Guilherme Loureiro: economista-chefe e sócio-fundador da Trafalgar Foto: Leo Martins (Leo Martins/Divulgação)
Guilherme Guilherme
Publicado em 6 de agosto de 2021 às 06h00.
A elevação da taxa Selic de 4,25% para 5,25% e o comunicado mais duro do Comitê de Política Monetária (Copom) tem levado o mercado a revisar suas projeções para cima. Na gestora Trafalgar, a expectativa é de que a Selic encerre o ano a 8%.
“O plano de voo do Banco Central é subir até 7%, mas há diversas pressões inflacionárias atípicas, como a alta da energia elétrica e alimentos. Para ter inflação de 3,5% [no centro da meta de 2022] a Selic tem que ser acima de 7%”, afirma Guilherme Loureiro, economista-chefe e sócio-fundador da Trafalgar em entrevista à Exame Invest.
Embora espere novas altas de juro, Loureiro não vê o ambiente como negativo para o mercado acionário. “Em um cenário constante, juro para cima significa valor presente menor nos fluxos de caixa da bolsa, ou seja, bolsa para baixo. Mas o motivo pelo qual o juro está subindo é a recuperação econômica mais forte do que a esperada. O lucro das empresas tem surpreendido muito. Isso é uma característica típica de início de ciclo [de crescimento]”, comenta.
No câmbio, Loureiro vê a alta de juros favorecendo o real. Segundo ele, o “valor justo” do dólar seria entre 3,50 e 4 reais, mas pesam negativamente fatores políticos, fiscais e o esperado início da retirada de estímulos por parte do Federal Reserve.
Confira a entrevista com Guilherme Loureiro, economista-chefe da Trafalgar e com passagens por Credit Suisse, Tendências, Barclays e UBS Brasil, onde também foi economista-chefe.
Exame: Como a decisão do Copom foi recebida pela Trafalgar?
Guilherme Loureiro: Foi bem recebida. A decisão foi muito em linha com a expectativa de mercado. Sendo mais incisivo, o Banco Central poderá até interromper o ciclo de alta mais cedo, talvez com uma Selic menor do que seria caso adotasse uma postura mais leniente com a inflação.
Existia alguma dúvida sobre o forward guidance, sobre quando terminaria o ciclo [de alta de juros]. Agora ele deixou muito claro que fica confortável de subir acima do neutro.
Qual é o patamar de juro neutro?
O juro neutro é o que não estimula a economia além do neutro. A nossa leitura é que seria uma Selic rodando ao redor de 6,5%. A mensagem que ele passa é de que será uma Selic acima de 6,5%.
Na prática, até que ponto o Banco Central deve elevar a taxa Selic neste ano?
Revisamos o cenário devido ao forward guidance. Até pela comunicação do Banco Central, a expectativa do mercado era de uma Selic próxima do neutro. Mas essa Selic não era suficiente para ter inflação na meta no ano que vem.
O Banco Central está comprometido com a meta, então a pergunta que fazemos é “quanto tem que subir para a inflação do ano que vem estar na meta”. Em nossa conta seria uma Selic de 8%. Esperamos alta de 1 p.p. na próxima reunião, outra de 1 p.p. em outubro e uma de 0,75 p.p. em dezembro.
No último boletim Focus, a expectativa de Selic estava em 7%. Esse número deve ser revisado para cima?
A tendência é essa. A sinalização de um juro acima do neutro dá conforto para o mercado projetar de quanto a Selic teria que ser para ter inflação na meta do ano que vem. No boletim Focus, hoje, temos uma inflação acima da meta com a Selic de 7%. Para a inflação convergir para a meta, sabemos que tem que ser acima de 7%. O plano de voo do Banco Central é subir até 7%, mas há diversas pressões inflacionárias atípicas, como a alta da energia elétrica e dos alimentos. Para ter inflação em 3,5% a Selic tem que ser acima de 7%.
Com a maior mobilidade social esperada para o segundo semestre, qual é o espaço que a inflação de serviços tem para surpreender?
