Invest

2021: o ano louco que mudou como investimos. Talvez para sempre

O espetacular crescimento e a influência das comunidades online e o fascínio que criaram são o verdadeiro legado de 2021 em diante para o mundo financeiro. É o fenômeno do 'investimento em identidade'

Moeda fictícia simbolizando o dogecoin com a raça shiba inu em sua face: uma das febres dos investidores em 2021 | Foto: Yuriko Nakao/GettyImages (Yuriko Nakao/Getty Images)

Moeda fictícia simbolizando o dogecoin com a raça shiba inu em sua face: uma das febres dos investidores em 2021 | Foto: Yuriko Nakao/GettyImages (Yuriko Nakao/Getty Images)

B

Bloomberg

Publicado em 31 de dezembro de 2021 às 08h05.

Última atualização em 4 de janeiro de 2022 às 09h54.

Por Michael P. Regan, da Bloomberg Businessweek*

Houve uma grande fusão em 2021: a combinação de cultura popular e finanças modernas. Tom Brady e Matt Damon estavam de repente a fim de trocar criptomoedas. Os tokens digitais que começaram como elaboradas brincadeiras representaram dezenas de bilhões de dólares em papel. E desenhos animados de macacos foram vendidos por milhões de dólares em algo chamado mercado de tokens não fungíveis (NFTs), do qual quase ninguém tinha ouvido falar nos idos tempos de 2020.

Essa nem sempre foi uma fusão amigável. Pequenos investidores individuais se uniram para comprar ações da GameStop e da AMC Entertainment com a intenção expressa de levar à falência os hedge funds que estavam apostando contra as empresas. Muitos profissionais da Wall Street ficaram tão perplexos quanto qualquer outra pessoa com o surgimento de novos mercados de criptomoedas.

Todos pareciam querer se envolver, desde garotos do ensino médio trocando seus telefones durante as aulas pelo Zoom até pessoas mais velhas que perderam todas as suas economias da era pontocom e estavam determinadas a não deixar outra bolha passar por elas sem reivindicar um pedaço. É difícil saber exatamente quantas pessoas se transformaram em operadores de mercado. No entanto, assim como um indicador, os usuários confirmados da corretora Coinbase  aumentaram de 32 milhões no início de 2019 para 73 milhões em setembro.

Alertas de sensatos consultores financeiros para evitar esse tipo de ativo parecem ter passado despercebidos. O percentual de afluentes que usam contas em que eles próprios fazem a gestão em pelo menos parte de seus investimentos saltou de 35% em 2015 para 69% em 2021, segundo relatório da empresa de pesquisas Cerulli Associates.

O que, em nome dos céus, eles estão fazendo com essas contas? “Os investidores tendem a concentrar sua atenção em ofertas mais voláteis, incluindo ativos que atraem a atenção da mídia, como GameStop, AMC ou criptomoedas, ou em nichos de temas ou setores nos quais o investidor percebe oportunidade de crescimento exagerado no curto e médio prazo”, de acordo com a Cerulli. Isso é ainda mais notável considerando-se como era fácil ganhar dinheiro de forma passiva: um enfadonho índice de ações, o S&P 500, subiu mais de 25% até agora neste ano.

Não faz muito tempo, os Planejadores Financeiros Autorizados estavam preocupados com que muitos investidores tivessem migrado para fundos de índice e que isso distorceria os mercados. Que fofo. Hoje em dia, nos perguntamos se algum dia haverá risco financeiro sistêmico de tokens criptográficos com temática de cães brincalhões, como o Dogecoin.

Vem aí a terceira edição do Future of Money, o maior evento da América Latina sobre criptoativos, metaverso e o futuro do dinheiro. Faça a sua inscrição gratuita para não perder nenhum painel

É fácil atribuir tudo isso ao excesso das mesmas emoções que alimentam os mercados desde sempre: ganância e medo. (neste caso, o medo de estar perdendo algo, conhecido em inglês como FOMO.) Essa é certamente uma grande parte da história. No entanto há outra emoção em ação em jogo: a fascinação.

