Jerome Powell: presidente do Fed discursa sob pressão de Trump (BRENDAN SMIALOWSKI / Colaborador/Getty Images)
Repórter
Publicado em 22 de agosto de 2025 às 05h01.
O presidente do Federal Reserve (Fed), banco central dos Estados Unidos, Jerome Powell, discursa nesta sexta-feira, 22, no simpósio Jackson Hole, sob forte expectativas do mercado em relação a sinais sobre o futuro da política monetária do país. A fala está marcada para acontecer por volta das 11h, no horário de Brasília.
Em Wal Street, as opiniões sobre o discurso são mistas. Mas os analistas concordam em um ponto: Powell precisará equilibrar as expectativas de cortes de juros e os riscos de inflação.
Para o banco de investimento Everscore ISI, se as falas de Powell não forem suficientemente dovish, o mercado de ações pode entrar em “uma fase difícil”, com possível queda de 7% a 15% até outubro, ante apostas num corte de 50 pontos-base em setembro.
Julian Emanuel, diretor-executivo sênior e líder da equipe de estratégia de ações, derivativos e análise quantitativa da Everscore ISI, espera que Powell “sinalize indiretamente” um corte de 25 pontos-base, mas aposta que o presidente do Fed também deva manter um tom cauteloso e focado nos dados disponíveis sobre o mercado de trabalho e a inflação dos EUA.
Já o Goldman Sachs acredita que Powell não deve confirmar abertamente o corte previsto para setembro, mas aponta que o presidente deve deixar claro que o Fed vê a possibilidade em um ajuste na próxima reunião.
Para a Yardeni Research, Powell não deve adotar uma postura nem hawkish (mais agressiva, favorável a juros altos para controlar a inflação), nem dovish (mais branda, favorável a juros baixos para estimular a economia).
A casa aposta que o presidente do Fed deve ser mais "owlish" dessa vez — ou seja, será cauteloso, com uma observação maior dos dados sem se comprometer com decisões imediatas sobre cortes de juros.
Ed Yardeni, presidente da Yardeni Research, afirmou ao site The Economic Times que a inflação dos EUA está mais persistente do que a percepção do mercado e não enxergam os cortes como garantidos na reunião de setembro, apesar das apostas de Wall Street.
Segundo ele, as tarifas do presidente americano, Donald Trump, aumentaram os preços de bens duráveis, retirando o efeito compensatório que anteriormente ajudava a segurar a inflação total. Assim, mesmo que a inflação geral pareça estável, setores como serviços seguem pressionados.
A mesma opinião é compartilhada por Michael Pearce, vice-chefe de economia dos EUA da Oxford Economics.
Para ele, as tarifas em curso podem empurrar a inflação para cima nas próximas semanas, dificultando que o Fed consiga distinguir choques temporários de pressões permanentes nos preços.
O Deutsche Bank espera também que Powell use o discurso em Jackson Hole para reafirmar sua postura cautelosa, diante de dados como a inflação medida pelo PCE em torno de 2,7%, que permanece acima da meta de 2%, e o relatório de empregos (payroll) de julho, que registrou criação de apenas 187 mil vagas, abaixo do esperado pelo mercado.
Segundo eles, os movimentos devem ser moderados nos mercados de títulos, pois Powell deve evitar detalhar o ritmo e a magnitude dos cortes, justamente pela importância do próximo relatório de emprego de agosto, previsto para ser divulgado em 5 de setembro.
A visão dos estrategistas do Deutsche Bank é de que Powell deve “se recusar a fornecer muita granularidade sobre o timing dos cortes, devido à incerteza sobre a força real do mercado de trabalho”, já que revisões recentes nas vagas de emprego e no payroll sugerem uma atividade menos robusta do que se pensava anteriormente.
O Bank of America prevê que o presidente do Fed deve manter a flexibilidade para possíveis cortes de juros, mas adotará uma abordagem mais equilibrada em seu discurso, distanciando-se do otimismo excessivo que o mercado tem demonstrado.
O evento de Jackson Hole ocorre entre as reuniões de julho e setembro do Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC, na sigla em inglês), com dados cruciais sobre o mercado de trabalho e a inflação sendo divulgados durante esse intervalo. Isso faz com que o mercado encare a conferência como uma "mini-reunião" do FOMC.
O banco espera que Powell indique que a decisão sobre a política monetária de setembro dependerá dos dados de agosto, particularmente aqueles sobre o mercado de trabalho.
Se esses dados revelarem uma fraqueza adicional no emprego, Powell poderá sinalizar uma política monetária menos restritiva, mas sem comprometer-se com cortes de juros imediatos.
Joe Brusuelas, economista-chefe da consultoria RSM US LLP, por sua vez, acredita que, apesar da pressão do Executivo para que o Fed corte os juros, Powell provavelmente não oferecerá uma resposta clara sobre a ação em setembro durante o discurso em Jackson Hole, mantendo o mercado em compasso de espera.
Segundo Brusuelas, a decisão será um "cara ou coroa" (com 50% de chance de corte). Para ele, o discurso de hoje não deve revelar antecipadamente a decisão de setembro, mas sim preparar o terreno para um ajuste cauteloso.
A relação entre o presidente Trump e Powell já está tensa há meses, especialmente devido à recusa de Powell em baixar os juros.
Trump tem pressionado o Fed para que reduza a taxa de juros de referência, atualmente em 4,25% a 4,5%, alegando que esse patamar impede o crescimento da economia americana.
