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'Cenário é extremamente adverso para as bolsas', diz gestor da ASA

Em entrevista à Exame Invest, Marcio Fontes fala sobre impacto recessivo por aperto do Fed e prevê juro americano próximo de 6%

Marcio Fontes, gestor do fundo ASA Hedge, da ASA Investments (Asa Investments/Divulgação)

Marcio Fontes, gestor do fundo ASA Hedge, da ASA Investments (Asa Investments/Divulgação)

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Guilherme Guilherme

Publicado em 6 de maio de 2022 às 08h44.

Última atualização em 6 de maio de 2022 às 09h17.

"Estamos passando por uma grande transformação do pano de fundo econômico que prevaleceu nos últimos 20 anos." Foi assim que Marcio Fontes, gestor da ASA Investments, iniciou a entrevista concedida à EXAME Invest nesta semana.

Com três décadas de mercado financeiro, Fontes teve cargos de diretoria em bancos como JPMorgan, BNP Paribas e Safra. Neste ano, à frente do fundo ASA Hedge, sua estratégia rendeu mais de 20%. A principal aposta: a alta de juros nos Estados Unidos.

A única forma de o Federal Reserve (Fed) conseguir controlar a inflação americana, que roda no maior patamar desde 1981, será provocando uma recessão da maior economia do mundo, segundo o gestor. A expectativa de Fontes é de que a taxa de juros, atualmente no intervalo entre 0,75% e 1%, tenha que subir para próximo de 6%.

"Até o fim do ano, o Fed pode subir o juro para o intervalo entre 3,25% e 3,5%, com alta de 50 pontos base por reunião. Nesse ritmo, o Fed irá endereçar o problema até o segundo semestre do ano que vem. Mas se a situação ficar mais dramática, podemos ter aumentos de 75 pontos base", afirmou.

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Fontes prevê que a recessão econômica será um remédio necessário, mas com potenciais nocivos para o mercado de ações. "O cenário de que estamos falando é extremamente adverso para as bolsas. Inclusive, temos posições vendidas em setores industriais da Europa e nos Estados Unidos como hedge para nossa posição em juros. Isso porque uma forte queda da bolsa pode impedir que os juros subam tanto."

Confira a entrevista com Marcio Fontes, gestor do fundo ASA Hedge, da ASA Investments:

Como o senhor tem visto o cenário atual no mercado, com taxas de juros e de inflação mais altas no mundo?

Estamos passando por uma grande transformação do pano de fundo econômico que prevaleceu nos últimos 20 anos. Tínhamos um mundo onde os principais governos vinham de contenção fiscal, havia a interação da cadeia de produção e o aumento da poupança para a velhice. A principal preocupação dos bancos centrais era a deflação.  

O oposto está acontecendo. Há estímulo para o americano não ter produção na China e estamos observando um platô da expectativa de vida, que tem levado ao aumento de gastos na velhice. Outra questão estrutural é o aumento de gastos para o cumprimento de metas de descarbonização e mudança da matriz energética. 

São fatores que geram menos eficiência e mais inflação. Diante de tamanha mudança nossa principal posição do fundo é o aumento das taxas de juros dos Estados Unidos.

Por que dos Estados Unidos?

O que mais sensibiliza o mercado de juros é a inflação. O fator principal da inflação são os salários. E o que faz os salários subirem mais ou menos? O aperto do mercado de trabalho. A melhor forma de medir isso é a relação entre o número de vagas ofertadas e de trabalhadores disponíveis. 

Está ocorrendo um fenômeno extraordinário nos Estados Unidos, com 1,8 vaga ofertada por trabalhador. É um mercado muito aquecido. A alta de salários já está em 5% ao ano, sendo que a meta da inflação americana é de 2%. 

Até que ponto o Federal Reserve deve subir os juros?

Deve chegar a algo entre 5% e 6% nos próximos dois anos. "Até o fim do ano, o Fed pode subir o juro para entre 3,25% e 3,5%, com alta de 50 pontos base por reunião. Nesse ritmo, o Fed irá endereçar o problema até o segundo semestre do ano que vem. Mas se a situação ficar mais dramática - o que considero mais provável - podemos ter aumentos de 75 pontos base. 