O espaço criptográfico e o NFT evoluíram rapidamente para uma toca de coelho sem fundo de inovação e desafios intelectuais. Para os negociantes de ações de memes (meme stocks), é uma fascinação com as complexidades da engrenagem do mercado e a maneira como os traders profissionais usam esses elementos. Não se está apenas descobrindo qual é o modelo de negócios da AMC mas também se sua equipe pode superar os gestores do dinheiro do outro lado.

A frase “prova de trabalho” – o esforço computacional necessário para executar redes de blockchain como a do Bitcoin – também pode ser aplicado às motivações dessa nova geração de traders. As riquezas aparecem para serem obtidas se você trabalhar duro, ler white papers online em quantidade suficiente, ouvir podcasts, também em quantidade suficiente, assistir a vídeos do YouTube, estudar mídias sociais, aprender padrões técnicos de gráficos ou simplesmente atualizar o aplicativo de negociação em seu telefone com frequência suficiente para que você aperte o botão de compra no momento certo.

Tudo gira em torno de algo engraçado que aconteceu quando o coronavírus forçou os seres humanos deste planeta a se isolarem: novas comunidades virtuais se formaram. Nesse híbrido de cultura financeira e popular, essas comunidades se reúnem em fóruns do Reddit e sob as hashtags do Twitter, em bate-papos no Discord e no Slack ou mesmo em simples mensagens de texto.

Tenho um grupo de amigos que há anos se reúne nas noites de sexta-feira para jogar pôquer. Recentemente, eles se encontraram no Zoom com um especialista em NFT para discutir a utilização de algumas de suas economias de tokens criptográficos em arquivos JPEG monetizados.

É fácil identificar os membros mais entusiasmados dessas comunidades. Os crentes criptógrafos, como Tom Brady, têm feixes de laser disparando de seus olhos em suas fotos nas redes sociais. “Degenerados”, do grupo WallStreetBets do Reddit – com 11,3 milhões de pessoas, que aumentam a cada dia e ficam cada vez mais fortes –, têm uma versão de um garoto de desenho animado em um terno de banqueiro e óculos escuros.

É preciso olhar bem de perto os exóticos macacos que aparecem nos perfis online das pessoas: podem ser um membro do "Exército de Macacos" marchando para a guerra pelas ações da AMC ou um membro do projeto de NFT, Iate Clube do Macaco. Entediado ostentando um dos símbolos de status digital mais populares deste ano.

O valor de muitos desses ativos deriva exclusivamente da força e da influência das comunidades ao seu redor.

Especialmente com os projetos de criptomoedas, geralmente não há fluxo de caixa estrutural ou economia fundamental real em ação; nem é necessária qualquer inovação de blockchain. As barreiras de entrada são praticamente inexistentes.

Quer começar sua própria moeda meme? Basta copiar o código-fonte aberto do último visto, dar um nome a ele, fazer alguns ajustes e o indivíduo já está no negócio. O preço do token será determinado por quão bem sua comunidade o difunde nas redes sociais. Faça com que Elon Musk ou outro influenciador se interesse, e esse investidor ficará rico em pouco tempo. Ou talvez ele possa, pelo menos, reduzir sua dívida com empréstimos estudantis.

Tudo parece um pouco doido. E é. Tudo parece que vai acabar de maneira terrível. E, provavelmente, vai. Alguém, em algum lugar, tem que comprar no topo, estabelecendo o preço mais ridículo para que possa ser impresso nos livros dos recordes para que as gerações futuras riam e se perguntem o que havia de errado com todos nós.

Grandes e pequenas somas de dinheiro serão perdidas. As fotos de perfil nas redes sociais voltarão a ser fotos profissionais. Quando isso irá realmente ocorrer, ninguém sabe. Talvez quando o Federal Reserve dos EUA mudar para uma política monetária mais rigorosa ou quando as contas de poupança inchadas pela pandemia finalmente voltarem ao normal. Ou, talvez, não.

Boom ou falência, o espetacular crescimento e a influência das comunidades online e o fascínio que criaram é o verdadeiro legado de 2021 em diante para o mundo financeiro. Alguns analistas e autores começaram a chamar o fenômeno de "investimento em identidade" (identity investing).

“Todos os investidores, em minha experiência, se comportam de uma maneira amplamente consistente com sua personalidade básica neste ano”, disse Chuck McNaughton, consultor sênior de patrimônios da ScotiaMcLeod.

