Pablo Cesário, presidente da Abrasca: 'distorções só aumentaram' (Gustavo Moreno/Abrasca/Divulgação)
Repórter
Publicado em 11 de novembro de 2025 às 06h00.
A corrida das empresas de capital aberto para antecipar a distribuição de dividendos neste fim de ano pode provocar uma fuga de capitais de até US$ 300 bilhões, avalia o presidente da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), Pablo Cesário.
Segundo o executivo, o movimento é uma reação direta à volta da tributação sobre lucros e dividendos a partir de 2026 prevista no Projeto de Lei (PL) 1.087/2025.
A proposta, já aprovada pelo Congresso e à espera de sanção presidencial, cria uma alíquota de 10% para quem ganha mais de R$ 50 mil em dividendos por mês, preservando apenas governos, fundos soberanos e entidades de previdência.
A mudança marca o fim da isenção vigente há quase 30 anos e vem como uma contrapartida para a isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil, além de cobrir uma redução parcial da tributação sobre rendas de até R$ 7.350.
Embora concorde com o princípio de justiça tributária que orienta o projeto, pelo qual quem ganha menos paga menos imposto, a entidade avalia que a matéria "aumentou as distorções" do sistema tributário para as empresas de capital aberto.
"Ele é um pouco mais justo, porque pessoas de baixa renda pagarão menos, mas ele é menos competitivo do que já era antes. As distorções só aumentaram", disse Cesário durante webinar realizado nesta segunda-feira, 10, pelo escritório Loria Advogados.
Segundo o presidente da Abrasca, há três interpretações possíveis sobre o que deve ser feito até o fim do ano pelas companhias listadas na Bolsa. Na visão mais conservadora, parte das empresas movimentam-se para registrar e distribuir seus lucros até o dia 31 de dezembro.
Em outro entendimento, a associação avalia que a decisão sobre os dividendos pode ser tomada neste ano, mas o pagamento pode ser feito em até três anos com a isenção garantida. Essa interpretação leva em conta um trecho do PL que estabelece que os lucros apurados até 31 de dezembro de 2025, e cuja distribuição seja aprovada até essa data, poderão ser pagos até 2028 sem a incidência do novo imposto.
Há ainda uma terceira análise que aponta que a decisão sobre a distribuição dos proventos pode ser postergada até abril do próximo ano com o prazo de isenção para até 2028.
"Isso é a definição do que se chama insegurança jurídica", afirmou Cesário.
No cenário mais conservador, a entidade já estima que "centenas de bilhões serão distribuídos até dezembro. As empresas vão se descapitalizar brutalmente e depois precisarão se recapitalizar com juros de 15% ao ano. Isso significa menos investimento, menos crescimento. E, se tudo for feito até dezembro, teremos ainda um rali cambial relevante e uma pressão enorme por crédito".
"Piorou [nosso sistema] e as pessoas só se darão conta disso quando as notícias começarem a sair com '200 a 300 bilhões de dólares vão sair do Brasil este ano'. É isso que vai acontecer", acrescentou.
O risco, segundo o presidente da Abrasca, é que ocorra uma "fuga de capitais". A entidade está buscando uma emenda para atenuar o impacto, apontando que, hoje, cerca de 60% dos investidores na B3, a Bolsa de Valores do Brasil, são estrangeiros.
O Ministério da Fazenda estima que apenas 141,4 mil pessoas, cerca de 0,06% da população, terão aumento de imposto, já que atualmente pagam em média apenas 2,54% de sua renda. Com a tributação, o governo espera reduzir distorções e taxar parte das rendas isentas, como os dividendos, isentos desde 1996.
"O PL a ser sancionado garante que não haverá tributação de dividendos se a empresa de fato recolher tributo sobre resultado pela alíquota nominal. Ou seja, não há possibilidade de a somatória de alíquota efetiva da empresa e do sócio de alta renda ser relevante em comparação com a experiência de praticamente todos os demais países do mundo (exceto paraísos fiscais)", disse a pasta, em nota à EXAME.
A Fazenda também negou o risco de fuga de capitais. O ministério argumentou que, durante o debate do projeto de lei nas audiências públicas no Congresso, foi demonstrado que a desoneração de dividendos "não implicou em aumento de investimento ou capitalização".
"Somente o Brasil e alguns poucos países de economia muito pequena desoneram dividendos. No caso do PL, aliás, os dividendos continuam desonerados para quase todos os recebedores (somente haverá tributação para aquela ínfima parcela de alta renda)", seguiu a nota.
O advogado Daniel Loria, ex-diretor da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária e sócio do Loria Advogados, avalia que o texto aprovado deixou brechas de interpretação sobre quando a deliberação e o pagamento devem ocorrer e como isso se relaciona com o artigo 205 da Lei das S.A., que exige que dividendos sejam apurados e pagos dentro do mesmo exercício social.
Para o advogado, a situação é particularmente sensível nas companhias abertas, que precisam respeitar ritos de governança e prazos de auditoria. "É inviável fechar o balanço de 2025 dentro de 2025", disse Loria.
"O que as pessoas têm feito é planejar, deliberar, com um balanço de meio de ano, um balanço de novembro, por exemplo, e um ato societário em dezembro, e aí abriria a mão apenas do resultado de dezembro. Mas, sim, de modo geral a tendência é um aumento no volume do dividendo distribuído até o final do ano, é algo inexorável de qualquer mudança tributária", complementou o tributarista.
Pela legislação societária, as empresas têm até abril do ano seguinte para realizar a Assembleia Geral Ordinária (AGO), quando aprovam as demonstrações financeiras e decidem o que fazer com o lucro do exercício anterior, no caso, o lucro de 2025.
Da forma como está, o PL exige que essa deliberação ocorra até 31 de dezembro de 2025 para garantir isenção da nova tributação, o que o ex-diretor da reforma tributária considera “agressivo” e incompatível com as práticas de governança corporativa.
Loria defende que o prazo seja estendido até abril de 2026, sob o risco de que a falta de ajuste provoque um "forte movimento no mercado de capitais entre novembro e dezembro de 2025", com as empresas correndo para decidir o que fazer com os lucros de 2025 e com as reservas acumuladas até 2024.
A medida de ampliação do prazo também vem sendo prevista no projeto de lei em discussão no Senado para aumentar a taxação sobre bets, bancos e fintechs.
Diante do cenário, Loria recomenda que as companhias deliberem até o fim de 2025 o máximo possível de dividendos, seja pagamento em caixa, seja por capitalização de lucros para preservar a isenção vigente.
"Se eu tenho lucro de 100, e caixa para pagar 25, posso pagar esses 25 e capitalizar o restante. Eu, particularmente, resolveria toda a vida até o final do ano. Não contaria com o prazo de três anos previsto na lei", disse o tributarista.
Ele observa que as sociedades limitadas e empresas fechadas têm mais flexibilidade, podendo seguir o prazo maior para pagamento, desde que haja unanimidade entre os sócios. Já nas companhias listadas, o risco jurídico e societário é mais elevado.
Com a vigência da nova lei, o dividendo pago a partir de janeiro será tributado na fonte em 10%. Para o estrangeiro, o desconto será definitivo, enquanto que para a pessoa física brasileira, ajustável na declaração anual. A mudança deve provocar transformações estruturais no financiamento corporativo.
"Veremos companhias mais alavancadas e menos propensas a abrir capital", afirmou Loria.