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Dólar nas alturas: 4 perguntas para entender o avanço da moeda

Moeda americana fechou em valor recorde na última sessão, acima de 4,20 reais

Maior cotação nominal do dólar, até ontem, havia sido de 4,1957 reais no fechamento de 13 de setembro de 2018. (Anthony Bradshaw/Getty Images)

Maior cotação nominal do dólar, até ontem, havia sido de 4,1957 reais no fechamento de 13 de setembro de 2018. (Anthony Bradshaw/Getty Images)

TL

Tais Laporta

Publicado em 19 de novembro de 2019 às 11h02.

Quatorze meses depois, o dólar bateu novo recorde histórico nominal para um fechamento após encerrar a segunda-feira acima de 4,20 reais, e analistas dizem que até o fim do ano qualquer ajuste de baixa tenderá a ser limitado.

O dólar à vista subiu 0,30% na segunda-feira, para 4,2061 reais na venda. Com isso, a cotação deixou para trás o recorde anterior para um fechamento, de 4,1957 reais no dia 13 de setembro de 2018.

No acumulado de novembro, a moeda sobe 4,91%, mais do que anulando a queda de outubro (-3,52%) e a caminho da maior valorização mensal desde agosto (+8,51%).

Num conjunto de nove moedas consideradas de risco, o real amarga o pior desempenho em novembro (-4,68% ante o dólar), com depreciação mais intensa até que a do peso chileno, que no período recua 4,53% em meio a uma turbulência social no país.

Em 2019, o real deprecia 7,42%, terceira maior queda entre 33 pares do dólar. Apenas peso argentino (-36,6%) e peso chileno (-10,6%) caem mais no mesmo intervalo.

1. Por que o dólar subiu recentemente?

Entre meados de outubro e o começo de novembro, o dólar saiu de 4,17 reais para 3,98 reais, com clara influência do ambiente externo, onde predominava otimismo quanto às negociações comerciais entre Estados Unidos e China.

Mas a moeda começou a ganhar força novamente já no dia 6, data do leilão do excedente da cessão onerosa, que frustrou expectativas do mercado quanto a uma relevante participação de petroleiras estrangeiras, o que poderia trazer fluxo ao país. Estrategistas do Morgan Stanley chegaram a estimar 8,5 bilhões de dólares em ingressos apenas neste trimestre.

No fim, contudo, a Petrobras arrematou dois blocos, incluindo o mais desejado e caro do leilão, Búzios, fazendo oferta de 61,38 bilhões de reais para ter 90% de participação nessa área —as chinesas CNODC e CNOOC ficaram com o restante, com 5% cada. Apenas no dia 6, o dólar saltou 2,22%.

Já no dia 8, o dólar voltou a subir forte (+1,83%), na esteira da decisão do Supremo Tribunal Federal que culminou na soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para o mercado, o risco era de um eventual fortalecimento da esquerda nublar o cenário para reformas econômicas.

Desde o dia 6, o dólar acumula alta de 5,33%.

"A incerteza na América Latina... no Chile... também acaba pressionando", disse Julia Gottlieb, economista do Itaú Unibanco responsável pela análise de contas externas e taxa de câmbio, referindo-se às violentas manifestações no país sul-americano que deixaram mortos e colocaram em xeque o modelo neoliberal do presidente Sebastián Piñera.

2. Qual o papel da queda dos juros no câmbio?

A alta do dólar no ano, de 8,01%, tem forte relação ainda com a queda do diferencial de juros entre o Brasil e o mundo --especialmente comparado aos Estados Unidos.

Neste ano, o spread entre a Selic e a meta de juros nos EUA caiu de 4,125 pontos percentuais para 3,375 pontos percentuais. Em agosto de 2016, quando o BC começou a cortar a Selic do patamar de 14,25%, essa diferença estava em 13,875 pontos percentuais.

Pelo elevado diferencial de taxas, o real tradicionalmente era beneficiado por fluxos em busca de retornos rápidos na renda fixa. Mas a queda vertiginosa da Selic praticamente pôs fim a essa estratégia, o que, combinado com a perda de grau de investimento pelo Brasil nos últimos anos, afastou o investidor estrangeiro da dívida pública brasileira, fazendo minguar o fluxo.

"O movimento de troca de dívida externa por interna, decorrente da queda dos juros, é outro fator contra o real nesses últimos meses", afirmou Joaquim Kokudai, sócio-gestor na JPP Capital.

A queda da Selic a sucessivas mínimas recordes reduziu o custo de captação de recursos no mercado local. Com isso, muitas empresas com dívidas em moeda estrangeira decidiram antecipar pagamentos dessas obrigações para se financiarem em reais. Esse movimento gera fluxo cambial negativo, o que exerce pressão de alta para o dólar.

