LEONARDO PEREIRA, DA CVM: próximo do fim de seu mandato, ele conseguiu aprovar uma de suas bandeiras, mas dificuldades na CVM continuam / Germano Lüders
Letícia Toledo
Publicado em 21 de junho de 2017 às 17h07.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 17h52.
Letícia Toledo
Nos últimos anos, com o aumento do número de empresas brasileiras citadas em escândalos de corrupção, cresceram as críticas à regulação e fiscalização do mercado acionário brasileiro. Por isso, a Medida Provisória 784, que aumenta poderes de punição do Banco Central e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), foi bem recebida por investidores e economistas. Mas a passada a euforia inicial com a MP, assinada pelo presidente Michel Temer no último dia 7 de junho, ainda não ficou claro se a proposta realmente traz grandes mudanças para a xerife do mercado acionário, a CVM, ou se a canetada foi apenas um contra-ataque do governo em meio à citação do presidente em delações.
A MP não chega a ser novidade: estava formulada e aguardava a assinatura presidencial desde outubro de 2015. Passados quase dois anos, a MP foi aprovada logo após a delação dos controladores da companhia de alimentos JBS, que envolveu o presidente Michel Temer. O movimento foi entendido como uma tentativa de retaliação do governo ao grupo JBS. O governo negou que a aprovação tenha acontecido por conta da JBS.
Entre os principais pontos da MP está a possibilidade de multiplicar por 1.000 o teto da multa da CVM, que passou de 500.000 reais para 500 milhões de reais. A medida também permite que a autarquia sele acordos de leniência, com a redução da pena aplicada em troca de informações. A punição pelo não atendimento de diretrizes da CVM também ficou mais pesada. A chamada multa cominatória teve o valor diário máximo ampliado de 1.000 reais para 100.000.
O aumento nos valores passa um recado importante de que a CVM pode realmente doer no bolso das empresas. A instituição abriu nove processos administrativos contra a JBS desde a delação de seus controladores. Os processos investigam o uso de informação privilegiada em operações de ações e câmbio. Também foram instaurados dois inquéritos administrativos e dois processos de fiscalização externa ligados à JBS.
Mas as mudanças de valores não devem servir para casos retroativos, então não serão aplicadas à JBS, segundo o presidente da CVM, Leonardo Pereira. Ex-diretores da autarquia também duvidam que as multas tenham um aumento substancial, mesmo com as novas regras. “O valor realmente estava defasado, mas um aumento para 500 milhões não significa que a CVM vai começar a aplicar multas muito mais altas. Valores muito altos dificultam o recebimento, a CVM não recebe e a punição acaba sendo ineficaz”, diz Luiz Leonardo Cantidiano, ex-presidente do órgão regulador.
No ano passado, dos 65 processos administrativos julgados pela instituição, apenas sete chegaram ao limite de 500.000 reais vigente até então. “Definir o valor da multa é algo muito difícil e a CVM sempre tem muito cuidado com isso”, diz Norma Parente, ex-diretora da instituição. As maiores multas aplicadas na história da CVM até hoje estão relacionadas principalmente ao uso de informações privilegiadas. A pena individual mais alta foi a aplicada ao ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira, controlador do Banco Santos, no valor de 264,5 milhões de reais. A quantia ainda não foi paga e soma-se a outros 2,35 bilhões de reais devidos à CVM por pessoas e empresas, segundo consta em seu balanço de 2016.
Falta de pessoal
A ampliação dos valores das multas e, consequentemente da receita da CVM, poderia ser útil para promover melhorias estruturais e ampliar o defasado corpo técnico da instituição. No fim do ano passado, a CVM publicou um documento no qual aponta a perda acumulada de 240 profissionais em oito anos. A falta de concursos públicos periódicos tem diminuído a cada ano o quadro de servidores. Ao fim de 2017, estima-se que a CVM terá 173 profissionais a menos do que o previsto, resultando em um déficit de servidores de 28%. A CVM já solicitou junto ao Ministério da Fazenda um concurso para ofertar 127 vagas.
O problema é que, apesar de aumentar sua receita ano após ano, os recursos que a CVM arrecada não ficam com o órgão. A instituição arrecada mais do que gasta: em 2016 o superávit foi de 244,2 milhões de reais. Enquanto a contratação de novos profissionais esbarra na falta de concursos, as despesas com tecnologia, administração e outras atividades — consideradas despesas discricionárias — são pressionadas pelo limite imposto pelo orçamento federal. Essas despesas dependem da Lei de Diretrizes Orçamentárias que vem sofrendo sérios ajustes por conta da crise fiscal do país. As despesas totais de 2016 somaram apenas 52% do valor arrecadado com as taxas de fiscalização na CVM, que totalizaram 429 milhões de reais.
Ainda não está claro também como a CVM lidará com outra mudança da MP: a possibilidade que a autarquia feche acordos de leniência. Acordos desse tipo, que se tornaram mais recorrente nos últimos anos entre empresas envolvidas na Lava-Jato, permitem que as companhias de capital aberto possam, rapidamente, negociar multas ou sanções e, ao mesmo tempo, continuar tocando seus negócios, trazendo mais segurança também para os investidores.
É difícil saber a essa altura se as possíveis negociações serão fruto de um trabalho conjunto com o Ministério Público e outros órgãos reguladores ou se será uma negociação e investigação totalmente a parte. “Tem que haver uma convergência entre o trabalho do Ministério Público e o da CVM, para que não haja um conflito entre instituições. Hoje já há problemas entre o acordo firmado com o MPF e as apurações do TCU. Não pode haver algo semelhante”, diz o advogado Luís Wielewicki, especialista em mercado de capitais e sócio da Sampaio Ferraz Advogados. Como a equipe atual da CVM, não tem funcionários suficientes nem para dar conta dos processos atuais, fica a dúvida de como a instituição lidaria com acordos de leniência.
A MP 784 vai ser discutida agora no Congresso, em regime de urgência, em uma comissão que deve ser instalada nas próximas semanas. Segundo o jornal Valor Econômico, a medida já recebeu 97 emendas que se concentram em sugestões para mudança no limite das multas do Banco Central e o cancelamento da previsão para acordo de leniência.
A ampliação dos valores das multas para a CVM prevista na MP, por sinal, é uma das grandes bandeiras do atual presidente Leonardo Pereira, cujo mandato se encerra em 15 de julho. A nomeação de seu sucessor ainda está em aberto. Trata-se de um cargo altamente estratégico que deve julgar inclusive os casos envolvendo a JBS.
Na delação do empresário Joesley Batista, controlador da JBS, a nomeação do presidente da CVM foi mencionada. De acordo com o empresário, o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB), apontado como intermediário do presidente Michel Temer para assuntos do grupo J&F, o ofereceu indicação de nomeação para a autarquia. A delação trouxe dúvidas quanto à independência da CVM e outros órgãos reguladores citados. O próximo presidente do órgão terá que provar sua independência de influências políticas e empresariais.