta, além de Gustavo Reis e Rodrigo Guarino, fundaram e começaram a trabalhar no desenvolvimento do Bondfaro como um site de comparação de preços nos primórdios da internet no Brasil, em 1999. Eram tempos em que o Google ensaiava os primeiros passos e a grande referência global de buscas era o Yahoo!.
O nome era uma referência à raça Bloodhound, considerado um dos cães com o melhor faro. A startup levou alguns anos até pegar tração em uma época em que havia grande desconfiança e hábitos de compra pela internet pouco disseminados no país.
Mas o Bondfaro engrenou a partir de 2003 a ponto de se tornar uma das referências na comparação de preços de produtos no país e de atrair a atenção do concorrente Buscapé, com o qual se fundiu em 2006 para criar a líder do mercado na América Latina.
Pierotti, Pacheco e Malta seguiram um ano como executivos da nova companhia até que a integração estivesse concluída. E saíram da posição de acionistas em 2009, com a venda do Buscapé para o grupo sul-africano Naspers por 342 milhões de dólares.
Com os recursos da transação, poderiam ter vivido de renda com menos de 30 anos de idade, mas embarcaram em um novo negócio em 2008, o Mundi, um site de comparação de preços de viagens. Novamente um sucesso, a startup atraiu a atenção do Grupo Globo, que se tornou sócia dos empreendedores para a criação da Mosaico Ventures dois anos depois.
A Mosaico lançou o Zoom em 2011 com o objetivo de ser mais completo que o Bondfaro e se consolidou como uma empresa de investimentos em diferentes sites, como ClickOn, Gazeus e Mundi, antes que o Globo decidisse vender sua fatia para os demais sócios em 2014.
Cinco anos mais tarde, os negócios de Pierotti, Pacheco e Malta voltaram a cruzar com o Buscapé e o Bondfaro: ambos foram comprados pelo Zoom por valor não revelado.
Se o Grupo Globo não quis esperar o negócio prosperar mais, o BTG Pactual (do mesmo grupo que controla a EXAME) tratou de estreitar os laços com a Mosaico na oportunidade que teve. O banco de investimento financiou a aquisição do Buscapé e do Bondfaro pelo Zoom, em maio de 2019, em uma operação preparada para que assumisse uma posição como acionista da empresa.
Esse passo foi concretizado há um mês, quando o BTG assumiu 5% das ações ordinárias ao exercer um bônus de subscrição que havia sido emitido pela Mosaico para o banco em setembro de 2019.
Também em janeiro passado, o BTG e a Mosaico celebraram um acordo comercial em que o banco ganha o direito de exclusividade de estruturar e oferecer um programa de cashback, com carteira digital, contas de pagamento e serviços financeiros diversos no ambiente das plataformas Zoom, Buscapé e Bondfaro.
E a Mosaico ganha o direito de exclusividade para implementar uma plataforma de e-commerce (exceto imóveis, veículos e viagens) nos canais eletrônicos do banco. O BTG ainda foi o coordenador líder do IPO da Mosaico.
Mas, afinal, o que justifica tanto hype e a disparada das ações da Mosaico? E, mais importante, o que exatamente ela faz?
A resposta à primeira pergunta passa pela forte demanda pelas ações da empresa, aliada à forma como os sócios-controladores decidiram limitar e alocar o capital para os fundos que se interessaram em entrar no capital. Tudo em razão, é claro, do que a Mosaico é hoje e de suas perspectivas de crescimento.
A Mosaico, por meio dos seus sites Zoom, Buscapé e Bondfaro, se apresenta como a maior plataforma digital do país em conteúdo e originação de vendas. Foram 705 milhões de visitas de consumidores efetivos e potenciais nos nove primeiros meses do ano passado, segundo o dado disponível mais recente.
No período, a companhia gerou 3 bilhões de reais em volume bruto de mercadorias (GMV, na sigla em inglês), um número que triplicou em relação ao mesmo período de 2019.
"Nós ajudamos nossos usuários por toda sua jornada de consumo, desde a descoberta do produto que se encaixa no seu desejo e necessidade, a escolha do melhor lugar para comprar entre mais de 500 lojas parceiras, até o final da sua jornada, garantindo que seu produto chegue conforme esperado", resumiu a Mosaico no prospecto para o IPO.
Embora o Buscapé ainda seja possivelmente a marca mais conhecida, coube ao Zoom o papel de protagonismo dos negócios. Mais do que um site de comparação de preços e produtos, o site se destaca como uma plataforma que faz uma curadoria da compra para o cliente, apresentando sites confiáveis depois de um pente-fino que inclui da Receita Federal até a Serasa e o Procon e a garantia em caso de descumprimento das entregas.
A empresa tem dois modelos para rentabilizar seus negócios: o principal é a receita que recebe de lojistas parceiros pela exibição de anúncios em seus sites e pelos cliques que direcionam os clientes para os sites dos varejistas. Essa fonte responde por 96,5% das receitas.
Os demais 3,5% são obtidos por meio da solução contratada principalmente por pequenos e médios lojistas, em que os sites da Mosaico cuidam do processo de compra de produtos até o pagamento. Eram mais de 500 redes de lojas parceiras em setembro passado.
Em 12 meses até setembro, o volume bruto de mercadorias totalizou 3,8 bilhões de reais. A Mosaico é lucrativa desde 2014, um feito raro entre empresas de tecnologia: nos nove primeiros meses de 2020, o lucro líquido ficou em 56,7 milhões de reais, com forte crescimento em relação aos 3,2 milhões de reais no mesmo período um ano antes.
Embora líder de mercado nos ramos em que atua, a Mosaico reconhece que existem riscos importantes que devem ser levados em conta. "Podemos enfrentar concorrência em todos os mercados em que atuamos uma vez que eles apresentam reduzidas barreiras de entrada", diz a companhia no prospecto para o IPO.
Mais adiante, a Mosaico explica o que pode pesar a favor de outros players: "Tais eventuais concorrentes podem contar com: (i) recursos tecnológicos de ponta; (ii) acesso a mercados de capitais estrangeiros a custos mais baixos e líquidos; e (iii) melhores condições de financiamento que as encontradas no Brasil".
A Mosaico movimentou 1,1 bilhão com sua oferta pública inicial, dos quais cerca de 580 milhões de reais na oferta primária, em que os recursos vão para o caixa da companhia. O valor líquido, descontados custos da oferta, deve ficar em 540 milhões de reais.
A maior parte dos recursos -- cerca de 90% -- será destinado para ampliar a participação da companhia no mercado de e-commerce, com estratégias como expansão das verticais de negócios, novos modelos de negócios e investimento em tecnologia.
"Já não somos mais os garotos da internet, e a empresa tampouco é uma startup. Mas carregamos o mesmo brilho nos olhos e a mesma vontade de fazer. Agora somos muitos dividindo o mesmo sonho e capazes de alçar voos maiores", disse Pacheco ao encerrar o discurso da cerimônia de estreia na bolsa. A julgar pela receptividade do mercado, capital tampouco irá faltar para os próximos passos da Mosaico.