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BCE pode ter razões para cortar juros antes do Fed pela primeira vez, diz Gavekal

Com a economia americana ainda aquecida, o banco central americano posterga o início do corte de juros, tão aguardado pelo mercado

Gavekal: BCE pode cortar, pela primeira vez, taxa de juros antes do Fed (Ralph Orlowski/Reuters)

Gavekal: BCE pode cortar, pela primeira vez, taxa de juros antes do Fed (Ralph Orlowski/Reuters)

Rebecca Crepaldi
Rebecca Crepaldi

Repórter de finanças

Publicado em 26 de fevereiro de 2024 às 13h49.

Última atualização em 26 de fevereiro de 2024 às 17h33.

O momento em que o corte de juros nos Estados Unidos acontecerá é aguardado com anseio por investidores de todo o mundo. Mas outro grande mercado também está sob as expectativas dos agentes econômicos: a zona do euro. Historicamente, o Banco Central Europeu (BCE) não antecipa o Federal Reserve (Fed) em cortes de taxa. No entanto, não há razão concreta para que não possa fazer isso agora, é o que diz Cedric Gemehl, em relatório da Gavekal Research.

No início de 2024, em um clima mais otimista, os investidores chegaram a precificar mais de 70% de chance do primeiro corte nos EUA vir ainda em março. Mas com a economia americana em forte crescimento e a inflação ainda bastante elevada, os agentes econômicos reavaliam a visão sobre quando o Fed começará a cortar as taxas. Na Europa, o movimento é o inverso. Dados sobre o crescimento e a inflação apontam para uma estagnação econômica e desinflação, o que pode levantar a perspectiva do BCE começar a cortar as taxas de juros antes do Fed.

Historicamente, Fed sempre cortou juros antes do BCE

Segundo Gemehl, o BCE deveria traçar a própria trajetória de taxas de juros, independentemente da ação do Fed. Na prática, o analista ilustra que o BCE não se antecipou ao Fed em nenhum ciclo de flexibilização desde a sua formação, há 25 anos, e elenca alguns momentos chaves que mostram isso:

  • Em 2001, o Fed começou a cortar as taxas em janeiro, com o BCE seguindo o exemplo em maio. Quando o BCE baixou a taxa de suas operações principais de refinanciamento de 4,75%, para 4,5%, o Fed já tinha cortado quatro vezes para reduzir a sua taxa normativa de 6,5% para 4,5%;
  • No período que antecedeu a crise financeira global, o Fed começou a cortar as taxas em setembro de 2007, tendo o BCE apenas seguido o exemplo em outubro de 2008 (aumentando as taxas em julho de 2008). Quando o BCE reduziu sua taxa MRO (taxa de operações principais de financiamento) de 4,5% para 3,75%, o Fed tinha reduzido a sua de 5,25% para 1,5%;
  • Em 2019, o Fed iniciou um ciclo de redução das taxas, mas nessa altura as taxas diretoras do BCE estavam fixadas no limite inferior.

O que pode motivar o BCE cortar as taxas antes do Fed?

Apesar de os dados mostrarem esse movimento posterior do BCE, agora há razões que podem superar a conjectura histórica e levar os decisores políticos a pensarem nas implicações macroeconômicas de um corte na frente dos EUA.

Para o analista, cortar as taxas em um momento em que o Fed se mantém estável (ou até pairam dúvidas sobre um aumento), poderia provocar o enfraquecimento do euro. “Por sua vez, isso poderia desencadear um impulso inflacionário ao aumentar o preço das importações, ao mesmo tempo que daria aos exportadores um ímpeto de competitividade e estimularia mais atividade nesses setores”, pontua Gemehl.

À primeira vista, as consequências poderiam ser razoáveis, visto que a zona do euro enfrenta uma dinâmica desinflacionária e um setor industrial em dificuldades. A inflação global e a medida central ficaram acima da meta do BCE de 2,8% e 3,2%, respectivamente, para janeiro, mas um dos indicadores econômicos usado pelo BCE para monitorar e analisar a tendência do crescimento econômico na zona do euro, chamada taxa anualizada de três meses da média móvel de três meses (3m/3m), ficaram abaixo da meta de 0,4% e 1,5%, respectivamente, para as duas medidas de inflação.

“Além disso, existem boas razões para pensar que as taxas ano-a-ano irão na direção da meta de 2% do BCE durante este ano. Acrescido de que, uma vez que grande parte da atual fraqueza econômica da zona do euro resulta de uma recessão industrial, por que não gostar de um euro mais fraco?”, destaca o especialista.

Do outro lado, BCE foca na estabilidade de preços

Um corte mais próximo poderia, então, evitar um movimento desinflacionário e estimular a indústria. Entretanto, há pelo menos duas razões pelas quais é “pouco provável que o BCE aceite essa barganha”. Em primeiro lugar, o analista destaca que o mandato único de estabilidade de preços faz com que a inflação persista como uma ameaça maior do que a estagnação econômica.

Mesmo que o BCE possa ter mandatos secundários implícitos para apoiar o crescimento, o emprego e evitar a fragmentação financeira, estes são realmente importantes na medida em que influenciam a estabilidade de preços, pontua Gemehl. “Neste momento, a atividade econômica na zona do euro está estagnada, mas não se deteriora em uma espiral deflacionária/recessiva. Poucos estão perdendo seus empregos e a fragmentação financeira está contida. Assim, o BCE pode concentrar-se em trazer a inflação de volta à meta.”

Em segundo lugar, o analista cita as visões dos formuladores de políticas monetárias. Segundo ele, os agentes das economias onde esse compromisso parece mais atrativo são previsivelmente mais agressivos. Como exemplo, ele cita que na Alemanha, taxas mais baixas e um euro mais fraco poderiam ajudar o país, que foi a única entre as “quatro grandes” economias da zona do euro no quarto trimestre de 2023 a registrar uma contração trimestral em cadeia do PIB real (-0,3%). Foi também a única economia que registrou uma queda significativa na produção industrial em dezembro de 2023 (-1,2% mês a mês).

Entretanto, o impacto na posição do BCE, provavelmente, deve ser diluído pelos dois membros alemães do seu conselho de governo – Isabel Schnabel e Joachim Nagel – que defenderam na semana passada que os decisores políticos deveriam concentrar-se no difícil momento de último fôlego para vencer a inflação.

Sendo assim, o corte dos juros pelo BCE antes do Fed depende de sua própria avaliação de risco e, enquanto a instituição estiver mais atenta aos riscos inflacionários do que às ameaças deflacionárias, é provável que uma política de paciência frente ao Fed seja mais favorecida. “Se esta postura mudar de tal forma que o risco deflacionário se torne o bicho-papão, então cortar as taxas antes do Fed não será um problema”, diz Gemehl.

Em sua análise, é provável que este último cenário prevaleça nos próximos meses, já que alguns membros do Conselho do BCE, como o governador francês François Villeroy de Galhau, mudaram de opinião para argumentar que o risco de cortar demasiado tarde é agora pelo menos igual ao risco de ser demasiado cedo.

Somado a isso, as próximas revisões em baixa das projeções de inflação e a evidência de um pico no crescimento dos custos unitários do trabalho deverão retirar parte das preocupações dos decisores do BCE e abrir caminho para um primeiro corte nas taxas até junho. “Se o Fed atrasar seus cortes nas taxas, isso significará que o BCE cortará devidamente as taxas antes do seu equivalente americano, pela primeira vez”, finaliza.

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