O responsável pelas operações comerciais da Ferrero do Brasil, Renato Zanoni, (Ferrero/Exame)
Para o responsável pelas operações comerciais da Ferrero do Brasil, Renato Zanoni, o Brasil é um país estratégico para o grupo italiano de alimentos.
Em entrevista à EXAME Invest, Zanoni explicou que o País representa hoje 70% do mercado latino-americano, e vem crescendo em um ritmo de 30% ao ano.
"A Nutella foi um dos principais vetores desse crescimento, e hoje está presente em 20% das casas brasileiras. Se tornou um objeto de desejo", explica o executivo.
Hoje o grupo italiano fatura € 12,7 bilhões (cerca de R$ 77 bilhões), mas por política empresarial não divulga os resultados por cada país.
Para Zanoni, que recebeu a EXAME na sede de São Paulo junto com Fernando Careli, Diretor de Assuntos Corporativos e Sustentabilidade para a América do Sul, a qualidade é a verdadeira "obsessão" da empresa.
"O fato de ser uma empresa familiar e não listada nos permite tomar decisões estratégicas visando o longo prazo. Por exemplo, focar mais na qualidade, mesmo que isso represente um custo imediato, pensando em nosso posicionamento no mercado no futuro", explica.
Os executivos falaram pela primeira vez sobre o caso dos Kinder Ovo produzidos na fábrica da Bélgica com salmonella, explicando como o caso não afetou minimamente o Brasil, onde o lote sequer chegou a ser importado.
"O problema foi resolvido em tempo recorde, tanto que não chegou a afetar nosso resultado em nível mundial", salienta Zanoni.
Como é a situação atual da Ferrero no Brasil?
Quando a Ferrero chegou no Brasil, há 25 anos, tomou a decisão de considerar o país como estratégico. Um lugar onde valia a pena desenvolver o negócio guiados por nossa estratégia. Nos últimos quatro anos dobramos o faturamento no país. Desde que eu entrei na empresa, há 14 anos, como gerente da Tic Tac, vi a empresa multiplicar por quatro, tendo duplicado nos últimos quatro anos.. E isso tudo nunca abandonando nossa filosofia, que é baseada na qualidade dos produtos e na experiência do cliente. Então, posso dizer que crescemos fazendo as coisas do jeito certo, pois é assim que acreditamos que teremos nosso "true payback" lá na frente.
O que significa, na prática, fazer as coisas do jeito certo?
Não abrimos mão da qualidade. Por exemplo, nunca mudamos as fórmulas dos produtos para eventualmente ganhar uma maior distribuição em um país tropical como o Brasil. Não diminuímos a dimensão do Kinder Ovo. Não pioramos os ingredientes para tentar reduzir preços. Não alteramos a experiência de consumo para poder fazer negócio. Esse é o driver central da Ferrero. Obviamente estamos também nos tornando uma empresa cada vez mais eficiente, graças também a escala que estamos ganhando. Mas, o fundo, tudo isso é preservando a qualidade do produto. Afinal, acreditamos as pessoas vão querer sempre comer um chocolate gostoso. E vão pensar imediatamente na Nutella.
Vocês conseguem mensurar o reconhecimento da qualidade por parte dos consumidores? Em termos de faturamento ou de feedback?
Sim, temos duas dimensões em termos de equity. Uma é da marca e outra é a dimensão do negócio, a combinação disso dá o effective equity. Não posso divulgar esses dados, mas posso lhe garantir que essa percepção de marca é sempre superior. Um exemplo: o Ferrero Rocher é sempre considerado uma marca premium. Outro é o tamanho que a Nutella alcançou no Brasil, presente em mais de 20% das casas brasileiras.
E além da questão de se posicionar como marca premium, como vocês responderam à maior demanda de produtos fitness por parte do mercado, aqui no Brasil é muito mais diferente — e forte — em relação à Europa?
Você tem razão, em relação à Europa, o Brasil é um lugar onde as pessoas tendem a ter uma vida mais equilibrada. Entretanto, por mais que essa alimentação mais funcional cresça como tendência, ainda vai sempre existir um espaço do chocolate, da Nutella, ou seja, de ter prazer. No fundo, essa discussão é um pouco mais ampla: não é sobre um ingrediente, é sobre uma alimentação mais balanceada. No final das contas, se pessoas conseguem ter uma alimentação com todos os tipos de nutrientes e com porções adequadas e hábito de vida saudável, não sedentário, essa combinação é saudável. Aqui no Brasil a gente implementou o programa Kinder Joy of Moving, junto ao governo de Minas Gerais, para trazer uma metodologia que estimula movimento de crianças dentro das escolas. Trabalhamos com os professores para que possam ter mais repertório de incentivar essa vida menos sedentária e mais ativa.
