Invest

BC está certo em atuar para segurar o câmbio, diz sócio da Armor

Para Alfredo Menezes, ex-chefe de Tesouraria do Bradesco, juros muito baixos estão tornando o câmbio mais depreciado do que os fundamentos permitiriam

 (halduns/Getty Images)

(halduns/Getty Images)

GG

Guilherme Guilherme

Publicado em 19 de novembro de 2020 às 06h15.

Última atualização em 19 de novembro de 2020 às 10h34.

A pressão sobre a taxa de câmbio neste fim de ano se deve a dois fatores que podem justificar a intervenção do Banco Central no mercado: a taxa básica de de juros de 2% ao ano e a necessidade de compra de 15,5 bilhões de dólares pelos bancos devido a mudanças tributárias (ao todo, no ano, terão sido 30 bilhões de dólares). "É errado o BC atuar em cima dos 30 bilhões de dólares? Não. Ele está certo", afirma Alfredo Menezes, sócio-fundador da Armor Capital e um dos maiores especialistas em câmbio do país.

Quer saber para onde vai o dólar e o seu impacto sobre a economia? Leia os relatórios da EXAME Research

Na segunda parte de sua entrevista à EXAME Invest, Menezes afirma que "os juros estão tornando o câmbio mais depreciado do que os fundamentos permitiriam", citando que, pelos modelos da gestora, a taxa deveria estar a 5,10 reais. A moeda americana encerrou a quarta-feira, 18, negociada a 5,33 reais, mas esteve em torno de 5,80 reais no início do mês.

Os 15,5 bilhões de dólares citados por Menezes fazem parte do montante que os bancos terão que comprar por causa da redução do chamado overhedge, que é a proteção extra dos ativos em moeda estrangeira das instituições financeiras no exterior. Essa necessidade de redução, por sua vez, se deve a mudanças tributárias.

O ex-chefe da Tesouraria do Bradesco e do BCN, bancos nos quais trabalhou ao todo por 30 anos, disse avaliar que a aprovação de reformas no Congresso no próximo ano, mesmo que de maneira "meia boca", fará o real se apreciar em relação ao dólar.

Leia a seguir a segunda parte de sua entrevista:

O preço do dólar está justo?

Esse tema talvez seja o mais complexo de todos. Se olharmos a parte de múltiplo, nossa conta corrente está até um pouco superavitária. Então parece que o real está muito desvalorizado. Se olharmos para todos os dados econômicos, o preço está totalmente fora. Segundo nosso modelo, o dólar deveria estar em 5,10 reais. O problema é que, quando se olha a conta corrente (das transações do país com o exterior), geralmente se olha a balança comercial física. Só que ela não reflete a balança comercial contratada. Ou seja, o exportador vende a mercadoria e não traz dólares para o Brasil. Está deixando lá fora.

Talvez um dos motivos seja nossa taxa de Selic com juros reais abaixo da inflação. Estamos falando de 1,90%. Uma empresa paga Imposto de Renda mais PIS/Cofins e sobra 1,5% mais ou menos. Os juros estão tornando o câmbio mais depreciado do que os fundamentos permitiriam.

E temos também no final do ano o overhedge, que farão os bancos comprar 15,5 bilhões de dólares até o fim do ano.

Tenho a impressão de que não teremos grande apreciação do real até o final do ano. Já no ano que vem, acredito que nós veremos, sim, uma apreciação do real. Claro, desde que um pouco (das reformas) passe no Congresso. Não precisa passar perfeitamente. Passando "meio boca" nós já veremos uma apreciação do real no ano que vem.

Aquela taxa de câmbio de maio com o dólar quase a 6 reais foi o fundo do poço?

Acho que os 5,90 reais foram realmente a necessidade dos bancos se enquadrarem no overhedge, mas ainda faltam 15 bilhões de dólares. Quando tem overhedge e o real se desvaloriza muito, afeta o Índice de Basileia dos bancos de capital alocado e começa a afetar muito o balanço. Aliás, todos os bancos, tirando o Banco do Brasil, saíram com prejuízos por causa do overhedge.

