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Como as bolsas encerraram o ano com recordes apesar da pandemia

Crise da covid-19 amplia desconexão entre mercado de ações e economia real, com ganhos de empresas de tecnologia com baixa dependência de mão-de-obra

Painel eletrônico da Nasdaq na Times Square, em Nova York: bolsa de empresas de tecnologia teve um ano de recordes (Michael Nagle/Bloomberg)

Painel eletrônico da Nasdaq na Times Square, em Nova York: bolsa de empresas de tecnologia teve um ano de recordes (Michael Nagle/Bloomberg)

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Bloomberg

Publicado em 31 de dezembro de 2020 às 13h16.

O mercado de ações pegou fogo em 2020, com a média do índice Dow Jones prestes a terminar o ano acima de 30.000 pontos, um recorde. Enquanto isso, 30.000 pessoas nos Estados Unidos morreram de coronavírus apenas nas últimas duas semanas.

Recentemente, ações de empresas públicas de pequeno porte alcançaram as blue chips, com o índice Russell 2000 subindo quase 17% até agora neste ano. Enquanto isso, o número de pequenas empresas operando nos EUA caiu 25%, de acordo com um rastreador da Universidade Harvard.

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A fortuna do CEO da Tesla, Elon Musk, aumentou cerca de 140 bilhões de dólares neste ano graças ao mercado de ações, enquanto 100 bilhões de dólares foram adicionados às fortunas de Jeff Bezos, da Amazon, e de Mark Zuckerberg, do Facebook. Enquanto isso, o número estimado de adultos americanos que não têm o suficiente para comer aumentou para cerca de 27 milhões.

“O mercado de ações não é a economia” é um refrão comum em Wall Street quando se trata de explicar as aparentes desconexões. Raramente, ou quase nunca, o axioma foi tão difundido como em 2020, em meio ao contraste perturbador entre superlativos de prosperidade e adversidade.

À medida que as vítimas do vírus começaram a chegar aos milhares, depois dezenas de milhares, depois centenas de milhares de almas, a política dos EUA ficou ainda mais dividida. No verão, as cidades foram tomadas por protestos em reação à violência policial.

Desde as eleições, o presidente dos EUA, Donald Trump, que está deixando o cargo, tem se enfurecido diariamente, chamando, sem comprovação, a democracia americana de um jogo corrupto e fraudulento.

E o clima em Wall Street? Bem, de alguma forma o tema do ano passou a ser ignorar todo o caos e sofrimento deste distópico presente e pular direto para um utópico futuro.

Houve alguns bons motivos para isso. Para aqueles de nós que tiveram a sorte de se manter nos empregos em 2020, muitos canais para gastos discricionários foram fechados, enquanto as economias inchavam. Muito desse dinheiro excedente provavelmente fluiu para o mercado de ações, seja por meio de traders da Robinhood em busca de ações que pudessem se valorizar ou de investidores mais conservadores em busca de diversificação.

Os investidores despejaram 29,4 bilhões de dólares em fundos de ações dos EUA na semana até 15 de dezembro, o quinto maior fluxo semanal de todos os tempos, de acordo com a EPFR Global. Os fundos negociados em bolsa que rastreiam ações arrecadaram 46 bilhões de dólares em dezembro, depois de atrair 81 bilhões de dólares no mês anterior. O restante dessa poupança, prossegue o pensamento, voltará entusiasticamente para a economia por meio dos gastos do consumidor quando a ameaça do vírus recuar.

Os eventos do ano destacam o impressionante poder – e as dolorosas limitações – da política monetária do banco central americano. Os esforços do Federal Reserve para manter as taxas de juros tão baixas quanto possível para impulsionar a economia esmagaram os retornos disponíveis nos mercados de renda fixa, empurrando os investidores para ações.

Em suma, o banco central incentivou a tomada de risco nas finanças em um momento em que a aversão ao risco era aconselhada – não obrigatória – para atividades cotidianas, como simplesmente ir jantar fora. O presidente do Fed, Jerome Powell, deixou claro em 16 de dezembro que não acha que a euforia do mercado quanto ao risco tenha chegado ao ponto máximo o bastante para que ele se preocupe com uma difícil aterrissagem econômica.

Manter um ambiente acolhedor nos mercados de capitais está ajudando a manter as empresas vivas, e isso deve ajudar a recuperar os empregos perdidos que ainda não voltaram em 2020 – cerca de 10 milhões – quando a pandemia diminuir. Portanto, uma maneira de explicar o comportamento dos investidores é que eles estão olhando para além de uma crise que o Fed determinou que será temporária.

Mas o mercado de ações é uma fera cruel e calculista, e ajudar pessoas a conseguir empregos não está no topo de sua lista de prioridades. Os investidores também pareciam apostar em uma permanente mudança na estrutura de trabalho e na economia.

O mercado sempre animou as empresas que conseguem reduzir custos com mão-de-obra, mas o fenômeno foi turbinado no ano da pandemia.

“Eu resumiria 2020 como o mercado em baixa para os humanos”, disse Vincent Deluard, diretor de macroestratégia global da corretora StoneX Group Inc. à Bloomberg em agosto. “Como muitas coisas, a Covid-19 está apenas acelerando a transformação social, a concentração de riqueza em poucas mãos, as gigantescas desigualdades, os problemas de competição e tudo isso.”

Uma análise feita pela Deluard na época mostrou que as ações de empresas que menos dependem de seus funcionários estavam subindo à frente daquelas de mão-de-obra intensiva. É uma tendência difícil de se ignorar quando olhamos para os vencedores e perdedores de 2020.

O protagonista malvado da história do mercado neste ano foi a Tesla de Musk, cujas ações subiram quase 700% para aumentar sua relação preço/vendas de 3 para 22. É uma avaliação que pode significar “bolha” para muitos, mas é muito mais razoável para aqueles que imaginam um futuro no qual a Tesla venha a ser a primeira empresa a comercializar uma frota global de táxis sem motoristas.

O futuro não é só de robôs: afinal, a próxima ação com melhor desempenho no S&P 500 este ano foi a Etsy, que poderia ser um bom sinal para as legiões de artesãos, tricoteiros, ceramistas e pintores que vendem seus produtos no site. Ainda assim, tricotar em casa não é um modo fácil para se pagar pelo seguro-saúde.

A mentalidade de não parar para pensar no amanhã também está em exibição no mercado de ofertas públicas iniciais (os IPOs), em que dobrar o preço se tornou comum para a classe de empresas estreantes com potencial de disrupção neste ano. Basta verificar os gráficos da empresa de software de inteligência artificial C3.ai, do serviço de entrega de comida DoorDash e da empresa de aluguéis residenciais Airbnb.

Pode-se inserir a própria comparação com a bolha pontocom aqui – e tomar partido no debate "desta vez é diferente" vs. "não, não é". Mas não é preciso voltar 20 anos para ver um exemplo da Wall Street se superando.

O S&P 500 subiu 19% em 2017 em meio ao entusiasmo sobre os planos do presidente Trump de cortar impostos corporativos. Os investidores acertadamente previram o futuro: o projeto de lei foi assinado no final de dezembro daquele ano e entrou em vigor em 2018. Mas eles provavelmente ultrapassaram o limite. O desempenho em 2018? Queda de 6,2%.

Dizem que é fácil analisar o passado, mas, quando se trata do mercado de ações, o ano de 2020 foi inteiramente baseado em previsão. Esse é, obviamente, um campo de visão muito mais fora de foco.

*Tradução de Anna Maria Dalle Luche

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