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Arcabouço não é suficiente e requer capital político relevante do governo, diz Bradesco Asset

Bruno Funchal, CEO da gestora, avalia que nova regra é positiva, mas irá exigir forte articulação do governo

CEO da Bradesco Asset é ex-secretário especial do Tesouro e Orçamento (Edu Andrade/Ascom/ME/Divulgação)

CEO da Bradesco Asset é ex-secretário especial do Tesouro e Orçamento (Edu Andrade/Ascom/ME/Divulgação)

Beatriz Quesada
Beatriz Quesada

Repórter de Invest

Publicado em 19 de abril de 2023 às 17h40.

Última atualização em 19 de abril de 2023 às 20h15.

O arcabouço fiscal, apesar de positivo, não é suficiente sozinho para garantir a estabilidade da trajetória da dívida pública e vai exigir, paralalemamente, forte articulação do governo. A avaliação de Bruno Funchal, CEO da Bradesco Asset, vai em linha com outras gestoras do mercado financeiro, onde muitos ainda estão receosos com a nova regra fiscal do governo.

Funchal, no entanto, se coloca do lado daqueles que enxergam o copo meio cheio. O CEO avalia que a regra impede uma trajetória explosiva de crescimento da dívida e traz uma base factível de crescimento para as receitas: a correção de distorções tributárias. O desafio é encontrar ambiente político para colocar o plano em prática sem precisar aumentar os impostos. 

“É uma proposta [de incremento da receita] que dá conta do problema sem precisar de novos impostos. Isso porque os gastos tributários são muitos”, disse Funchal em entrevista à EXAME Invest.

O CEO faz, no entanto, um contraponto. É uma solução politicamente difícil. Nunca vimos uma redução de gastos tributários, é algo muito complexo, que requer um capital político relevante”.

Ex-secretário especial do Tesouro e Orçamento, Funchal avaliou como os desafios do governo no campo fiscal e tributário podem se refletir nas taxas de juro e na bolsa. A perspectiva da Bradesco Asset é de uma recuperação da renda variável a partir do segundo semestre deste ano. Abaixo, os principais pontos da entrevista:

EXAME: O arcabouço tem gerado fortes reações no mercado. Primeiro foi bem-recebido, mas as incertezas continuam fortes. Qual é a avaliação do senhor sobre a nova regra fiscal do governo Lula?

Bruno Funchal: É um meio do caminho: tudo depende da expectativa. Talvez os mais pessimistas gostariam que o teto de gastos continuasse, porque, apesar dos furos, o teto era mais restritivo. Outros, como eu, olham para o histórico. Todo o histórico desde o Plano Real mostrava um aumento de gasto bastante relevante, que só parou com o teto. A proposta de agora traz uma previsibilidade de despesas e permite um aumento real dos gastos que é bem menor do que o historicamente observado na média. Isto posto, considero o arcabouço positivo. Mas existem vários desafios, sendo um deles o aumento da receita. 

O aumento das receitas proposto pelo governo é factível? É possível que ocorra um aumento de impostos ou criação de novos tributos?  

Aumentar a carga tributária por aumentar é ruim porque é um freio na economia. Por outro lado, existem várias distorções tributárias. Como exemplo temos os gastos tributários – a questão de benefícios fiscais. Só no governo federal são R$ 450 bilhões em distorções, cerca de 4% do PIB. Então existe um espaço aqui [para incremento da receita].

A solução de focar nas distorções tributárias, sozinha, daria conta de impulsionar as receitas como quer o governo?

Sim, é uma proposta que dá conta do problema sozinha porque os gastos tributários são muitos. Só que é uma solução politicamente difícil. Nunca vimos uma redução de gastos tributários, é algo muito complexo que requer um capital político relevante. A regra em si é positiva porque não permite que a dívida entre em trajetória explosiva, mas não é suficiente para reduzir o endividamento ou gerar superávit primário. Para isso é preciso um aumento na receita. E a fonte de receita são essas distorções, que vão precisar de capital político para serem reduzidas.