O desemprego americano está projetado para 3% para o fim do ano. A taxa natural, que não gera inflação, é de 4%. Então, o Fed terá o trabalho de levar o desemprego de volta para 4%. 

Qual será o impacto dessas medidas na economia? Devemos ver uma recessão nos Estados Unidos? 

Nunca tivemos uma situação em que o desemprego nos Estados Unidos subisse 0,5 ponto percentual e não houvesse recessão. Não tem como fazer o omelete sem quebrar os ovos. Ou seja, não tem como quebrar as pernas da inflação sem gerar recessão, ainda mais considerando um desvio tão grande em relação à meta. 

Se isso não for feito, será pior. O processo inflacionário no médio prazo é muito mais nocivo para a economia do que frear o processo com aumento de juros.

Bolsas do mundo inteiro tiveram o pior desempenho mensal em abril desde março de 2020, que marcou o início da pandemia. Faz sentido ficar vendido em bolsa nesse cenário? 

O cenário de que estamos falando é extremamente adverso para as bolsas. Inclusive, temos posições vendidas em setores industriais da Europa e nos Estados Unidos como hedge para nossa posição em juros. Isso porque uma forte queda da bolsa pode impedir que os juros subam tanto.

Quando a bolsa cai muito, parte do trabalho da alta de juros já é feito, porque tira a confiança das pessoas e aperta as condições financeiras. A guerra e a vulnerabilidade do mercado de ativos são dois fatores que podem fazer com que os juros não subam tanto. Gostamos de ter a bolsa vendida como hedge para essas situações.

Por que o risco da bolsa está tão elevado?

O valor da bolsa é a função do lucro projetado e do juro real. Ou seja, quanto maior o juro real do governo, menor é o múltiplo que o investidor está disposto a pagar. A perspectiva, hoje, é de lucro cadente, porque a economia com mais juros vai produzir compressão de custos. Lucros menores não é bom para a bolsa. 

O juro real longo nos Estados Unidos pós-2008 ficou por alguns anos em 2%. Hoje está em 0,10%. Se o juro real longo subir para 1% ou 2%, o múltiplo da bolsa também tem que cair. E o juro longo tem que subir para segurar a inflação. A bolsa tende a cair porque o juro é para cima e o lucro é cadente, com compressão de margem e menos crescimento econômico. 

Se tiver recessão nos próximos dois anos, o que é provável, será como 'kriptonita' para as bolsas. 

O mundo terá que entrar em uma nova crise econômica para controlar a inflação? 

O Fed terá que subir os juros a um ponto que deve levar à recessão. É uma situação que deve ocorrer em alguns países mundo, especialmente nos Estados Unidos. 

A alta de juros e o cenário global devem gerar uma recessão também no Brasil?

Não sei dizer qual será Selic final, mas temos visto o núcleo da inflação brasileira (anualizado e dessazonalizado) no maior nível da história recente. Não sabemos se o aumento de juros será suficiente para controlar a inflação, que já roda 9 pontos percentuais acima da meta. O desvio é gigantesco no Brasil. Será que o juro de 12% ou 13% leva a economia para uma recessão? É bem provável. Mas ainda é difícil dizer se a alta de juros vai parar em 13% ou 14%. 

Como o fundo ASA Hedge tem se posicionado no mercado local? 

Apostamos no aumento da inflação, que estava precificada a 5% para este ano. Seria a maior desinflação da história, tendo em vista que estava em 10% no ano passado. Agora, estamos fazendo o par de venda de bolsa e compra do real/dólar. Isso implica em uma visão adirecional em termos de risco Brasil. 

A bolsa está cara na parte que não é de commodities. O múltiplo está acima da média histórica, tirando empresas de proteína animal e commodities. Já o real está historicamente desvalorizado. Se tanto o dólar quanto a bolsa se mantiverem estáveis, ainda ganhamos o carrego. 

Se a bolsa ficar parada, ganhamos o CDI inteiro para o período de 12 meses. Com o real é a mesma coisa, já que o desconto do juro americano é muito baixo. É uma aposta que geralmente vai bem quando o juro está alto no Brasil. 

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