Argentina: dólar blue recua após vitória de Milei (Luis ROBAYO /AFP Photo)
Repórter de finanças
Publicado em 21 de novembro de 2023 às 11h27.
Última atualização em 21 de novembro de 2023 às 15h00.
Investidores argentinos começaram esta terça-feira, 21, mais do que otimistas no primeiro dia de negociações após a vitória de Javier Milei para a Presidência do país. O índice Merval, principal referência para as ações de empresas da Argentina, abriu com alta de 21,23%% aos 782.027 pontos segundo dados da Economática.
O deputado ultralibertário teve 55,69% dos votos, 11 pontos percentuais à frente do rival Sergio Massa, que somou 44,30% dos votos válidos. Milei tomará posse em 10 de dezembro e já se movimenta para a escolha de pastas e cargos. Em entrevista a rádios locais nesta manhã, o presidente recém-eleito afirmou que seu governo só terá oito dos atuais 18 ministérios.
Em conversa com diversos cidadãos, a EXAME, presente na Argentina durante as eleições, apurou a narrativa: “queremos o câmbio, a mudança, seja lá qual for”. O desejo de mudanças pode ser visto nos números do mercado. O dólar blue, cotação paralela e não oficial, mas que melhor representa a relação entre oferta e demanda, está sendo negociado hoje a US$ 920 para compra e US$ 950 para venda, uma queda de 2,06%.
Já o dólar oficial apresenta uma leve alta de 0,54% a US$ 353,50 para compra e US$ 371,50 para venda nos bancos, o que marca uma diferença de 162,40% em relação ao dólar oficial para compra e 164,21% para venda, de acordo com o El Cronista.
O ETF ARGT, que representa as ações de empresas listadas em Buenos Aires e negociada na bolsa de Nova York, avançava no pré-mercado +1,21% nesta terça, cotado a US$ 47,55. Ontem, o fundo de índice chegou a disparar mais de 13%, com investidores reagindo à vitória de Milei, e fechou a sessão em alta de 11,30% nos Estados Unidos.
Parte significativa desse movimento foi explicada pela disparada da petrolífera estatal YPF, que ocupa 17% de peso no índice de referência do ETF e que disparou 40% em Nova York. O movimento foi derivado das fortes promessas de privatização da estatal pelo novo presidente. Em entrevista à Rádio Mitre, Milei afirmou que irá privatizar "tudo o que puder estar nas mãos do setor privado", inclusive a petrolífera.
No entanto, a YPF, mesmo com a alta de ontem, vale apenas US$ 15,2 bilhões. O montante equivale a menos do dobro do valor de mercado da maior petrolífera privada do Brasil, a PetroRio, que tem menos de 10% da produção da YPF. Nesta terça, já é visto uma correção. Na abertura de mercado, a YPF caía 4,34% cotada a US$ 14,265.
Gustavo Bertotti, economista-chefe da Messem Investimentos, destaca que o ânimo do mercado na segunda e nesta terça pode ser “uma euforia um pouco exagerada”. Segundo sua análise, os planos econômicos de Milei, como a dolarização da economia, privatizações e fim do Banco Central, são medidas que ainda precisam do apoio do Congresso — fato que, em números, Milei não tem.
O partido do novo presidente (La Libertad Avanza) tem apenas 37 de 257 assentos na Câmara dos Deputados e oito de 72 senadores. Entretanto, se Milei conseguir apoio do Juntos pela Mudança — coligação de Mauricio Macri e da terceira colocada, Patricia Bullrich que apoiaram Milei durante as eleições — obteria maioria na Câmara (129 de 130 cadeiras) e quase maioria no Senado (32 de 37 posições). “A gente tem de lembrar que o Mauricio Macri, em 2015, veio com essa proposta de restaurar a economia da Argentina e, no final, faltou apoio e ele deixou o cargo, e vimos a Argentina em uma situação muito delicada”, comenta Bertotti.
Ainda segundo o especialista, outro pouco que irá precisar de apoio, e gera incertezas comerciais, é o desejo já citado por Milei de deixar o bloco do Mercosul. “A Argentina é a terceira maior importadora de produtos brasileiros e o Brasil também tem uma falta relevante de importação e exportação da própria Argentina, então isso gera incertezas.”
Analistas do BTG Pactual (mesmo grupo da EXAME), publicaram em relatório que a dolarização total também exigiria a aprovação do Congresso e recursos adicionais. “Ao longo do caminho, porém, o presidente eleito terá de estabilizar a economia, introduzindo um ajuste dos preços relativos, incluindo a taxa de câmbio, seguido de um plano de estabilização, que terá de incluir um grande ajuste fiscal e um compromisso de eliminar os custos diretos e financiamento monetário indireto."
A última divulgação oficial da inflação Argentina pelo Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec), em 13 de novembro, mostrou que que o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) no país, em outubro, desacelerou para 8,3% frente altas de 12,4% em agosto e de 12,7% em setembro. Entretanto, a variação pode ser não ser apenas reflexo do congelamento de preços e pode indicar que há uma inflação represada. No acumulado de 2023, em outubro, a inflação era de 120% e de 142,7% em 12 meses, um recorde em 32 anos. Além da inflação, a dívida/PIB está perto de 90%.
Em relatório publicado pelo Goldman Sachs na segunda-feira, 20, as previsões para a economia argentina em 2024 são preocupantes. "Esperamos que a economia se contraia pelo segundo ano consecutivo. A inflação anual está próxima dos 150% e espera-se que continue a subir nos próximos meses. A taxa de câmbio está sobrevalorizada, as reservas internacionais estão em níveis críticos, as reservas líquidas são significativamente negativas, o desequilíbrio fiscal persiste, as obrigações soberanas são negociadas em níveis difíceis e o governo não tem acesso aos mercados financeiros internacionais", pontuou o economista do Goldman Sachs, Sergio Armella.