É possível que essa discussão já comece agora com a chegada do texto ao Congresso?

De certa forma, mas acho que isso não vai estar no texto. O que teremos serão discussões paralelas. Um exemplo é a discussão dos benefícios tributários dos estados. Os estados, por vezes, concedem um benefício de ICMS que acaba afetando a arrecadação federal, uma vez que é um crédito tributário. É algo que precisa acabar. Outro ponto são setores que não pagam imposto, como é o caso das apostas de jogos. É uma discussão já madura, que ainda falta ser regulamentada.

A discussão de uma possível taxação de dividendos entra nesse cenário ou é algo que deve ser contemplado depois?

É algo para um segundo momento. Até porque, estrategicamente, entrar com uma discussão de dividendos agora vai atrapalhar a discussão da reforma tributária que é a do imposto de valor adicionado. É uma discussão madura, mas não avalio que o Congresso vá passar facilmente uma proposta de aumento de imposto.

E a reforma tributária, por si só, já será um grande desafio.

Um desafio muito grande. São colocados para discutir juntos todos os prefeitos, governadores, deputados, senadores. A questão fiscal traz previsibilidade e reduz custo do dinheiro para as empresas, mas a reforma que olha para a produtividade e para o retorno das empresas é a tributária. Sem dúvida é a reforma mais relevante hoje, mas talvez seja a mais difícil de todas.

Com o que já temos de concreto e de perspectivas, é possível dizer que o arcabouço apresentado é um caminho para a queda de juros? Como isso pode se refletir na Selic?

Um primeiro ponto é que tratar da Selic é tratar de uma discussão parcial – é preciso olhar toda a curva de juros. O que influencia o investimento das empresas é a parte mais longa da curva de juros, e essa parte é determinada pelo fiscal, pela capacidade do governo em pagar suas contas. Então, a redução da incerteza fiscal bate na ponta longa, melhora as expectativas de controle fiscal no futuro, impacta a inflação e permite ao Banco Central reduzir os juros no presente. Por enquanto, a curva de juros mostrou alguma reação, só que agora é preciso avançar na discussão. O desafio está no detalhe. A inflação está bem endereçada, a incerteza atual está na inflação futura que acaba sendo influenciada pela expectativa do fiscal. É um caminho, mas a solução fiscal precisa ser suficientemente boa para mostrar previsibilidade.

Existe a possibilidade de um corte na Selic já na próxima reunião, em maio?

Acredito que não. É importante lembrar que existe uma discussão paralela da redução ou não das metas de inflação. É difícil, inclusive, que o Banco Central reduza os juros ainda com dúvida em relação a qual vai ser a meta. Com a resolução dessas incertezas e o arcabouço tramitando no Congresso, existe espaço no segundo semestre para redução de juros, a partir de agosto e setembro. A nossa previsão de Selic para 2023 é de 12,5%. E para 2024, é de 10%.

E como essa possível queda pode se refletir na bolsa de valores?

A bolsa tem dois elementos muito relevantes: crescimento [das empresas] e juros. Então é natural que, observando uma queda de juros, os preços dos ativos se valorizem. Por isso imaginamos que, a partir do segundo semestre, com os juros já caindo, possa ocorrer uma valorização dos ativos de risco como a bolsa. Mas vai ser um período de pouca liquidez. Será muito difícil de voltarmos àquele período de fortes valorizações, com foco nas empresas de crescimento. Os juros não estão mais em 2% nem em 4%, é outro momento. Porém, acredito que existe sim um espaço para valorização.

Quais setores ou ações imaginam que possam sair mais beneficiados?

Existem algumas empresas de small caps que podem se beneficiar da queda nas taxas de juro. Mas considerando que é um período de baixo crescimento econômico, em geral os setores mais defensivos se saem melhor, como saneamento, utilidades, consumo e bens essenciais.

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