Setor de construção civil é um dos mais favorecidos por queda da Selic. (Dado Galdieri/Bloomberg)
Guilherme Guilherme
Publicado em 31 de outubro de 2019 às 07h00.
Última atualização em 31 de outubro de 2019 às 08h58.
O Comitê de Política Monetária (Copom) reduziu os juros básicos da economia (Selic), nesta quarta-feira (30), de 5,5% para 5%,o percentual mais baixo da história. Em meio a um ciclo de cortes, a taxa já soma uma queda de 2 pontos percentuais no ano e há previsões de que pode baixar para até 4% em 2020.
A medida ajuda a reduzir os custos dos empréstimos e, consequentemente, incentiva o consumo e novos investimentos. Além disso, juros mais baixos tendem a valorizar as ações de companhias listadas na Bolsa.
“Com mais investimentos, a economia cresce, as empresas crescem e, por fim, as ações sobem”, diz Felipe Miranda, co-CEO e estrategista-chefe da Empiricus. Mas existe uma relação ainda mais direta.
Em teoria, o preço da ação representa a soma dos fluxos de caixa futuros descontados pela taxa de juros. "Com a queda da Selic, essa taxa de desconto cai, o que acaba por valorizar o ativo”, explica.
A Selic menor também implica em rendimentos mais baixos de títulos públicos. Em busca de maiores retornos, muitos investidores migram para o mercado de renda variável, o que acaba por valorizar o papel.
Na prática, porém, algumas companhias são mais beneficiadas pelos juros baixos do que outras. Para Miranda, as endividadas são as mais impactadas. Segundo ele, boa parte do endividamento das empresas está atrelado à Selic. “Empresa muito alavancada pode se beneficiar dramaticamente”.
As locadoras de veículos Localiza, Unidas e Movida estariam entre as mais favorecidas pela queda da taxa, de acordo com um relatório da XP Investimentos.
A corretora destaca que essas companhias têm mais de 90% das dívidas atrelada à Selic e nível de alavancagem de 2,7 a 3 vezes a relação dívida líquida/Ebtida (lucro antes de juros impostos depreciação e amortização). Com a queda da taxa, a XP projeta um incremento médio de 10% no preço-alvo das locadoras.
Miranda acredita que todo o setor de construção civil também pode se beneficiar com o ciclo de cortes da Selic. Um dos motivos seria o aumento da procura, já que juros mais baixos facilitam os financiamentos imobiliários. O outro, mais técnico, tem a ver com a apreciação do imóvel.
“O preço do imóvel é o valor de todos os alugueis trazidos a valor presente. Então se a taxa de juros fosse muito alta, o valor dele seria muito baixo, e o inverso também ocorre”, disse Miranda.
Levando em consideração o valor dos alugueis e o aumento do consumo, o estrategista-chefe da Empiricus acredita que os shoppings sejam duplamente beneficiados pela queda da Selic. Embora também acredite na valorização do preço-alvo de companhias como Iguatemi, brMalls e Multiplan, a XP alertou que o setor opera em níveis de alavancagem abaixo da média histórica.
Apesar de não terem os mesmos níveis de alavancagem de shoppings e locadoras, as companhias de varejo são altamente favorecidas por estarem na ponta do consumo. O segmento também pode ser beneficiado por menores taxas de antecipação de recebíveis, já que parte das vendas são parceladas. A expectativa da XP é a de que as ações de Lojas Americanas, B2W, Via Varejo e Magazine Luiza sejam as mais impactadas entre as varejistas.
“Empresas de distribuição de energia, saneamento básico e de construção de rodovias têm contratos fixados para o futuro e, quando se traz a valor presente, eles aumentam muito”, disse o estrategista-chefe da Empiricus.
Já a XP destaca que o setor elétrico possui alavancagem alta devido às estratégias de crescimento adotadas. “As companhias captam recursos via dívida para financiar a construção de novos empreendimentos e os financiamentos vão sendo pagos com a geração de caixa dos próprios ativos”, escreveram analistas da casa em relatório.
“Setores com foco em exportação, commodities e telecomunicações não são tão impactados pela queda da Selic”, afirma Miranda. Alguns exemplos seriam as empresas de siderurgia, mineração e petróleo.
Para o estrategista da Empiricus, os grandes bancos podem ser afetados negativamente pela taxa de juros mais baixa. Parte disso devido à maior pressão sobre os spreads bancários. “Mas é difícil cravar, porque, por outro lado, também aumenta a demanda por crédito.” Segundo Miranda, a pressão por menores taxas também pode fazer com que clientes de bancos tradicionais migrem para os bancos digitais.