Powell, por sua vez, defende a postura do Fed, afirmando que suas decisões são baseadas em análises econômicas e não políticas. Na terça-feira, Powell afirmou que o impacto das tarifas impostas pela Casa Branca ainda não havia sido suficientemente analisado, mas que poderia haver um corte de juros em julho, dependendo da situação.
Segundo Neil Dutta, chefe de pesquisa econômica da Renaissance Macro, a frustração de Trump com Powell é clara.
"Trump quer um Fed que trabalhe para seus objetivos de curto-prazismo, mas Powell tem seguido uma abordagem mais cautelosa, o que gerou uma tensão crescente entre os dois", explicou ele à Bloomberg.
O presidente dos EUA vê a política monetária como um ponto essencial para estimular a economia, especialmente em um período de incerteza, causado em parte pelas suas próprias políticas, como as tarifas sobre importações.
Trump, que busca manter a economia em crescimento, acredita que uma redução nas taxas de juros pode ajudar a acelerar esse processo.
A postura de Powell, que se manteve firme em sua posição, gerou frustração no governo Trump, que vê a política monetária como um ponto crucial para impulsionar sua agenda econômica. Trump, conhecido por suas críticas públicas, não economizou nas palavras, repetidamente sugerindo que o presidente do Fed estava "atrasado" e "não sabia o que estava fazendo".
A retórica agressiva e os ataques pessoais não são novidades: Trump chamou Powell de "terrível", "muito burro" e "um perdedor", além de acusá-lo de "fazer política".
No entanto, Powell e outros membros do Fed têm alertado que a redução das taxas de juros poderia abrir portas para o aumento da inflação, algo que poderia ser ainda mais prejudicial a longo prazo.
"A postura de Powell é uma questão de responsabilidade. Ele está tentando garantir que a economia continue em equilíbrio, enquanto Trump quer uma ação mais imediata, que poderia ter efeitos adversos a longo prazo", afirmou David Kelly, estrategista-chefe da JPMorgan Funds, à Bloomberg.
Apesar das frequentes críticas, Powell tem se mantido em seu posto e, ao longo dos meses, tem reafirmado a independência do Fed, argumentando que o banco central deve agir de acordo com as metas estabelecidas pelo Congresso, e não com as pressões políticas do governo.
“Estou muito focado em apenas fazer meu trabalho”, disse ele recentemente.
A pressão sobre Powell aumentou ainda mais nesta semana, com novas acusações e um pedido de investigação de sua conduta. Trump, por sua vez, seguiu insistindo que Powell deveria sair do cargo, e alguns aliados do presidente chegaram a sugerir que ele poderia tentar a remoção de Powell, algo sem precedentes devido à independência do Fed, garantida por lei.
Para a gestora State Street Global Advisors, a postura de Powell em defender a independência do Fed é positiva, e a companhia prevê que ele deva repetir esse ponto no discurso, mesmo sem confrontar diretamente as críticas políticas atuais.
O presidente do Fed não pode ser demitido pelo presidente dos Estados Unidos sem a comprovação de justa causa, como estabelece a legislação americana. A independência do banco central é protegida por lei e pela Constituição, o que impede que um presidente dispense o chairman por discordâncias políticas ou decisões sobre a política monetária.
A lei americana permite a demissão de membros do conselho do Fed apenas em casos de má conduta, impropriedade ou ineficiência — e não por divergências em relação à taxa de juros ou à condução da economia.
Powell, indicado por Donald Trump em 2017 e reconduzido por Joe Biden, tem mandato até 2026 e já afirmou publicamente que não renunciaria ao cargo, mesmo que fosse pressionado a fazê-lo.
O mandato de Jerome Powell à frente do Fed vai até maio de 2026, mas a pressão política e as críticas de Trump levantam dúvidas sobre seu futuro. Se Powell decidir continuar no cargo, ele poderá influenciar as decisões políticas do banco central até o fim de sua nomeação.
No entanto, a relação tensa entre Trump e Powell continua a ser um dos maiores desafios da administração, especialmente à medida que o presidente busca alinhar a política monetária às suas metas econômicas.
Para Michelle Weaver, analista do Morgan Stanley, a pressão de Trump em relação ao Fed é "parte de uma tentativa mais ampla de controlar a política monetária para atender aos seus objetivos eleitorais." "Ele está buscando um banco central mais submisso à sua agenda", disse ela à Bloomberg.
A remoção de Powell, no entanto, seria um movimento sem precedentes e representaria um desafio direto à independência do Fed, algo que é garantido por lei desde a sua criação em 1913.
Se Trump realmente demitir Powell, isso poderia gerar uma crise institucional, afetando a confiança do mercado e a estabilidade financeira.
Trump, que frequentemente criticou Powell por aumentos nos juros e chegou a chamá-lo de "inimigo", já cogitou removê-lo da presidência do conselho do Fed e nomear outro para a função. No entanto, a substituição exige o aval da maioria dos demais membros do comitê.
O termo “Jackson Hole” tem origem no noroeste do estado de Wyoming, nos Estados Unidos, e remonta ao início do século XIX.
O nome é uma combinação de dois elementos: "Jackson", em homenagem a David E. Jackson, um caçador e explorador de peles que foi um dos primeiros a atuar na região, e "Hole", uma palavra do inglês antigo usada por caçadores de peles para descrever “vales profundos cercados por montanhas” (a tradução literal é "buraco").
Assim, “Jackson Hole” traduz-se literalmente como “o vale de Jackson”, uma área cercada pelas imponentes Montanhas Rochosas que, devido à sua geografia peculiar, foi associada a um “buraco” natural.