Fulcherberguer: CEO da Via diz que a empresa já negocia com bancos rolagem da dívida a vencer em 2023 (Leandro Fonseca/Exame)
Repórter Exame IN
Publicado em 12 de março de 2023 às 10h52.
Última atualização em 13 de março de 2023 às 06h28.
É chover no molhado falar da fase difícil que parte do varejo está vivendo. A resiliência da inflação e a escalada dos juros deixam o bolso do consumidor mais apertado e diminuem a demanda enquanto, na outra ponta, o custo da operação fica muito mais salgado. Por isso, até quando há melhorias em algumas frentes, as dificuldades ainda dão um tom mais grave.
A Via (VIIA3), dona da Casas Bahia e da Ponto, viu, por exemplo, o fluxo de clientes aumentar nas lojas físicas e a geração de caixa anual ficar em R$ 2,6 bilhões em 2022, contra um consumo de quase R$ 1 bilhão em 2021. Ainda assim, a pressão das margens — a margem Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) ficou 0,08% menor a 7,1% — e o nível de endividamento acenderam sinal de alerta entre os investidores. Na sexta-feira, 10, a ação fechou com queda de 6,19%.
Em 2022, a companhia teve prejuízo líquido de R$ 342 milhões, 15% maior do que as perdas de 2021, sendo que no quarto trimestre a companhia reverteu o lucro registrado um ano antes e reportou prejuízo de R$ 163 milhões. Parte importante da deterioração da última linha veio do aumento das despesas financeiras com dívida e crédito direto ao consumidor.
Em entrevista exclusiva à EXAME Invest, o CEO da Via, Roberto Fulcherberguer, diz que, em 2023, o foco está na preservação de caixa e evitando "loucuras" para o crescimento de vendas. "A gente está com os dois pés no chão esse ano com preservação de caixa, mas sem deixar de olhar para oportunidades de crescimento de GMV [vendas brutas online] e de market share", diz.
Por isso, o trabalho da Via em 2023 passa também, é claro, pela melhora da saúde financeira. No fim de 2022, a Via tinha R$ 4,1 bilhões de dívida. Desse total, R$ 1,6 bilhão são vencimentos em 2023, dos quais são todos bilaterais com os bancos de relacionamento, como Bradesco e Banco do Brasil. O restante, de R$ 2,5 bilhões e que corresponde a 60% da dívida, são debêntures a mercado com vencimento entre 2024 à 2029.
Para os mais de R$ 1 bilhão vencendo neste ano, a empresa começou a negociar com os banco para rolar a dívida. "As conversas já estão acontecendo e a gente já tem boa sinalizações de renovação. Então diria que o caminho que a gente vai buscar: a gente vai buscar a renovação dessas dívidas e buscar geração de caixa mais acelerada na companhia."
Alguns indicadores, como o prejuízo líquido de R$ 163 milhões no quarto trimestre, vieram acima da previsão de mercado, mas a reação ao longo do dia na bolsa também foi negativa e analistas destacaram as pressões de margem, por exemplo. Qual a análise de vocês sobre esse último trimestre de 2022 e de todo o ano?
Roberto Fulcherberguer: Alguns grandes destaque ajudam muito nesse momento de um pouco mais turbulência e taxa nos patamares que a gente tem hoje. Preservação e geração de caixa são fundamentais nesse momento. A Via conseguiu melhorar em R$ 3,6 bilhões a sua geração de caixa comparando tri contra tri. A gente gerou R$ 2,6 bilhões de caixa no quarto trimestre. A gente vem desde final de 2021 começando uma redução de estocagem. Estocamos bastante durante a pandemia porque estava em falta, mas depois se normalizou e a gente seguiu reduzindo. Então a gente reduz R$ 1,6 bilhão de estoque, 25 dias de estoque, sem nenhum momento perder rentabilidade. A qualidade de estoque era muito boa. A gente executou de maneira bastante assertiva e isso abre caixa para companhia e conversa muito com o momento que a gente está.
