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Análise: No caso Petrobras, Bolsonaro implode confiança de gestores

Como separar o que é ruído do que é uma indicação da forma como será conduzida a gestão de uma estatal? Essa é uma das perguntas que gestores se fazem neste momento

 (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

(Marcelo Camargo/Agência Brasil)

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Da Redação

Publicado em 20 de fevereiro de 2021 às 10h58.

Bastou uma declaração com ares intervencionistas do presidente Jair Bolsonaro para uma das maiores companhias do Brasil, a Petrobras, deixar na mesa do mercado financeiro nada menos do que 28 bilhões de reais em valor de mercado – e abrir, entre gestores de fortunas do mercado financeiro, um temor que há tempos não se via: o de ingerência nas estatais e populismo. Quem chega agora ao mercado financeiro se pergunta: é para tanto? A resposta entre profissionais é: sim, é para tanto. Aliás, é até para mais.

A EXAME ouviu alguns porta-vozes, todos na condição de anonimato: sentem dificuldade de traçar cenários, sentem desconforto com o momento e temem até mesmo que o evento transborde ainda mais para outras estatais grandes, outros mercados, como câmbio e juros, e até mesmo para a expectativa com a agenda de reformas – o que parece ser o último bastião do investidor. Trata-se de um risco de quebra de confiança, um tipo de teste bastante complicado de ser feito em um ano de ressaca pandêmica e contas públicas flageladas.

Nos bastidores, diversos gestores se queixam do novo capítulo de um Brasil que imaginavam ter ficado no passado. “Acabou com meu final de semana”, reclama um profissional veterano de uma grande gestora, que ainda avalia os impactos para a casa e que tem ações da companhia, tanto por considerá-la barata demais em relação ao seu valor justo quanto pelo ciclo de alta de commodities atual.

A Petrobras entrou em rota de queda no pregão da sexta-feira logo no começo da tarde, depois que o presidente afirmou, com todas as letras, que mudanças seriam feitas na empresas. Neste caso, promessa, infelizmente, foi dívida: o pregão fechou e, na sua conta do Facebook, Bolsonaro declarou que indicaria o general Joaquim Silva e Luna, atual diretor-geral brasileiro da Itaipu Binacional, para o cargo de CEO da estatal petroleira, cadeira ocupada por Roberto Castello Branco. A declaração do presidente veio antes do comunicado oficial de quatro linhas do Ministério de Minas e Energia, informando que procederia à indicação de Silva e Luna.

Quem referenda a decisão é o conselho de administração. Portanto, a novela não terminou. Mas quem é investidor de companhias estatais na bolsa sabe muito bem que só uma sugestão, um atropelo, um sinal de recrudescência, tem poder suficiente para levar o mercado a amargar prejuízo.

Esse é o tipo de dinâmica que pode acontecer com qualquer companhia, mas é especialmente importante nas sociedades de economia mista porque nelas habita uma estrutura um pouco diferente das demais, tratada em leis específicas como a 13.303/2016: o controle acionário pelo governo, dividido com investidores privados.

Isso significa que indicações da diretoria feitas pelo controlador – o governo federal, neste caso – são tratadas com muita sensibilidade, já que ali se desenha (ou não) o compromisso de atuar alinhado ao interesse público e de forma compatível com objetivos econômicos.

O grande desafio de investir é sempre saber separar o que é ruído do que é fundamento, mas como saber isso no caso de empresas que dependem da condução do governo? Como separar o que é ruído do que é uma indicação da forma como será conduzida a gestão de uma estatal? Como assegurar que uma companhia vai se preocupar fundamentalmente com o seu objetivo econômico e o zelo pelos seus acionistas? Quanto vale a empresa nesse contexto?

Essas são as perguntas que grandes gestores, entre detentores ou não de ações da Petrobras, fazem-se neste exato momento. E logo agora, em que a agenda fiscal tentava esboçar um avanço e a Petrobras, conduzida com alinhamento à governança corporativa e na venda de ativos, era o menor dos problemas.

“Bastante graves esses eventos... Aliás, bastante tristes. E bem na hora em que a empresa e o país iam começar a lucrar com esse ciclo de alta das commodities”, resigna-se um gestor de um grande fundo que detém posição na Petrobras. “Acho bastante difícil o conselho de administração aceitar a indicação do Silva e Luna, a maneira que foi feito [o anúncio] deixa explícita a interferência política. Isso pode tumultuar até mesmo as vendas de refinarias... Quem vai querer investir bilhões em refinarias em um país com esse tipo de interferência?”

“Não temos posição na Petrobras, mas achei a decisão muito ruim, porque questiona sim a liberdade de reajustar seu preço”, limitou-se a afirmar outro profissional, no momento sem interesse em investir no papel antes de ter melhor visibilidade sobre o futuro.

A gravidade da condução do anúncio de troca do comando da Petrobras reside sobretudo no discurso intrusivo e incisivo usado pelo presidente ao demonstrar o seu descontentamento com a alta no preço dos combustíveis, gerada pelo repasse do petróleo – uma prerrogativa que a Petrobras tem assegurada pelo seu estatuto. Para fazer frente ao impacto gerado para grupos de interesse do governo – os caminhoneiros, sobretudo –, o presidente Bolsonaro tratou de zerar impostos sobre combustíveis por dois meses. Aparentemente, não foi suficiente.

“A empresa vinha sendo negociada em bolsa já muito descontada [barata, no jargão do mercado] e esses momentos de estresse em geral podem trazer boas oportunidades. Mas é um desastre, outros ativos pode sofrer muito no processo e as coisas podem demorar a se encaixar”, afirma outro gestor de um grande fundo.

Resta a dúvida a respeito do tamanho e da duração do ruído até ele se dissipar ou, por outro lado, o quanto as indicações feitas por Bolsonaro representam um catalisador de mudança na tese tanto para a empresa quanto para a própria visão do investidor sobre o governo e a sua tão prometida agenda liberal.

*Juliana Machado é jornalista e especialista em fundos de investimento da EXAME Invest Pro.

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