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BC será mais reativo que preventivo com a Selic, diz Zeina Latif

Economista diz que aumento da taxa básica deve ficar para a virada do segundo semestre de 2021; e alerta para armadilha do baixo crescimento

Para Zeina Latif, dólar não tem espaço para desvalorização e nem fortalecimento no cenário atual (Germano Lüders/Exame)

Para Zeina Latif, dólar não tem espaço para desvalorização e nem fortalecimento no cenário atual (Germano Lüders/Exame)

Marília Almeida

Marília Almeida

Publicado em 14 de dezembro de 2020 às 06h00.

Última atualização em 14 de dezembro de 2020 às 11h13.

A economista Zeina Latif é cética sobre crescimento do país no ano que vem. Para ela, haverá uma flexibilização do teto dos gastos públicos, o que continuará a inibir o potencial de crescimento da economia brasileira.

Já sobre os juros, a sua visão é que o Banco Central será mais reativo do que preventivo e, portanto, não atenderá às expectativas de quem defende que ele se antecipe na condução da política monetária. "Haverá uma espera para monitorar o comportamento da economia após o desmonte de incentivos, como o auxílio emergencial. Isso só deve acontecer na virada ou ao longo do segundo semestre", disse Zeina à EXAME Invest.

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Mestre e doutora em Economia pela Universidade de São Paulo (USP), Zeina é uma das economistas mais respeitadas do país. Trabalhou na XP Investimentos, no Royal Bank of Scotland, no ING, no ABN-Amro Real e no HSBC. Atualmente trabalha como consultora.

Veja abaixo a entrevista completa de Zeina Latif para a EXAME Invest:

Gestores dizem que a curva de juros está inclinada demais. A senhora discorda dessa opinião. Por quê? 

Em um momento no qual ainda lidamos com riscos em tantas frentes não dá para dizer que há exageros na curva de juros futuros. Quando o Banco Central sobe os juros, se o mercado consegue ter clareza do tamanho dessa alta, e que vai ser efetiva, isso ajuda a diminuir a inclinação da curva. Mas há um ambiente de incerteza, provocado tanto pela pandemia quanto pelo risco fiscal.

Estamos perdendo a batalha da vacina. Nesse contexto de segunda onda, gera preocupação. Se a mortalidade estivesse controlada, seria outro contexto, mas não está. Essa incompetência de garantir vacinação. Vamos comprar 30 milhões de vacinas mas isso não faz cócegas em um país da dimensão do Brasil. Fizemos até agora acordo com apenas um laboratório.

Não fizemos diversificação de risco, comprando vacina de dois, três laboratórios, ao menos, como o mundo todo fez. Então, temos questões de saúde a resolver, com reflexo no setor de serviços, que é o segmento que tem maior peso no PIB. Não sabemos se haverá vacinação em massa ou quando vamos superar a segunda onda.

Além disso, não sabemos o que vem na lei do Orçamento e na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias). A PEC emergencial apresentada no Congresso está desconectada da gravidade da situação fiscal no país. Além disso, o Ministério da Economia não participa das discussões, então não sabemos qual é a agenda fiscal do país no longo prazo. Também não sabemos como se comportará a Câmera dos Deputados com uma nova presidência, porque o Rodrigo Maia teve um papel muito importante.

Temos, portanto, diversos elementos no âmbito nacional, sem considerar os motivos no exterior, que têm impacto na curva dos juros e repercussões negativas na inflação: há pouco tempo a inflação não era um problema no país, e agora vai fechar acima da meta neste ano.

Qual é a sua perspectiva para os juros em 2021?

Em 2021, acredito que o Banco Central será mais reativo do que preventivo em relação a eventuais mudanças da Selic. Acredito que deve aguardar uma piora mais clara da inflação. Na minha opinião, tinha que ter realizado os cortes de juros de forma mais gradual, ter guardado munição.

É possível que, antes de subir a Selic, o Banco Central faça uma análise dos impactos do fim do auxílio emergencial, que é grande, e da sustentação do emprego. Também deve analisar o que é transitório na pressão inflacionária. O auxílio emergencial pegou muitos setores de surpresa, que não estavam preparados para a demanda. Houve também uma mudança de comportamento na pandemia: o consumidor deixou de buscar serviços e passou a consumir produtos industriais.

O Banco Central foi rápido na reação contra a pandemia. Liberou capital e inseriu liquidez no sistema. Talvez queira desmontar esses incentivos agora. A tendência é que aguarde para mudar o trajetória dos juros, mas sem perder o timing para não perder credibilidade. Tem muita poeira levantada e talvez faça mais sentido tomar uma decisão na virada ou ao longo do segundo semestre de 2021. E agora é claro: o próximo movimento vai ser de alta.

Sua visão é que o ambiente ainda é de risco para o investidor estrangeiro. Não podemos esperar que o investidor volte a alocar no Brasil tão cedo?

Primeiro temos que pontuar sobre qual investidor estrangeiro estamos falando. É um grupo bem heterogêneo. Tem o investidor que busca aplicações de longo prazo e, para ele, a volatilidade da moeda é um fator que atrapalha menos, porque pensa em crescimento, questões ambientais. Já para os investidores de curto prazo a volatilidade da moeda atrapalha mais. Desde a vitória de Joe Biden à presidência dos Estados Unidos observamos um enfraquecimento do dólar e todos esperam valorização das moedas dos países emergentes. Mas esse tipo de investidor é um trader oportunista, que busca um fluxo de curto prazo.

Mas qual é o fôlego para o real se valorizar? Se o crescimento da China decepcionar e a economia dos Estados Unidos tiver uma recuperação melhor do que a esperada, o dinheiro que entrou no país volta a sair.