Outro ponto também que é importante e é exclusividade da Via é a questão da provisão trabalhista. A gente declarou em 2021 uma provisão trabalhista que tem a ver com com legado da Via. Então a gente tinha um guidance de consumo de caixa entre R$1,5 bilhão a R$ 2 bilhões e na verdade a gente conseguiu ficar abaixo da parte de baixo do guidance. A gente conseguiu R$ 1,2 bilhão, o que também é uma ótima notícia em termos de preservação de caixa. Do outro lado também tínhamos uma expectativa de monetização de crédito tributados, que era na ordem de R$ 1,8 bilhão a R$ 2 bilhões e que a gente conseguiu monetizar R$ 2,4 bilhões. Todas são variáveis que fazem abertura de caixa para nós e o que nos ajudou bastante nesse momento.
Certo, e como isso já se estende a 2023?
Fulcherberguer: Fizemos tudo com a mais absoluta transparência e coerência. Não tomamos nenhuma medida que prejudicasse o relacionamento e o nível de serviço com consumidor. São todas medidas consistentes com o nosso DNA, que é atender o consumidor com o nível de serviço elevado. Se olhar para 2023 a gente começa o ano com esse viés. A gente começa o ano continuando a capturar produtividade, que veio de maneira muito acelerada no ano passado e que tem impacto direto em redução de custo.
O nosso problema trabalhista, por exemplo. Se a parte baixa do guidance era de R$ 1,5 bilhão e a gente realizou R$ 1,2 bilhão, para 2023 [a previsão] é entre R$ 600 milhões e R$ 700 milhões. Então já reduz a saída de caixa e, em contrapartida, seguiremos monetizando de ativos fiscais ao redor de R$ 2,5 bilhões na nossa estimativa. Então tem uma abertura de caixa importante para acontecer aqui. A gente tá bastante seguro e seguir trabalhando com esses 95 dias esse estoque que a gente atingiu. Apesar de ser um ano complexo e com taxa de estudos bastante elevada, a gente está buscando vários caminhos para amenizar impacto que a taxa de juros traz para o nosso negócio.
Vocês são reconhecidos pela oferta de crédito ao consumidor, por causa do crediário. Estão mais cautelosos dado esse momento?
Fulcherberguer: Olhando para o financiamento ao consumidor, a gente também teve bastante êxito ali, a gente tomou a decisão de diminuir um pouco a exposição ao financiamento lá no início do ano e a gente veio controlando isso. Então a nossa inadimplência segue a absolutamente controlada, todos os marcadores estão sob controle [no quarto trimestre as despesas com provisão para devedores duvidosos (PDD) ficou em R$ 627 milhões e representando 11,4% da carteira ativa de crédito, abaixo de 13,1% de um ano antes]. A gente está com uma empresa bastante equilibrada para esse momento, mas claro que é um grande desafio.
É um ambiente de juros altos, que pressionam muito o varejo, não?
Fulcherberguer: O ano passado significou R$ 1 bilhão a mais de despesa por efeito da taxa de juros e não foi um ano 'full' com a taxa do limite. Então esse ano, se for o ano inteiro com o tamanho de taxa que está é mais do que R$ 1 bilhão esse efeito. Mas a gente vê a oportunidade, né? Na verdade, é o seguinte: em algum momento a taxa de juros vai começar a cair, e no momento que começar a cair essa captura que a gente está fazendo de eficiência vai se perpeturar. A taxa caindo, essa despesa a mais que a gente tem vira lucro no momento no minuto seguinte. Então a gente está tomando todos os cuidados com preservação de caixa. É um ano de preservação de caixa, apesar de a gente entender que tem oportunidades de ganho de market share e a gente vem capturando esses ganhos, melhorando a nossa relação com os fornecedores e melhorando a nossa relação com o cliente por toda a tecnologia que a gente vem adicionando.
É um ano para crescimento então?
Fulcherberguer: A oportunidades de captura de market share que estamos indo atrás de maneira absolutamente responsável, sem fazer loucura. Ao mesmo tempo a gente vem estressando os nossos ativos. Então a gente vem fazendo mais receita lá no fullfilment, mais receita na logisticação as a service. Isso traz receita e traz diminuição de custo, porque otimizo mais o ativo que eu já tenho, não demanda grandes investimentos. Pelo contrário, investimento bastante baixo. E o mesmo vale por crediário. A gente está otimizando o crediário também agora marketplace. Então diria que a gente está bastante com os dois pés no chão esse ano com preservação de caixa, mas sem deixar de olhar para oportunidades de crescimento de GMV e de market share.