O que vai determinar até onde (o dólar) vai bater será o preço com que o BC vai dar liquidez para esse overhedge. O (ministro Paulo) Guedes já falou que com um câmbio de 5,50 reais não seria tão importante ter reservas tão altas. Talvez isso seja um sinal de que o BC não vai esperar bater em 5,90 para dar liquidez.

E por que o BC mudou de postura quando o dólar foi a 5,90 reais?

Provavelmente porque em março nós tínhamos uma inflação bem tranquila. Hoje temos uma inflação muito mais próxima da meta e uma nova depreciação cambial pode atrapalhar a política monetária

Na prática o país tem uma banda cambial?

Não diria que tem uma banda cambial. Se olharmos a nossa banda comparando com uma cesta de bandas do mercado, é em torno de 36% a mais que as das demais moedas. Hoje o BC precisa dar liquidez no câmbio, mas, se a Selic estivesse a 5%, o BC estaria comprando dólar, não vendendo. O BC está defendendo alguns tetos porque só o overhedge externo tira 30 bilhões de dólares do sistema, que vai ser acima do nosso FDI (investimento estrangeiro direto, na sigla em inglês).

Esses 30 bilhões de dólares são mudanças tributárias da equivalência patrimonial dos bancos. É uma mudança contábil que está provocando uma compra de 30 bilhões de dólares. Claro, teve saídas. Mas o que eu falo é: é errado o BC atuar em cima dos 30 bilhões de dólares? Não. Ele está certo.

Talvez o errado fossem os 5,90 reais, os 6 reais (de taxa de câmbio). Não deu tempo de a economia real se adaptar. Querendo ou não, as empresas aqui precisam de investimento. Os bens de capital são tudo importados. Nosso parque industrial está obsoleto. Como vou importar com câmbio de 6 reais para produzir com a demanda e o hiato aberto (a diferença entre a produção vigente e a capacidade)? Não tem banda.

A gente vem de uma desvalorização muito acentuada por causa de juros e por causa da mudança da legislação tributária dos bancos. E sempre foi uma falha não tributar o patrimônio externo, só o interno. Essa era uma brecha tributária e todo mundo se beneficiou dela. Acho que foi um acerto que tínhamos que ter na área tributária.

O mercado tem se animado com notícias sobre a vacina. Qual será a velocidade da recuperação econômica após a aprovação das vacinas?

No mundo, o efeito é bem mais significativo do que no Brasil. A vacina libera muito a parte de serviços. O PIB e a inflação de 2020 estão muito baixos porque (o setor de) serviços parou. Seja refeição fora de casa, beleza ou saúde. Teve deflação em muitos desses produtos. Com eles voltando, isso contribuiria com 0,5 ponto percentual do PIB do ano que vem. Mas acho que, pelo crédito, a atividade não anda muito no ano que vem. E vamos fazer aperto fiscal. Então não sou tão otimista para o crescimento no Brasil.

Outra coisa que me preocupa é a inflação. Porque (o setor de) serviços foi muito achatado neste ano e a capacidade de fornecimento caiu. Muita gente quebrou. Então a capacidade instalada para atender a demanda caiu. Se ela volta muito rápido com a vacina, existe o risco de ter inflação de serviço, de os preços subirem com a retomada da atividade.

E como isso tem afetado a tese de investimento na Armor?

Estamos alocados na parte de crédito lá de fora de empresas boas com bons yields. Nós acreditamos em juros reais muito baixos no mundo nos próximos dois anos. Então estamos alocados, em grande parte, em juros reais. Quase nada em prefixados devido ao receio com a inflação. O processo inflacionário muda de patamar muito rapidamente. Em ações, em alguns papéis de logística, um pouco de setor financeiro e outra parte com liquidez.

Acompanhe tudo sobre:BradescoCâmbioImportaçõesJuros

Mais de Invest

Menos de 15% das empresas que fizeram IPO em 2021 superam a performance do Ibovespa

Mega-Sena sorteia prêmio acumulado em R$ 6 milhões nesta sábado; veja como apostar

Leilão de avião: modelo igual ao de Cristiano Ronaldo tem lances a partir de $ 5 milhões

10 dicas para escolher ações no exterior