Por que escolheram Poços de Caldas para a produção da Ferrero? Foram apenas questões de benefícios fiscais ou têm outras razões?
Poços de Caldas tem uma questão climática e logística muito relevante. E isso é particularmente importante para nossos produtos, que são bastante sensíveis do ponto de vista climático. Então, nossa planta de Poços, que tem mais de mil colaboradores — dobrando de tamanho no final do ano — é estratégica para viabilizar ainda mais a expansão da empresa no futuro. Estamos investindo e modernizando cada vez mais nossa planta, o ano passado investimos R$ 24 milhões, e é lá que acreditamos será nosso futuro produtivo sendo um "hub" para toda a América Latina. A planta brasileira é a maior de toda a região.
O Brasil pode se tornar uma plataforma de exportação dos produtos da Ferrero mundo afora, especialmente agora que o real está desvalorizado?
Devemos lembrar que somos uma empresa europeia. E na Europa temos fábricas muito grandes, muito maiores, pensadas para suprir todo o consumo do continente e para exportar para outros países também. Mas as exportações da planta de Poços de Caldas têm crescido nos últimos dois, três anos, quase no mesmo nível de nossa produção local. O Brasil já exporta cerca de 20% da produção.
Como foi o crescimento durante a pandemia de coronavírus (covid-19)?
Durante a pandemia as pessoas ficaram mais em casa e consumiram mais produtos da Ferrero. Mas essa tendência de consumo permaneceu. Os institutos de pesquisa mostram que ao final da pandemia a as pessoas saíram de um contexto difícil, mas ainda persiste uma situação econômica desafiadora. Então, elas continuaram indo menos ao cinema, bar, restaurantes do que antes e os hábitos que adquiriram durante a pandemia acabaram permanecendo. Então, no final das contas, não estamos registrando uma edução de volume em nenhum de nossos produtos. Muito pelo contrário, todos continuam num ritmo de crescimento bastante interessante, mesmo em termos de volumes.
Mas a inflação está reduzindo o poder de compra das famílias. Isso está impactando as vendas da Ferrero?
Muito pelo contrário. Quando as pessoas têm menos renda disponível, o dinheiro delas tem de valer mais. Ou seja, elas podem errar menos. Então, o consumidor quer ter certeza que vai comprar um produto de uma marca que aprecia, que tem uma qualidade superior. Ele vai até se esforçar mais, sabendo que o benefício que vai ter no final é garantido. E isso nos leva de volta para a estratégia da Ferrero: a qualidade. Estamos nos beneficiando de todos esses anos de consistência no trabalho e dessa visão do grupo de acreditar na qualidade dos produtos. Conforme as pessoas vão conhecendo cada vez mais os nossos produtos, elas vão permanecendo na marca. É assim que a gente cresce.
Como vocês estão lidando com a inflação dos insumos? Terão de aumentar os preços?
É inevitável falar sobre aumentos de preços. Eles estão aumentando no mundo inteiro, e a gente é forçado a aumentar. È um contexto inflacionário por todos os lados. Mas estamos buscando cada vez mais eficiências operacionais, para compensar e mitigar a parte desses aumentos de custo, tentando repassar o mínimo possível para o consumidor e, ao mesmo tempo, pensando na sustentabilidade do negócio.
Qual a maior região consumidora de produtos da Ferrero no Brasil?
Sem dúvida as regiões Sul e Sudeste. Que por sinal são as regiões onde o portfólio completo da Ferrero. No Norte, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil, a temperatura, as condições climáticas, passam a ser um grande problema. Calor e umidade são fatais para o chocolate. Por isso que definimos uma estratégia diferente para essas regiões, onde temos um portfólio diferente, mas que podemos vender o ano inteiro e mais resistente as temperaturas locais. Por exemplo, investimos muito mais no Raffaello do que no Rocher. E nessas regiões temos pontos de venda super selecionados onde temos certeza que tem ar-condicionado ligado 24 horas por dia. Tudo isso para garantir a qualidade. Você nunca vai comprar um produto da Ferrero derretido em uma loja. O consumidor deve ser encantado. Nossos produtos devem valer quanto custam. Devem valer a pena.
Como garantem essa qualidade toda dentro da empresa?
Temos um departamento de qualidade comercial, que é diferente da qualidade do produto. São dezenas de pessoas, pesquisadores que viajam pelo Brasil que vão nos pontos de venda avaliar a qualidade do produto todos os meses. E isso nos dá um guia, uma visibilidade de como os nossos produtos vão se comportando ao longo do tempo. Na base disso, tomamos decisões de negócios para garantir que essa qualidade seja sempre elevada. Um departamento como esse nem sei se faz sentido em uma outra empresa, mas na Ferrero é o ponto de partida da estratégia. É um investimento, e não um custo para a gente.