O mercado vinha apostando no arrefecimento dos choques industriais e de alimentos, mas ainda estão em patamares altos. Por outro lado, com a melhora do hiato do mercado de trabalho e retomada da atividade, a inflação de serviços pode incomodar um pouco mais. Nesse sentido, foi muito bem-vinda a decisão do Copom, porque a inflação de serviços deve ser mais alta. Na nossa conta isso está muito presente, até porque temos uma visão mais positiva para a economia.
Qual é a expectativa de PIB para este ano?
Para este ano, esperamos um PIB de 5,5% e de 2% a 2,5% no ano que vem. Em termos relativos, o Brasil pode sair bem por causa da vacinação. Países desenvolvidos tiveram acesso às vacinas antes, mas enfrentam resistência de uma parcela significativa da população, que é contra a vacina. Em Israel, a taxa de vacinação parou na faixa de 65%, assim como nos Estados Unidos e em alguns países da Europa.
No Brasil, a oferta deixa de ser um problema e a resistência contra a vacina é muito pequena. Provavelmente, devemos ter uma boa parte da população adulta vacinada até o fim do mês. Isso pode ajudar muito na recuperação. Nossa projeção é de PIB de 0,3% no terceiro trimestre e de 0,5% no último, mas pode surpreender para cima. Um PIB de 6% é bem mais provável que um de 5%.
A Selic com perspectiva de passar de 7%, enquanto o Ibovespa tem alta de menos de 4% pode levar a uma migração para a renda fixa?
A renda fixa fica um pouco mais atrativa. Em um cenário constante, juros para cima significam valor presente menor nos fluxos de caixa da bolsa, ou seja, bolsa para baixo. Mas o motivo pelo qual o juro está subindo é a recuperação econômica mais forte do que a esperada. Então, temos juros para cima, resultados para cima e bolsa para cima . O lucro das empresas tem surpreendido muito, que é uma característica típica de início de ciclo [de crescimento]. Tem ociosidade dos fatores de produção, como mercado de trabalho e capacidade instalada na indústria, mas tem faturamento mais forte.
As bolsas internacionais estão mais esticadas em termos de valuation, enquanto a brasileira está numa melhor posição. Aqui, os lucros estão melhores e o valuation está mais interessante.
Por outro lado, se o Brasil perder a âncora do teto de gastos, poderemos ter atividade para baixo com inflação e juros para cima, que seria um cenário mais delicado para a bolsa. Mas esse é um cenário alternativo.
Essa alta de juros não é prejudicial para o mercado de ações?
Não, pelo contrário. Esse é o roteiro de início de ciclo de crescimento, com atividade voltando e puxando a alta de juros.
Qual impacto a recuperação da economia brasileira e alta de juros devem ter no câmbio?
Se olhar de forma isolada, o juros favorece a apreciação do real. O real está um pouco descolado de fundamentos. A moeda brasileira está barata. Talvez o valor justo fosse algo entre 3,50 reais ou 4 reais. Mas tem outros vetores que podem jogar contra.
A recuperação econômica está acontecendo no resto do mundo e os estímulos monetários em outros países ainda estão muito próximos dos feitos no pico da crise. Então, devemos ter uma discussão de redução de compra de ativos no Federal Reserve. Isso deve ter um efeito nas taxas de juros longas dos Estados Unidos, o que joga contra o real.
Outro ponto é a questão política e fiscal do Brasil. No fiscal, a inflação vai abrir um espaço [no orçamento] para o ano que vem, mas não há espaço para encaixar todas as iniciativas, como aumento do Bolsa Família e reajuste aos servidores. Também entra nesse âmbito a questão eleitoral, já que não está claro como os candidatos vão lidar com o teto de gastos.
Colocando tudo na balança, nosso cenário base é de juro subindo no exterior, mas com a economia ainda boa, e, no Brasil, o fiscal controlado. Nesse cenário, o dólar pode cair para 4,75 reais ou 4,5 reais.
A redução dos estímulos monetários por parte do Fed deve começar neste semestre?
É bem provável, a menos que tenha uma mudança muito grande de cenário. A grande divergência no mercado é se o anúncio do tapering será feito próximo de Jackson Hole ou em novembro. Pelos últimos comentários de membros do Fed, está mais para o fim do ano. Isso deve levar a um aumento significativo dos juros futuros de 10 anos. Mas se isso acontecer devido à recuperação econômica, não aumentará o sentimento de risco.