(Yuki Iwamura/AP Images)
Estagiária de jornalismo
Publicado em 1 de outubro de 2025 às 06h32.
Uma ideia revolucionária, um líder visionário e uma história de sucesso meteórico são como diversas startups constroem suas narrativas. O caso da Frank não foi diferente. No entanto, ele acabou com a condenação de seus fundadores pela fraude. Em 2021, a startup foi vendida por US$ 175 milhões ao maior banco dos Estados Unidos, o JP Morgan Chase.
Fundadora da startup Frank em 2016, Charlie Javice criou uma plataforma online que simplificava o preenchimento do FAFSA, formulário federal usado por estudantes para solicitar ajuda financeira para a faculdade. A iniciativa chamou a atenção do JP Morgan Chase, que completou a compra da Frank em 2021.
Desde então, foi descoberto um esquema fraudulento no qual dados de clientes, motivo por trás da aquisição pelo banco, foram falsificados. Nesta segunda-feira, 29, a empreendedora foi condenada a 85 meses de prisão, três anos de liberdade supervisionada e ordenada a pagar mais de US$ 300 milhões.
Página no site original da Frank, no qual Charlie Javice afirmava que sua missão era "ajudar estudantes a pagar pela faculdade de seus sonhos". (Reprodução/Reprodução) (Reprodução/Reprodução)
Aos 26 anos, Javice já era celebrada pela Forbes e Business Insider como parte de uma nova geração de líderes financeiros.
Em entrevista à Forbes em 2018, ela explicou sua filosofia: "É como na saúde preventiva, o que se pode fazer para intervir antes que alguém tenha uma doença crônica? É crítico tomar a decisão certa [desde o início] para preparar os estudantes universitários para o sucesso."
A empresa afirmava ter ajudado mais de 300 mil estudantes a receber US$ 7,5 bilhões em auxílio financeiro. Javice descreveu seu produto à Business Insider em 2018: "Basicamente, começamos com seu FAFSA e ajudamos a simplificar esse processo para levar apenas quatro minutos para você completá-lo e estar menos propenso a cometer erros." A reportagem já dizia que ela criou uma solução ao problema da inacessibilidade do ensino superior nos EUA e comparou a jovem empreendedora a Bill Gates.
Os primeiros sinais de problemas surgiram antes da aquisição pelo JP Morgan. Em julho de 2020, quatro membros do Congresso solicitaram à Comissão Federal de Comércio (FTC) que investigasse a Frank por práticas enganosas relacionadas aos auxílios emergenciais do CARES Act para estudantes durante a pandemia de COVID-19.
A empresa prometia ajudar estudantes a acessar até US$ 5 mil em auxílio emergencial mas, na prática, apenas gerava cartas-modelo que os alunos deveriam enviar às universidades.
Na denúncia, os congressistas alertaram: "Temos a preocupação de que a Frank esteja criando falsas esperanças e gerando confusão nos estudantes, além de contribuindo para uma carga de trabalho desnecessário aos administradores de auxílio financeiro".
Em novembro de 2020, a FTC emitiu uma carta de advertência formal à Frank, concluindo que o site da empresa fazia "alegações potencialmente enganosas", incluindo informações incorretas sobre o processo de solicitação de auxílio emergencial e sobre os critérios de elegibilidade.
Apesar da denúncia de 2020, o JP Morgan Chase comprou a Frank por impressionantes US$ 175 milhões em 2021.
A decisão foi baseada nos relatórios de Javice, que mostravam tinha 4,25 milhões de usuários cadastrados na empresa. Os relatórios contavam com dados completos dos clientes, incluindo nome, e-mail e telefone. Essa base era crucial para os planos do banco de expandir seus serviços para o mercado estudantil.
Charlie recebeu mais de US$ 21 milhões pela venda de sua participação acionária e receberia outros US$ 20 milhões como bônus de retenção.
Havia um problema central nessa transação, no entanto. A Frank tinha apenas cerca de 300 mil usuários reais, um número muito distante dos 4,25 milhões alegados.
Quando o JP Morgan solicitou verificação do número de usuários e dos dados coletados, Javice e seu cúmplice Olivier Amar, diretor de crescimento da empresa, fabricaram um conjunto de dados falsos.
A base de usuários da Frank e seus dados foram o motivo central da aquisição de US$ 175 milhões pelo JP Morgan. Analogamente, a falsificação deles é o cerne da condenação por fraude.
Segundo documentos do Departamento de Justiça, Javice primeiro pediu ao diretor de engenharia da Frank que criasse dados gerados artificialmente. O diretor levantou preocupações sobre a legalidade do pedido, ao que Javice respondeu: "Não queremos acabar em macacões laranja", fazendo uma alusão aos uniformes dos presos nos EUA. O engenheiro recusou.
Com a recusa, Charlie contratou um cientista de dados para criar o conjunto de dados. Ela forneceu essas informações a um funcionário terceirizado, que confirmou ao JP Morgan que o conjunto de dados tinha mais de 4,25 milhões de registros, validando a farsa.
Simultaneamente à criação dos dados falsos, Javice e Amar tentaram comprar dados reais de mais de 4,25 milhões de estudantes universitários no mercado aberto para encobrir a mentira. Eles conseguiram comprar um conjunto de dados de 4,5 milhões de estudantes por US$ 105 mil. No entanto, esse bloco não continha todos os campos previamente combinados com o JP Morgan.
Após a aquisição, quando funcionários do JP Morgan pediram dados dos usuários da Frank para iniciar uma campanha de marketing, os cúmplices forneceram os dados comprados no mercado aberto.
Em janeiro de 2023, o JP Morgan entrou com uma ação judicial contra Javice e a Frank por fraude, acusando a startup de inventar milhões de clientes falsos para inflar seu valor. O banco descobriu o esquema ao tentar usar a base de clientes da Frank, mas percebeu discrepâncias massivas.
O site da Frank foi derrubado em janeiro de 2023. Nesse momento, página instruia os potenciais clientes a enviar suas candidaturas ao FAFSA por meio do site oficial do governo americano.
O website da Frank foi derrubado em janeiro de 2023, com o início do processo por fraude contra o JP Morgan (Reprodução/Reprodução) (Reprodução/Reprodução)
A Business Insider relatou em 2023 que não era a primeira vez que a empresa enfrentava acusações de má conduta: a Frank também havia sido processada pelo governo federal em 2018 por representar de forma falsa seus vínculos com o Departamento de Educação. Este processo, diferentemente do iniciado cinco anos depois, acabou em um acordo.
Em 29 de setembro de 2025, a juíza distrital Alvin K. Hellerstein sentenciou Charlie Javice a 85 meses de prisão e três anos de liberdade supervisionada. Além disso, também ordenou o confisco de US$ 22,36 milhões e a restituição no valor de US$ 287,5 milhões.
Em comunicado oficial, a procuradora Amanda Houle declarou: "Javice perpetrou uma fraude de US$ 175 milhões — mentindo repetidamente sobre o sucesso de sua startup e até contratando um cientista de dados para criar dados falsos para sustentar suas mentiras. Por isso, Javice foi sentenciada a 85 meses de prisão e ordenada a pagar mais de US$ 300 milhões. A sentença de hoje envia uma mensagem clara de que fraudes descaradas serão recebidas com penalidades sérias."