Ele estava falando principalmente sobre ações e títulos e a tolerância ao risco apropriada para cada um. Mas será que alguns investidores agora se identificam com o desenho de um cachorro da raça shiba inu? Ou o desenho de um macaco? Bem, bem-vindo a 2021.

“É fácil achar graça nisso, mas é real”, disse Steve Kurz, chefe global de gerenciamento de ativos da Galaxy Digital, empresa de investimentos em criptomoedas, durante uma entrevista no podcast What Goes Up (O que está em Alta) em novembro. “O indivíduo usa aquele distintivo e passa a possuir uma porção dessa rede à medida que ela cresce. Temos que imaginar um mundo onde o investimento na identidade tenha valor”.

Quem sabe quais desses novos ativos acabarão valendo a pena manter, da forma como valia a pena manter as ações da Apple e da Amazon durante e depois da quebra das pontocom, quando o índice Nasdaq Composite despencou quase 80%. Mas alguns certamente valerão. É só fechar os olhos e já se pode ver na enxurrada de criptomoedas o surgimento do que os que acreditam nisso chamam de Web3 – uma nova internet do futuro construída em torno da tecnologia blockchain que alimenta todos aqueles tokens e projetos de arte.

“Como o Facebook, do qual não sabíamos qual seria o modelo econômico ou a avaliação até bem depois do crescimento da rede, é possível que estejamos apenas nos estágios iniciais disso”, disse Kurz. “E eu acho que seria tolice desprezar o valor de algumas dessas coisas.”

A multidão com olhos de laser certamente dirá que, se a pessoa descartar o futuro, então ela é NGMI (Not Gonna Make It ou Não Vai Ser Nada na Vida). Mas seria ainda mais idiota neste ponto ignorar as lições do passado, nem mesmo é preciso ir tão longe para o episódio das pontocom.

As ações de memes e criptomoedas não são como bolhas que inflam continuamente, mas como uma série de ondas que já se ergueram e bateram na praia, apenas para serem seguidas pela próxima. O ARK Innovation ETF – fundo pesado de ações da Tesla e de Bitcoin de Catie Wood que decolou em 2020 e atingiu o pico em fevereiro – está quase 40% abaixo de seu ponto máximo. A AMC está mais de 60% abaixo do preço que atingiu no último verão. A Dogecoin foi se enfraquecendo conforme aumentaram os NFTs.

Não obstante, um mercado em alta em geral pode ter protegido investidores de grande parte dessa dor, ao mesmo tempo que cria a sensação de que sempre se encontrará algo subindo. “Hoje existe uma nova geração de investidores entrando no mercado que não experimentou as grandes perdas do passado”, diz Christine Benz, diretora de finanças pessoais da empresa de pesquisa de fundos Morningstar.

Mas as avaliações são altas mesmo para o simples S&P 500, e o gigante da gestão de fundos Vanguard Group está dizendo aos investidores para esperar retornos muito mais modestos na próxima década. Benz relembra o que aconteceu com muitos traders após o fracasso do ano 2000: as pessoas desistiram não apenas das ações específicas mas também “da ideia de serem investidores individuais em ações”.

Teremos que ver se esse será o caso com esse novo e deslumbrante mundo do investimento em identidade. Nesse ínterim, muitos se perguntam se e quando essa narrativa do Facebook irá colidir com o enredo da criptomoeda, e se a Web3 acaba sendo o sistema financeiro do metaverso. Mas, para qualquer um que esteja usando os óculos de realidade virtual e mergulhando de cabeça, lembre-se: a realidade pode ser virtual. O dinheiro que você está investindo, não.

*Com Claire Ballentine.

**Tradução de Anna Maria Dalle Luche.

Acompanhe tudo sobre:BitcoinBlockchainCriptoativosCriptomoedasElon MuskEXAME-no-InstagramGamesNFTsRedes sociaisTwitter

Mais de Invest

ETF da Argentina bate recorde de investimentos e mostra otimismo de Wall Street com Milei

Ibovespa avança à espera de fiscal e bolsas americanas perdem força após ata do Copom

BC comunica vazamento de dados de 1,3 mil chaves do Pix, o 12º do ano

B3 lança novo índice que iguala peso das empresas na carteira