Risco fiscal deve impedir o mercado doméstico de firmar altas consistentes, na avaliação de Xavier (Divulgação/Exame)
Beatriz Quesada
Publicado em 25 de novembro de 2020 às 18h09.
Última atualização em 26 de novembro de 2020 às 10h52.
O Ibovespa, principal índice da bolsa brasileira, acumula alta de 17% neste mês de novembro, impulsionado pelo forte retorno do estrangeiro para a bolsa. Em sua caça por ativos de maior risco em países emergentes, o investidor externo ingressou com 25,7 bilhões de reais na B3 até o dia 18 de novembro. O movimento, no entanto, não deve se sustentar na avaliação de Rogério Xavier, da SPX Capital, um dos gestores de fundos mais respeitados do país. “A performance da bolsa brasileira está seguindo o bom momento do exterior, mas apresenta relação de risco-retorno muito duvidosa”, disse.
O ciclo positivo do mercado global ganhou força com a definição da vitória do democrata Joe Biden nos Estados Unidos, aliada a uma expectativa de uma vacina cada vez mais próxima contra a covid-19. As boas perspectivas empurram o investidor estrangeiro para as bolsas dos países emergentes, incluindo o Brasil.
Xavier alertou, porém, que existem questões particulares do país, como o risco fiscal, que precisam ser resolvidas para que o mercado doméstico embarque de vez na onda positiva junto ao resto do mundo. O gestor é cético e acredita que o país tem chances baixas de aproveitar o ciclo positivo do exterior.
“O governo não está preocupado com corte de gasto e quer, pelo contrário, aumentar as despesas com a criação de um novo programa social. O problema fiscal está sendo varrido para debaixo do tapete com a melhora do ambiente de negócios puxada pelo exterior”, afirmou.
Xavier participou de evento promovido por Empiricus e Vitreo para discutir os rumos dos mercados nacional e global ao lado de Carlos Woelz, sócio-fundador da gestora Kapitalo. Woelz também apontou os riscos fiscais brasileiros como o principal obstáculo para o crescimento do mercado nacional e criticou a falta de uma comunicação clara por parte do poder executivo para solucionar a questão.
“O ministro da Economia, Paulo Guedes, não para de falar, mas de nada adianta se comunicar várias vezes para dizer as mesmas coisas. O mercado precisa de um plano para que a trajetória de dívida conte com um cronograma e que tenha possibilidade de ser aprovado (no Congresso)”, opina. ]
O gestor também censurou a atuação do presidente Jair Bolsonaro, que não tem colaborado com a aprovação de medidas para sanar o problema das contas públicas. “O Brasil precisa substituir (a âncora fiscal do) teto de gastos por uma opção mais sustentável a longo prazo, como a criação de um novo imposto ou um corte de despesa mais significativo. Mas essas são soluções impopulares, e não vemos sinais de que serão executadas”, completou.
Xavier também se mostrou preocupado com os riscos de alta para a inflação no Brasil. O IPCA-15, considerado uma prévia da inflação oficial do país, ficou em 0,81% em novembro, a maior taxa para o mês desde 2015 e segunda maior variação mensal do ano, perdendo apenas para o registrado em outubro. “A inflação mais alta a partir do terceiro trimestre deste ano vai limitar ainda mais o espaço orçamentário que o Brasil tem”, disse.
O gestor também chamou a atenção para o que chamou de “dicotomia” no mercado financeiro nacional. “Alguns ficam otimistas com o crescimento do país e da bolsa de valores, sendo que tem um mercado futuro de juros dizendo que a inflação vai ser de 4,5% nos próximos anos e que a taxa de juros vai ser 9%. Um dos dois está errado. Essas perspectivas não podem conviver”, argumentou.
Nesse sentido, Xavier faz ressalvas à atuação do Banco Central. “O BC foi 90% perfeito na pandemia, mas errou muito nos outros 10%. A entidade deveria ter sido um pouco mais conservadora na taxa de juros dada a nossa situação fiscal. O Banco Central precisa colocar ordem na casa, senão a inflação brasileira vai disparar”, disse.
Na tarde desta quarta-feira, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse que o BC está vigilante quanto ao aumento de preços na economia, mas ainda tranquilo. "Temos dito que estamos relativamente tranquilos, estamos acompanhando o processo", afirmou ele, em evento organizado pelo Sicoob Engecred.
Campos Neto reforçou que o BC não pode olhar a inflação de curto prazo e disse que há quatro meses, por exemplo, a autarquia estava recebendo uma enxurrada de críticas no sentido de que deveria ter reduzido mais os juros básicos em um cenário de baixa inflação.