Retomada em V? Projeções de crescimento são revisadas para cima | Foto: Ronniechua/Getty Images (ronniechua/Getty Images)
Guilherme Guilherme
Publicado em 30 de maio de 2021 às 08h15.
Última atualização em 31 de maio de 2021 às 08h29.
O otimismo com a economia brasileira tem ganhado tração no mercado. Bancos, corretoras e consultorias começam a revisar a projeção para o crescimento do PIB neste ano. Grandes e médias empresas estão reportando resultados acima das expectativas.
A mediana das estimativas do mercado financeiro para a expansão do PIB em 2021 sobe há cinco semanas consecutivas: passou de 3,04% em meados de abril para 3,52% no último boletim Focus. O maior banco do país, o Itaú Unibanco (ITUB4), revisou na semana que passou de 4% para 5% a projeção para o crescimento do país neste ano.
A Necton Investimentos, por sua vez, ampliou de 3% para 3,8% a expectativa para a alta do PIB neste ano. "Os dados recentes da economia brasileira, o ritmo atual de vacinação e a disposição recente do governo em animar a economia de maneira mais forte nos levaram a revisar a nossa projeção", disse André Perfeito, sócio e economista-chefe da Necton.
Na BR Finance, boutique de investimentos focada em processos de M&A (fusões & aquisições), a previsão de crescimento para o PIB brasileiro em 2021 é ainda maior e chega a 6%. “O Brasil vai sair da pandemia melhor do que entrou”, afirma Osias Brito, fundador da BR Finance.
Gesner Oliveira, sócio da GO Associados e professor da FGV-SP, acredita que o Brasil irá crescer menos de 6%, mas não esconde o otimismo com a economia local. “Se a situação melhorar minimamente, haverá um boom de consumo.”
Segundo o economista, o ciclo das commodities favorável às exportações brasileiras e a adaptação ao isolamento social contribuem para o crescimento. Mas a intensidade do ritmo de vacinação deve ser uma peça-chave nessa equação.
“Com a metade da população vacinada no terceiro trimestre, teremos um Natal bem mais forte. A propensão do brasileiro ao consumo está muito mais para gastar do que para poupar, ainda que isso venha se alterando.”
Com a maior circulação de pessoas esperada para o segundo semestre, investidores começaram a aumentar as suas apostas em ações de empresas ligadas ao consumo em lojas físicas. Somente neste mês, as ações da Lojas Renner (LREN3) e da Hering (HGTX3) subiram 20% cada uma, enquanto as da Marisa (AMAR3), 33%.
Apesar do bom desempenho já registrado em maio, o setor ainda ainda reserva um grande potencial de alta. Isso é o que diz Jerson Zanlorenzi, responsável pela mesa de ações, derivativos e distribuição do BTG Pactual digital (do mesmo grupo que controla a EXAME).
“Há um consumo reprimido que deve vir forte no segundo semestre, com Natal e festividades. A ação da Renner é a nossa favorita do setor”, diz Zanlorenzi.
No fim de abril, a Renner levantou 4 bilhões de reais para se preparar para aquisições. Com a pandemia afetando a receita de diversas varejistas, gigantes do setor têm visto o momento como oportunidade de consolidação. Até agora, a maior negociação foi a da compra da Hering pelo Grupo Soma (SOMA3) em negócio de 5 bilhões de reais.
Segundo Brito, da BR Finance, o movimento de consolidação deve aumentar ainda mais o valor das empresas. “Quando isso ocorre, o modelo que foi melhor vai ser adaptado para o que foi pior. No caso, o Soma fez muito bem o processo de digitalização, enquanto a Hering ficou para trás. Haverá a transposição de tecnologia e conhecimento.”
Mas é no setor de shoppings centers que Thomás Gibertoni, analista da Portofino Multi Family Office, avalia que estão as melhores oportunidades com a retomada da economia doméstica. Na bolsa, as ações de Iguatemi (IGTA3) e BrMalls (BRML3) foram destaque em maio, com altas de mais de 15% cada uma. “O rali deve continuar. Os preços ainda estão bastante atrativos”, comenta.
Para Brito, a maior expectativa está sobre os papéis de empresas relacionados ao turismo, como Azul (AZUL4), GOL (GOLL4) e CVC (CVCB3). Além de estarem relacionadas ao poder de compra dos brasileiros e à reabertura da economia, essas empresas, segundo ele, devem se beneficiar do efeito psicológico causado pela pandemia.
“As pessoas estavam reclusas, o que aumenta o desejo de viajar. As vacinas aumentam a confiança da população em se expor. Nos Estados Unidos, os voos domésticos já estão lotados.”
Companhias de infraestrutura, como concessionárias de rodovias, também estão entre as favoritas para se beneficiar desse cenário. Na bolsa, o setor é representado pelas ações da CCR (CCRO3) e da Ecorodovias (ECOR3).
“O aumento de carros nas rodovias proporciona um incremento financeiro importante para essas empresas. É um setor em que as ações ainda estão descontadas e se beneficia muito da retomada econômica”, diz Gibertoni.
Com menor concentração de empresas de commodities, ETFs (fundos passivos que replicam índices) atrelados ao Índice Small Cap devem ter desempenho superior ao do Ibovespa, em que somente Vale (VALE3) e Petrobras (PETR3/PETR4) representam mais de 20% da composição, diz Gilbertoni. “Ainda é um bom momento de investir nesses ETFs.”
Formado, em termos gerais, por empresas menores e mais dependentes da atividade local, o Índice Small Cap acumula alta de 9,46% no ano, enquanto o Ibovespa subiu 5,5%.
“O mercado já começa a precificar as empresas que estão mais ligadas à nossa economia. Na hora em que se olha o preço, as ações de commodities ainda têm espaço de alta, mas já andaram. Daí o investidor vai olhar para essas companhias, que ainda estão bem 'amassadas' em termos de preço”, diz Zanlorenzi, do BTG digital.
Apesar de todo o otimismo com o crescimento esperado para o segundo semestre, ainda permanecem riscos relevantes no caminho. O novo e mais iminente é a crise hídrica, que, segundo o economista Gesner Oliveira, deve aumentar ainda mais a pressão inflacionária do país e pode levar o Banco Central a subir mais os juros do que gostaria.
“A crise não chega a restrições de consumo, como foi em 2001, mas vem pelo lado do preço da energia elétrica. Na nossa visão, a inflação deve superar o teto da meta neste ano. Se não houvesse inflação, o ajuste da taxa Selic poderia ser mais lento”, afirma Oliveira.
No médio prazo, a não-aprovação das reformas no Congresso pode afetar os ativos relacionados à economia local. “As reformas são fundamentais para o PIB dar esse salto esperado pelo mercado. A economia depende da confiança do empresário e do investidor, e as reformas tributária e administrativa estão muito em foco”, afirma.
Mesmo que ainda não tenha feito preço no mercado, o risco de forte polarização nas eleições presidenciais de 2022 também está no horizonte dos investidores. De acordo com a mais recente pesquisa EXAME/Ideia, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva venceria Jair Bolsonaro no segundo turno por 45% dos votos contra 37%.
No mercado, o desejo é o de uma terceira via cada vez mais remota. “João Amoedo, Eduardo Leite ou João Doria seriam boas opções”, afirma Brito.
Mas Oliveira faz um paralelo com a primeira eleição de Lula em 2002. “A impressão no mercado é que o Lula virá na versão ‘carta aos brasileiros’”, afirma, referindo-se à carta que ajudou a acalmar o mercado financeiro na ocasião, em que o candidato assumiu compromissos com a estabilidade da economia e o respeito aos contratos.