O que esperar desse 'mercado urso'? (Exame/Exame)
O primeiro semestre de 2022 foi o pior para os mercados financeiros mundiais desde o final da década de 1970.
Os principais mercados financeiros internacionais perderam, em média, mais de 20%, entrando tecnicamente no território do chamado "mercado urso".
O índice S&P 500 perdeu 21,08% no primeiro semestre do ano, enquanto o Nasdaq perdeu 30,34% e o Dow Jones 15,88%.
No Brasil, o Ibovespa até que se defendeu razoavelmente, perdendo "apenas" 5,24% desde o começo do ano.
Ao mesmo tempo, estourou a maior bolha do mercado de títulos da dívida e debêntures das últimas décadas.
Se apenas alguns meses atrás o mercado havia gerado US$ 18 trilhões em títulos da dívida com taxas negativas - algo sequer contemplado nos manuais de economia - hoje o aumento dos rendimentos em nível global, por causa da volta do dragão inflacionário, eliminou esse papéis da circulação.
O devastador duplo cisne negro que atingiu os mercados em dois anos - pandemia do novo coronavírus (Covid-19) e guerra na Ucrânia - obrigou os Bancos Centrais a voltarem rapidamente à normalidade das taxas de juros.
Até a segunda metade de 2021 a prioridade número um era ajudar as economias a se recuperarem do "meteoro" provocado pelo coronavírus.
Agora, o objetivo é travar a "inflação-monstro" que já está na casa de dois dígitos. Algo desconhecido desde os anos 1970, quando os dois choques petrolíferos provocaram uma alta inflacionária.
Só que quando os juros sobem, os mercados financeiros caem. E o que se viu no cenário internacional foi uma derrocada dos índices.
Em seis meses, a capitalização das Bolsas de Valores globais caiu US$ 25 trilhões, passando US$ 122 trilhões para US$ 97 trilhões.
O mercado de títulos perdeu quase US$ 10 trilhões em capitalização. O de criptomoedas mais de US$ 2 trilhões.
As únicas classes de ativos que foram contra essa tendência de queda foram as commodities e o dólar.
Essas geralmente têm uma correlação inversa, mas em momentos excepcionais como esses subiram juntas.
O índice Crb (CRB Index)- um dos mais importantes indicadores de commodities agregadas - subiu 30% desde o início do ano e 175% desde os valores mínimos registrados durante a fase mais grave da pandemia.
O índice do dólar (Dollar index) subiu 10% em escala global, ultrapassando os 105 pontos, como não acontecia desde 2003.
Em suma, a primeira parte do ano foi dominada pelo "trade de inflação", aquela estratégia de investimento que visa liquidar as posições que mais sofrem com a alta dos preços, iniciando com títulos da dívida e seguindo com a maioria dos setores do mercado de ações.
O objetivo de um "trade de inflação" é se proteger comprando ativos que conseguem seguir a corrida de preços até o final, ou seja, as commodities.
Por isso, houve uma limpa no mercado entre as ações com risco considerável, iniciando pelas ações de tecnologia, que são as mais sensíveis as altas das taxas de juros.
Das mais de 3 mil ações que compõem o índice Nasdaq, quase um terço perdeu mais de 80% de seus valores (em relação às máximas) e mais da metade perdeu mais de 60%.
Esses números são semelhantes aos que estamos vendo no setor de criptomoedas, onde até ativos "prestigiosos", como Bitcoin e Ethereum, questão caindo duramente.
Os criptoativos estão sofrendo com o estouro de duas bolhas ao mesmo tempo: a do Nasdaq, ao qual as criptomoedas estão relacionadas, e a bolha das finanças descentralizadas cujas plataformas há um tempo estavam oferecendo retornos fora da realidade.
O que está deixando os investidores preocupados são as quedas das últimas sessões, que apresentaram fortes diferenças com o que se viu nos primeiros meses do ano.
Essas quedas são acompanhadas por uma alta no preço dos títulos da dívida e uma queda em suas rentabilidades.
E desta vez, em vez de subir como esperado, as matérias-primas estão caindo, dando sinais de fadiga.
O comportamento diferente das diferentes classes de investimento, que agora estão caindo todas juntas, parece ser o prelúdio do cenário econômico que os investidores estão aguardando.
Esse cenário tem nome: recessão.
Não é por acaso que, neste contexto, os títulos da dívida pública tendem a recuperar força ou, em qualquer caso, parar a queda enquanto as commodities começam a sofrer.
Muitos analistas estão se questionando se, em termos de inflação e de preços, os picos já passaram. E agora entraremos uma queda acelerada.
Analisando a evolução das matérias-primas industriais, mais ligadas ao ciclo econômico e menos aos factores geopolíticos do que das matérias-primas energéticas, os sinais de recessão aparecem evidentes.
O cobre, a commodity industrial por excelência, é considerada a referência para tentar interceptar sinais de recessão do mercado. E o mineral perdeu 20% em junho, passando de US$ 4,5 para US$ 3,7, com uma escalada para baixo nas últimas sessões.
Por isso que os investidores estão mudando o foco de suas estratégias, passando de "luta contra a inflação", que dominou os primeiros seis meses do ano, para a modalidade "recessão".
Afinal, a palavra recessão foi abertamente contemplada em Sintra por banqueiros centrais do mundo todo, entre os quais Gerome Powell, presidente do Federal Reserve (Fed) e Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu (BCE).
Do lado dos investidores, o temor da recessão tornou-se uma questão de precificar as probabilidades crescentes de crise e recalibrar seus investimentos.
Em essência, precificar os danos que a estratégia de combate à inflação, com alta dos juros em nível mundial, causará à economia real.
Os próximos resultados trimestrais, que começarão a ser publicados nas próximas semanas, serão portanto o verdadeiro teste para os mercados financeiros.