Trump: planos serão inevitavelmente testados nos tribunais e enfrentarão desafios de financiamento enquanto ele tenta reduzir gastos federais (Fabrice COFFRINI / AFP)
Agência de notícias
Publicado em 26 de janeiro de 2025 às 15h41.
Última atualização em 27 de janeiro de 2025 às 07h07.
As políticas de imigração do presidente Donald Trump estão começando a tomar forma, com efeitos potencialmente devastadores para o crescimento e os lucros das grandes empresas dos Estados Unidos. Os investidores não parecem muito preocupados ainda — em grande parte não acreditam que ele vai levar adiante toda a extensão de seus planos.
Trump prometeu deportar todos os imigrantes que vivem no país sem permissão, que são cerca de 11 milhões de pessoas. Na sexta-feira, o governo começou a enviar deportados de volta para Guatemala e El Salvador em aviões militares dos EUA. Houve ainda um grupo enviado para o Brasil.
Se Trump adotar integralmente suas propostas, isso causaria impacto em toda a a economia, segundo estrategistas, economistas e especialistas de Wall Street. A inflação dispararia, e setores que dependem de mão de obra, como agricultura e construção, teriam dificuldades para encontrar trabalhadores. Deportar todos os imigrantes indocumentados reduzirá o PIB dos Estados Unidos em 8%, de acordo com uma análise da Bloomberg Economics.
"Se estamos falando de uma deportação rápida de 10 milhões de pessoas, acho que é justo dizer que, embora o impacto não seja na mesma escala da época da pandemia, poderia ser algo próximo disso. Isso pode ter um impacto doloroso no emprego, na inflação e na economia", afirmou Mark Malek, diretor de investimentos da gestora Siebert.
Diante de toda essa incerteza econômica enquanto o governo intensifica seus planos de imigração, por que o índice S&P 500 acaba de atingir um novo recorde histórico? Simples. Operadores e investidores não acreditam que Trump vá realmente levar tudo isso até o fim, apesar de sua retórica estridente.
"As pessoas esquecem rápido que, muitas vezes, há muito mais conversa do que ação real, especialmente com eleições parlamentares daqui a 20 meses. Portanto, não queremos extrapolar demais o que poderia ser um problema de curto prazo e acabar errando", disse Todd Ahlsten, diretor de investimentos da Parnassus Investments.
Deportar de um a dois milhões de pessoas por ano é viável, de acordo com estimativas de estrategistas do banco de investimentos Jefferies. Mas até isso poderia ser prejudicial para muitas empresas e setores.
A diferença entre os planos de Trump para o comércio exterior e a imigração ficou clara na enxurrada de decretos assinados nos primeiros dias de seu governo. Se não houve um “tarifaço”, a imigração teve grande peso. O presidente declarou emergência nacional na fronteira sul, tentou acabar com a cidadania automática por direito de nascimento, que faz parte da 14ª Emenda da Constituição, e suspendeu o reassentamento de refugiados.
Afinal, se as tarifas são uma questão controversa, as deportações em massa têm amplo apoio dos eleitores de Trump.
Os planos de Trump serão inevitavelmente testados nos tribunais e enfrentarão desafios de financiamento enquanto ele tenta reduzir gastos federais. E isso ocorre em um momento em que os investidores ainda estão lidando com o equilíbrio delicado entre uma economia resiliente e uma inflação persistente. A última alta do índice S&P 500 foi impulsionada por uma inflação mais baixa do que o esperado em meados de janeiro.
Qualquer coisa que se desvie dessa rota terá um efeito em cadeia nos preços das ações e nos rendimentos dos títulos.
"Eventualmente, a questão é quão grande será o choque de oferta para o mercado de trabalho. Isso pode ser mais inflacionário do que as tarifas porque é imediato", disse Alicia Levine, chefe de estratégia de investimentos e ações do BNY Wealth.
O problema é estimar com precisão o impacto dessas ações na economia e no mercado de ações, alertaram analistas e estrategistas. Então, eles recomendam focar nos setores que serão mais afetados pelas deportações.
O maior risco de impacto está em indústrias que dependem de serviços, como hospitalidade e lazer, e setores intensivos em mão de obra, como agricultura, produção de alimentos, manufatura e construção.
Grupos hoteleiros — como Host Hotels & Resorts, Park Hotels & Resorts, Xenia Hotels & Resorts, Sunstone Hotel Investors e Ryman Hospitality Properties — sentirão a pressão de custos mais altos com mão de obra, especialmente na Califórnia, Texas e Flórida.
Esses estados, com alta população de imigrantes, que também incluem Nova York, Nova Jersey e Illinois, são os alvos mais prováveis das deportações de Trump, de acordo com estrategistas do Jefferies. Eles constataram que a perda de cerca de um milhão de trabalhadores da produção causaria cinco meses de impacto e um aumento de cerca de 8% nos salários da indústria de processamento de carne.
Restaurantes e redes de fast food, como Jack in the Box, Yum Brands, McDonald’s, Restaurant Brands International, Wendy’s, Domino’s e Papa John’s, enfrentam dois problemas: um mercado de trabalho já escasso pode se tornar ainda mais desafiador, e o custo dos alimentos provavelmente aumentará.
Empresas ligadas à construção — desde varejistas de materiais de construção, como Home Depot e Lowe’s, até fornecedores de serviços e materiais, como TopBuild, Installed Building Products, Owens Corning, Beacon Roofing Supply e Builders FirstSource — também podem ser impactadas. Em mercados como Texas, Califórnia e Flórida, mais de 45% dos trabalhadores da construção são imigrantes, segundo dados do Jefferies.
As big techs também não serão poupadas, já que o novo governo planeja restringir os vistos de trabalho para estrangeiros altamente qualificados por meio do programa H-1B. A empresa de terceirização de tecnologia da informação Cognizant Technology Solutions e grandes gigantes do setor, como Amazon, Meta, Alphabet, Microsoft e IBM, têm uma dependência significativa desse programa de vistos, segundo estrategistas do Jefferies. No entanto, eles esperam apenas um impacto mínimo na lucratividade, a menos que ocorram “mudanças radicais” no H-1B.
Apesar desses riscos, os investidores estão, em grande parte, abordando questões de imigração com a mesma estratégia usada para as tarifas. A ideia é focar no que realmente será implementado, não se deixar influenciar pelas ameaças de Trump e monitorar de perto os setores que provavelmente serão mais impactados.
"Acredito que as ações reais relacionadas à imigração serão modestas. Não consigo imaginar uma situação em que as deportações e outras ações sejam tão severas a ponto de eu precisar mudar meus investimentos", concluiu Brad Conger, diretor de investimentos da Hirtle Callaghan.