O ano não começou fácil para o varejo. Além do episódio com a Americanas, vimos muitas varejistas sinalizando problemas e falta de fôlego para lidar com esse ambiente macroeconômico. Vocês se dizem mais cautelosos. O que estão fazendo para lidar com o efeito do juro alto sobre a saúde financeira da companhia?
Fulcherberguer: A gente sempre foi muito diligente aqui. Nunca fomos fã do crescimento a qualquer custo na Via. Desde o começo fomos até chatos nesse negócio de que a gente, sim, iria buscar crescimento, mas sempre com preservação de rentabilidade e sempre de como prioridade e a preservação de rentabilidade. E a gente conseguiu, teve êxito e vim buscar maior share e preservando a rentabilidade. Então, agora que a gente segue fazendo aquilo que a gente já fazia, mas óbvio com o cenário um pouco mais adverso. A gente tem é mais ou menos R$ 1 bi de dívida dívida para rolar nesse ano com dois bancos, o Bradesco no Banco do Brasil, que são grandes parceiros nossos há muito tempo. A gente já tem sinalização, as conversas já estão acontecendo e a gente já tem boa sinalizações de renovação. Então diria que o caminho que a gente vai buscar: a gente vai buscar a renovação dessas dívidas e buscar geração de caixa mais acelerada na companhia. Vindo de onde? Vindo de aumento de vendas, vindo de redução de despesas e vindo de aceleração dos ativos fiscais que a gente tem de monetização é esse plano que eu falei dos R$ 2,5 bilhões.
Dado que o negócio 1P (venda direta) e principal de vocês é muito dependente de crédito e de maior renda por parte do consumidor, devemos imaginar que esse ano o marketplace vai ganhar mais representatividade nas vendas da Via, dado que lá tem produtos que exigem menor desembolso e que não são artigos com que vocês trabalham?
Fulcherberguer: Ele vai ganhar, sim, maior amplitude, mas não por conta do momento e, sim, por conta da nossa estratégia que a gente declarou lá no segundo tri do ano passado. A gente vai buscar a maior frequência com o cliente ou a recorrência através da marcação tipo de tíquetes médios menores. Então, sim, tem a oportunidade aqui com com as indústrias que estão próximas do core do nosso 1P e itens que a gente não necessariamente faz sentido comercializar no 1P, porque tem baixo giro e, então, a gente comercializa no marketplace. A grande estratégia nossa de marketplace é de contínuo ganho de frequência com o consumidor, que vai se traduzir em aumento de GMV e vai se traduzir em aumento de receita. A gente já está vendo isso. Se isolar dezembro, ele já cresce 20% o GMV e esse número vem se mantendo nesse primeiro trimestre também e ele vem acompanhado de aumento de receita por todas as medidas que a gente tomou lá de de de aumento take rate. Fomos os primeiros do mercado a sair fazendo esse aumento.
Vimos o caso Americanas sobre o rombo de R$ 20 bilhões por causa da forma que registravam risco sacado e, agora, o Magazine Luiza divulgou que está investigando uma denúncia de irregularidade com distribuidores e fornecedores. As coisas são diferentes, mas deixaram todo mundo em alerta. Vocês mudaram algum processo de controle nessa relação com fornecedores? Estão revisitando processos?
Fulcherberguer: Não tenho como comentar o caso Magazine Luiza. Mas a gente não fez nenhuma revisão dos nossos processos. A gente já alocava de maneira absolutamente transparente as operações financeiras [risco sacado] que aconteceram no outro episódio [caso Americanas]. A relação co a indústria é absolutamente transparente. Em termos de distribuidor fomos até fazer a conta, mas é 0,22%. Ou seja, menos de 0,5% do que compramos ano passado veio de distribuidor. Só compramos de distribuidor aquilo que a indústria não fornece diretamente.