3. O BC vai intervir?

Para a maioria dos analistas consultados, o BC não deve atuar no mercado cambial "apenas" porque o dólar superou 4,20 reais. O debate, contudo, se mantém porque a autoridade monetária interveio da última vez que a cotação ameaçou essa marca psicológica, em agosto.

Na ocasião, o Banco Central anunciou uma operação extraordinária de venda de moeda no mercado à vista.

"Nesse episódio em particular, a atuação do BC foi pontual, por uma questão muito específica de liquidez. E não consigo pensar no BC atuando exatamente nos 4,20 reais. Seria deixar muito explícito que estaria buscando um alvo", disse Bruno Marques, gestor dos fundos multimercados da XP Asset.

Estrategistas do Credit Suisse chamam atenção para os riscos de "frustração" do mercado caso o Banco Central não atue no mercado de câmbio, num cenário já fragilizado para o real devido à decepção com o leilão da cessão onerosa.

Desde agosto o Banco Central tem realizado ofertas diárias de dólar à vista combinadas com leilões de swap cambial reverso e tradicional. Com isso, o BC evita alterações substanciais em sua posição cambial líquida (de forma geral, reservas internacionais menos volume de intervenções no câmbio), atualmente em 327,6 bilhões de dólares.

Gottlieb, do Itaú, cita que as taxas do casado (dólar futuro menos dólar spot) e de cupom cambial (juro em dólar) têm oscilado em patamares não compatíveis com cenário de estresse de liquidez, o que minimizaria o caso para reforço em intervenção pelo BC.

4. O que esperar para o câmbio no curto prazo?

De forma geral, analistas veem o atual patamar do dólar como acima do que sugerem os fundamentos --portanto, haveria espaço para algum alívio na cotação até o fim do ano.

O JPMorgan, por exemplo, não acredita em início de uma tendência "sustentável de liquidação" do câmbio, apesar da depreciação de mais de 5% do real desde o leilão da cessão onerosa.

O banco diz estar com recomendação "acima da média" para o real em seu portfólio e cita, entre as razões, entendimento de que o câmbio está "fundamentalmente" deslocado de seu valor justo, percepção de que o mercado reagiu "em excesso" ao noticiário sobre Lula e visão mais positiva para as moedas emergentes.

"Além disso... a economia começou a mostrar alguns sinais de recuperação na margem... o que não aponta deterioração que respaldaria um real mais fraco", disseram em nota Carlos Carranza, Robert Habib e Gisela Brant.

A expectativa de alguma correção de baixa no dólar é expressa pela sondagem Focus do Banco Central, na qual analistas veem dólar a 4,00 reais ao fim de 2019 (pela mediana das previsões). O Santander Brasil também espera taxa de 4 reais no encerramento do ano.

Mas alguns analistas ainda se mostram mais céticos sobre algum respiro para o câmbio.

Além do efeito de alta sobre o dólar decorrente de eventual decepção do mercado sobre ausência de intervenções cambiais pelo Banco Central, estrategistas do Credit falam em "proliferação" de estruturas de opções com barreiras acima de 4,20 reais, que, rompidas, poderiam causar uma aceleração na alta do dólar.

"A natureza assimétrica de riscos direcionais sobre expectativas de intervenção, combinada com a extensão da decepção com o leilão de petróleo, nos deixa receosos sobre tentar minimizar a força do dólar a partir dos atuais níveis", afirmaram os profissionais em relatório.

O Itaú afirma que, historicamente, o diferencial de juros ajustado pelo risco tem sido um importante determinante para a taxa de câmbio brasileira e que, olhando apenas para essa variável, a redução do spread para níveis historicamente baixos sugere a estabilização do real em patamar mais depreciado.

O Itaú projeta dólar de 4 reais ao fim de 2019. O ajuste de baixa se daria pela adequação da taxa de câmbio ao prêmio de risco-Brasil medido pelo CDS de cinco anos, que segue perto de mínimas em seis anos e meio a despeito do salto recente do dólar.

Para o término de 2020, o banco vê a moeda em 4,15 reais, "basicamente pela queda do diferencial de juros", segundo Julia Gottlieb, economista do banco.

Mas, para os próximos anos, a perspectiva de crescimento maior da economia brasileira pode gerar um fluxo de capitais mais intenso para o país capaz de compensar, pelo menos em parte, o impacto do diferencial de juros menor sobre a taxa de câmbio.

"Ou seja, ao incorporar esse efeito nos nossos modelos, encontramos um real ligeiramente mais apreciado do que temos no nosso cenário", afirmou Gottlieb, citando taxa de 4,05 reais.

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