Jim Allen, do CFA Institute: os participantes da pesquisa no Brasil se mostraram mais ansiosos em encerrar o ciclo de afrouxamento monetário (61%) ante uma média global de 49% (CFA Institute/Divulgação)
Natália Flach
Publicado em 27 de julho de 2020 às 19h18.
Os investidores mais sofisticados, em geral, escolhem os fundos de acordo com a estratégia dos gestores – já que esses profissionais costumam entregar retornos maiores do que a média de mercado. Mas nem sempre é assim. Um levantamento feito pelo CFA Institute, associação global de profissionais de finanças e investimentos, mostra que apenas 20% dos fundos ativos nos Estados Unidos superaram os ganhos do índice S&P 500 ao longo dos últimos cinco anos.
Uma das explicações é que a intervenção do banco central americano – com injeção de trilhões de dólares na economia – dificultou a análise do mercado financeiro. "A precificação incorreta de ativos dificulta a geração de valor por parte da maioria dos gestores ativos, enquanto os investidores passivos continuam se beneficiando da política monetária expansionista", afirma Jim Allen, responsável por políticas de mercado de capitais para as Américas do CFA Institute, em entrevista exclusiva à Exame.
Devido à crise econômica provocada pela pandemia do novo coronavírus, isso pode acontecer novamente neste ano. Tanto é que 42% dos 13.278 membros do CFA Institute consultados disseram que os fundos de gestão ativa devem ter uma rentabilidade menor do que os de gestão passiva em 2020. Apenas 31% preveem que os gestores ativos terão uma performance melhor.
Mercado |
Benchmark
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Fundos com desempenho inferior ao índice de referência (cinco anos)
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EUA
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S&P500
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80%
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Canadá
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S&P/TSX
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88%
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Europa
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S&P Europe 350
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78%
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Japão
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S&P/Topix 150
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70%
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Índia
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S&P BSE 100
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82%
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Confira abaixo os principais trechos da conversa com Allen.
Exame: Por que o retorno dos fundos com estratégia passiva tem superado os de gestão ativa?
Na última década, o desempenho dos fundos de índices superou o retorno dos fundos de gestão ativa. Isso aconteceu porque havia uma tendência de alta nos preços dos títulos. É bom lembrar que o investimento ativo recebe seus honorários de duas formas: primeira, com a seleção de ações que superam a média de mercado e segunda, com a mitigação de perdas em momentos de baixa. Como essa crise não tem precedentes, a tentativa de avaliar como o mercado reagiria com base nas crises anteriores se mostrou extremamente ineficaz. Demorou apenas quatro meses para que as bolsas recuperassem quase 100% de suas perdas, enquanto que, na crise anterior, levou cerca de quatro a seis anos. É justo dizer que os mercados não previam uma intervenção do governo e do banco central de tal magnitude, e esse influxo maciço de liquidez está alterando o equilíbrio natural entre as forças de oferta e demanda; portanto, é mais difícil que os preços retornem ao seu valor fundamental ou que a arbitragem desempenhe seu papel. Estamos vendo que ele tem mais efeito sobre ações do que sobre títulos.
Exame: Mas a flexibilização quantitativa (QE, na sigla em inglês) não é um evento esperado?
QE não é novo e, assim como acontece com o uso excessivo de antibióticos, o médico acaba aumentando a dose. Por isso, houve uma reação significativamente mais global (e mais rápida) diante da pandemia do que na crise de 2008, tanto pelos bancos quanto pelos governos. O QE tem sido usado proativamente como um substituto para os níveis de produtividade que estão estagnados desde os anos 1980. A questão que estamos vendo agora é que os mercados têm agido como se o QE não devesse caminhar de volta à normalidade fiscal e monetária. Curiosamente, os participantes da pesquisa no Brasil se mostraram mais ansiosos em encerrar o ciclo (61%) ante uma média global de 49%. Isso sugere que os brasileiros querem evitar possíveis consequências negativas, como déficits (35%).
Exame: Como o senhor vê a pandemia de coronavírus: como um cisne negro ou estava no radar dos investidores?
Do ponto de vista do mercado, esse certamente é um cisne negro - um choque severo que ninguém esperava chegar e que está impactando profundamente o tecido do sistema econômico e dos mercados. Nassim Taleb tem comentado sobre isso, incluindo a idéia de que nosso sistema não é mais capaz de lidar com fragilidade e risco. A única maneira de lidar com possíveis eventos de cisne negro é gerenciando o risco da cauda. Nossa resposta social foi criar uma ponte maciça para garantir que a economia pudesse voltar progressivamente ao normal sem ter que suportar um choque muito grave. Mas é precisamente aqui que a fragilidade de Taleb nos diria que, ao fazer isso, estamos apenas tornando o sistema mais frágil, pois não há mudanças estruturais para reagir ao choque.
Exame: Então, faz sentido que as gestoras tenham equipes de analistas para montar estratégias ativas?
O investimento passivo tem um desempenho muito bom, mas isso não significa que todo o investimento ativo tenha tido um desempenho ruim. Se examinarmos a situação com lupa, as estatísticas oficiais sobre desempenho serão tendenciosas e distorcidas por uma grande parte do campo. Além disso, as verdadeiras estratégias ativas têm se saído bem e estão bem posicionadas para encontrar uma maneira de capturar valor em um contexto tão extremo como o que temos agora. Além disso, não esqueça que nem todos podemos ser passivos ao mesmo tempo ou não haveria mercado! Precisamos de uma comunidade de atores de mercado que possuam diferentes pontos de vista sobre valor. Este último ponto é precisamente o que o QE está distorcendo, pois unifica e força uma convergência dos retornos dos ativos. Quando os mercados normalizarem, os gestores devem começar a ver mais oportunidades de agregar valor.