iPhone 11 da Apple (APPL34) (Apple/Divulgação)
Desde o começo da epopeia do iPhone, os laços entre a Apple (APPL34) e a China foram quase "relações carnais", parafraseando uma famosa declaração de um ex-chanceler argentino que marcou história das Relações Internacionais.
A quase totalidade dos produtos da Apple são realizados na China, graças a mão de obra barata, leis trabalhistas brandas e pouca ou nula atenção para questões ambientais.
Entretanto, com as chances de uma invasão de Taiwan subindo, a primeira coisa que a Apple está pensando é proteger sua cadeia produtiva. E por isso, o CEO Tim Cook parece ter encontrado uma alternativa muito próxima: a Índia.
A ideia de transferir parte da produção dos diversos aparelhos da Apple para a Índia já estava no ar há um tempo. Agora, no entanto, essa hipótese parece se concretizar, com os primeiros números sendo divulgados pelo JP Morgan, que indica em 25% do número de novos iPhones que serão produzidos na Índia até 2025.
Ou seja, um a cada quatro iPhones serão produzidos na Índia, cinco vezes mais do que o atual número, que é de 5%.
A Apple já estava começando a conhecer o mercado indiano, produzindo os iPhones SE in loco, mas apenas para os dispositivos que seriam vendidos país. Desde então, a gama de modelos foi ampliada gradualmente, até que a produção do iPhone 13 começou no início de 2022.
O principal parceiro da Apple no país é o mesmo que opera com ela na China: a Foxconn, responsável por toda a produção do iPhone 13, e em breve novos iPhone 14.
Enquanto a Wistron - gigante taiwanesa, braço histórico de produção da Acer - é responsável pela produção do iPhone SE e iPhone 12. A ideia da Apple é iniciar a produção do iPhone 15 no próximo ano na China e na Índia ao mesmo tempo. Objetivo que a empresa de Cupertino já havia estabelecido com o iPhone 14, porém sem sucesso.
As escolhas da Apple, que também está tecendo importantes relações com o Vietnã (para onde será transferida a produção do Watch e alguns MacBooks), parecem inevitáveis. A empresa fundada por Steve Jobs é fortemente dependente da China como centro de fabricação e montagem de seus produtos. O vasto ecossistema de fornecedores que cresceu no país asiático tornou a produção de produtos da Apple uma operação fortemente integrada, difícil de replicar em outros lugares.
No entanto, tornou-se cada vez mais evidente o quanto essa dependência aberta da China seja um perigo para a maior empresa de Wall Street em termos de valor de mercado.
A fabricante do iPhone, ao longo dos anos, foi repetidamente obrigada a cumprir leis que contrariam diretamente seus próprios valores.
Sofreu paralisações de produção devido a guerras comerciais entre China e EUA e por causa dos repedidos lockdowns impostos pelo governo chinês para tentar conter a pandemia de coronavírus. Mas, pior de tudo, a Apple convive com a enorme incógnita (ou talvez o pesadelo) de que a China possa invadir Taiwan, com consequências dramáticas nas já tensas relações com os Estados Unidos.
Não por acaso, o Congresso americano acaba de aprovar o "CHIPS and Science Act" com grande maioria dos dois partidos - Democrata e Republicano - que financia com US$ 52,7 bilhões o desenvolvimento e fabricação de semicondutores nos EUA.
A medida se junta à estratégia de reshoring - ou seja, de transferência de produções da Ásia para os EUA - que em 2022 já trouxe de volta quase 350 mil empregos no setor manufatureiro, principalmente da China, enquanto a construção de novas fábricas em território americano aumentou 116%.
A pandemia mostrou que o offshoring, ou seja, a delocalização produtiva, foi longe demais, delegando no exterior a produção de bens essenciais para a sobrevivência dos cidadãos americanos. Além disso, a Covid paralisou as cadeias de distribuição, causando prejuízos que ainda pagamos, como a inflação.
A ofensiva no setor de tecnologia, porém, vai além. O desafio geopolítico entre a democracia americana e autocracia chinesa está apenas começando, e será tanto epocal quanto travado no terreno da tecnologia. Talvez mais do que no âmbito militar (setor que, por sinal, precisa desesperadamente de microprocessadores e outros bens semelhantes para poder funcionar).
Isso sem falar no controle social, que dará uma vantagem enorme para quem conseguir correr mais rápido no desenvolvimento da inteligência artificial.
Em suma, a Índia parece ser uma estratégia de saída que não pode mais ser adiada para a Apple. E aparentemente, nos escritórios de Cupertino, sabem bem disso. Mas poderia ser apenas um passo intermediário, para a volta definitiva das produções de iPhone para os EUA.