E qual o fôlego para a moeda americana enfraquecer? Ainda que a China tenha um bom crescimento e ajude outros países emergentes, ainda que nos Estados Unidos haja uma segunda onda e incertezas sobre o novo governo, o vigor da economia americana é impressionante.

Portanto, há um limite para o enfraquecimento da moeda americana. Acho pouco provável se repetir o que vimos na primeira década dos anos 2000, quando a economia da China ia bem e enfraqueceu muito a moeda americana. Também não vejo um fortalecimento relevante.

A senhora acredita que haverá uma flexibilização do teto dos gastos?

Acho difícil manter a regra do teto totalmente intocada. Fico em dúvida sobre se o governo fez a lição de casa em relação a gastos com saúde. Os recursos deveriam ter sido alocados neste ano. Se não foram, têm que ir para o teto. O governo pode pedir um crédito extraordinário para despesas não esperadas. Mas dá para dizer que a vacina não era esperada? Não sei qual será o tratamento do TCU (Tribunal de Contas da União) sobre o tema. Além disso, a inflação acelerou, tem impacto no salário mínimo e pressiona a Previdência. Ou seja, há um montante de recursos significativos para encaixar no teto.

Podemos esperar uma medida paliativa, uma flexibilização do teto fiscal. A PEC Emergencial apresentada pelo senador Márcio Bittar (MDB-AC) de alguma forma pontuou a visão do governo e da base aliada. Ela prevê o uso de recursos de fundos e é uma tentativa de abrir espaço para o aumento dos gastos.

Apesar de o presidente descartar, há uma tendência do Congresso em fazer. E será conveniente para o presidente dizer que foi o Congresso que fez. O quão grave essa medida será? Abrir precedentes no Brasil é sempre perigoso, mas dependerá se virá com medida de ajuste.

O governo minimizaria o problema se, junto com o anúncio, dissesse que deve aprovar uma reforma administrativa mais ambiciosa em conjunto com o Congresso para ajustar, se levasse adiante a PEC Emergencial e flexibilizasse a jornada dos funcionários. Dessa forma, poderia mostrar que está se esforçando para resolver o problema.

Ainda há espaço para realizar reformas a dois anos das eleições?

Para mim o presidente Jair Bolsonaro nunca quis realizar reformas. O presidente não tinha ideia do tamanho do problema fiscal, e Paulo Guedes prometeu demais e não conseguiu explicar o problema, não deixou claro para a sociedade e o presidente. Aí vem a pandemia e atrapalha mais ainda.

A reforma da Previdência saiu porque tinha de sair. Podemos até discutir o mérito da pressão no Congresso para ter uma reforma ambiciosa, que não foi a dos sonhos porque deixou os Estados de fora. Nesse aspecto a reforma foi pior do que a proposta pelo ex-presidente Michel Temer. Cada Estado foi aprovando a sua, e nem todos aprovaram. Algumas foram tímidas e apenas aumentaram a contribuição, outras nem mexeram na idade. Mesmo aqui o discurso do presidente foi que não queria a reforma da Previdência, mas teve de fazer.

Nunca houve um compromisso do governo com o ajuste fiscal e não acho que isso mudou agora. Concordo que perdemos tempo conforme nos aproximamos das eleições de 2022. O presidente poderia ter sido mais ambicioso, mas nunca vi disposição para isso. Não acredito que o país terá um cenário semelhante ao que havia no mandato da presidente Dilma Rousseff, e nem seria possível pensar nisso hoje por conta do funcionamento de instituições de controle. Enfim, não acredito na revogação do teto de gastos, mas também não vejo avanços relevantes.

Quais são as suas perspectivas para o PIB em 2021?

Não avançar com reformas, principalmente do lado fiscal, não é neutro para o PIB do ano que vem. A tendência é que isso tenha impacto na expectativa dos agentes econômicos e nas decisões do Banco Central, no ambiente macroeconômico, no câmbio, nas expectativas inflacionárias e, portanto, na condução da política monetária e nos juros da economia.

Mas o mais importante não são as eventuais consequências de curto prazo, mas o fato de o Brasil estar postergando a decisão de fazer reformas pró-crescimento e colocar o país em uma consolidação de seu regime fiscal. Fica cada vez mais grave principalmente porque não teremos mais bônus demográfico. Fica difícil sair da armadilha de baixo crescimento.

Além da incerteza em relação ao problema fiscal, temos uma insegurança jurídica grave no país. Ficamos patinando nesses temas quando poderíamos discutir o funcionamento de agências reguladoras e a reforma tributária, que tem um debate mal conduzido. Não conseguimos destravar o potencial de crescimento do país.

Aí nos deparamos com apagões, alta da tarifa de energia, a privatização da Eletrobras não sai nem o marco regulatório do setor de energia. É um processo muito lento, que precisa ser mais ambicioso.

A desaceleração do crescimento no ano que vem é inevitável. Estamos com um potencial de crescimento bem debilitado e uma economia com grande ociosidade fora da indústria. Foi só a construção civil registrar uma melhora e os preços de materiais de construção subiram de forma intensa. Basta um estímulo na demanda para presenciarmos pressões inflacionárias e temos de monitorar quanto o choque de oferta reverbera e gera pressões nas cadeias. Isso denuncia a fragilidade econômica do país.

Nossa taxa de juros de equilíbrio não é baixa como a de alguns países vizinhos porque o risco inflacionário é maior no Brasil. Aí entra também a questão do regime fiscal e do baixo potencial de crescimento. Acaba sendo necessário um maior esforço do Banco Central para ajustá-la.

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