Qual é o perfil do cliente da Ferrero?
Cada um dos quatro grandes grupos de marcas têm um público diferente. Por exemplo, o TicTac é um público bem jovem-adulto. Apesar que todo o mundo consome TicTac, então é o público mas amplo. Nutella é um consumo amplo também, mas o tomador de decisão normalmente é quem faz a compra, ou seja as donas de casa. O Ferrero Rocher é um consumo bem mais adulto, pois ele normalmente está relacionado com o presentear. Geralmente um adulto independente financeiramente é o público alvo. E no caso da Kinder, é pensado para crianças, mas o grande tomador de decisão são os responsáveis, os pais. Então, apesar da gente falar para a mesma pessoa, ela ocupa papéis diferentes dependendo do momento de consumo.
Quais são os planos da Ferrero para o futuro?
Nos próximos dois anos vamos entregar um crescimento do faturamento de dois dígitos, mas imaginamos continuar um crescimento em volume no futuro em um dígito, após o grande desempenho dos últimos anos. A própria inflação é um fator inevitável e deve ser considerado. Existe ainda espaço para aumentar a penetração nos lares brasileiros dos nossos produtos. Além disso, estamos tirando forno algumas novas inovações pensadas para países tropicais. Nos últimos anos trabalhamos junto com um pessoal da Índia e China para desenvolver produtos que sejam termorresistentes. Para vender a mesma coisa no Brasil inteiro, independente do clima. Teremos entre três e quatro inovações nos próximos doze meses.
Assim como os grandes grupos de bebidas, que estão enfrentando concorrência com cervejarias artesanais, também estão surgindo chocolaterias artesanais no Brasil. Algumas já chegaram a ganhar prêmios internacionais. Vocês estão sofrendo essa concorrência ou o público é outro?
Não. Muito pelo contrário. Essa é até uma tendência que nos beneficia. O que há atrás tanto das cervejas que dos chocolates artesanais? Um consumidor que percebe os produtos como muito "commoditizados". Ao longo dos anos muitas empresas trabalharam reduzindo os custos através da diminuição da qualidade dos ingredientes, redução de tamanho, etc... Chega uma hora que o consumidor começa a querer mais. Começa a querer que seu dinheiro valga a pena. Então, ele foi buscar isso nas chocolaterias artesanais, Mas ele encontra isso também nas marcas da Ferrero. Por isso que, no final das contas, esse movimento para o grupo é uma grande oportunidade. Uma grande tendência onde nosso modelo de negócios está se beneficiando. Mais que isso, o nosso modelo é pra isso, para que as pessoas aproveitem o chocolate.
Como estão trabalhando com ESG?
Somos bastante orgulhosos da seriedade como a Ferrero trabalha. Somos considerados um modelo pela WWF no tratamento do óleo de palma, por exemplo. Todos os anos estamos sempre entre o primeiro e o segundo lugar entre as maiores indústrias do mundo que usam esse ingrediente. E não vale apenas para o óleo de palma. Cacau, açúcar e todas as matérias-primas que usamos são 100% certificadas, seja em sustentabilidade que rastreabilidade. Temos 167 mil fazendas fornecedoras rastreadas e geomonitoradas no mundo pela Ferrero. É algo que mostra muito mais o que a gente faz do que a gente fala. Temos uma verdadeira obsessão com qualidade, e ESG também entra nessa visão. Para entregar um produto de altíssimo valor agregado ao consumidor devemos ter um controle detalhado de toda a cadeia de produção, iniciando pelo fornecimento das matérias-primas. Mas óbvio que nossa agenda ESG é muito maior do que isso. Temos compromissos de responsabilidade social, de movimentação das crianças, compromissos climáticos e redução de emissões. Por exemplo, nossa planta de Poços de Caldas usa 100% de energias renováveis já há alguns anos. Temos resultados muito efetivos nesse âmbito.
O que aconteceu com o caso dos Kinder Ovo produzidos na Bélgica que foram contaminados por salmonella? A Anvisa exagerou proibindo a importação, já que o produto não iria ser importado mesmo?
A Anvisa cumpre seu papel. Estamos falando de produtos superconhecidos no Brasil inteiro e no período da Páscoa. Então, houve uma certa precaução na atuação da Anvisa. Mas esclarecemos rapidamente com a agência. Estivemos muito próximos dos técnicos da Anvisa. Solucionamos todas as dúvidas deles e trabalhamos com a máxima transparência em todo o processo. E, no final das contas, nosso público entendeu que o produto era seguro. Pois tivemos a melhor Páscoa da história em termos de faturamento. Superamos nossas expectativas e não tivemos nenhum reflexo no negócio.