Gustavo Franco: nenhum cargo importante pode ser deixado para trás, e tudo tem de estar decidido antes do recesso parlamentar, ou seja, antes de 16 de dezembro (Dado Galdieri / Bloomberg/Getty Images)
Karla Mamona
Publicado em 7 de dezembro de 2022 às 06h25.
Segue indefinida a formação do novo governo, mas debaixo de conversas intensas que devem ser encerradas em prazos apertados. A transição política entre grupos aguerridamente opostos é tensa e precisa obedecer a datas cruciais. Nenhum cargo importante pode ser deixado para trás, e tudo tem de estar decidido antes do recesso parlamentar, ou seja, antes de 16 de dezembro.
Vive-se um clima de parlamentarismo, tendo em vista a construção política que o novo presidente precisa empreender.
Lula vai formar um ministério em absoluta sintonia com o Legislativo, em primeiro lugar porque precisa passar uma PEC arrumando espaço (mas não recursos) para o orçamento pelos próximos quatro (dois?) anos, e não há nada de simples em ter 3/5 das duas casas, duas vezes para um governo que sequer se sentou na cadeira.
Além da PEC, fica definida a “base governista”, assunto que se resolve junto com a eleição dos presidentes das duas casas para os próximos biênio. Tudo isso nas próximas duas semanas, o que parece bem encaminhado.
Discute-se o aspecto específico da PEC, se o waiver será por quatro anos ou menos, e qual o valor exato do extra-teto. São resoluções importantes, mas cujos detalhes cruciais deverão ficar para depois, quando o comando da economia tiver a sua definição.
Por ora, o grande risco é o de Nova República, e que desponta todas as vezes que se ouve a palavra “governabilidade”. Em 1985, este era o principal álibi para a irresponsabilidade, e do qual resultou a hiperinflação. Não esquecer que a Nova República começou com a inflação em 100% ao ano, como na Argentina de hoje, e terminou com 82% ao mês, em março de 1990 com o Plano Collor.
A irresponsabilidade fiscal, sobretudo quando enrolada na bandeira da governabilidade e da defesa da democracia, pode nos levar ao caos.
Esse alerta precisa ser feito, pois a coalizão que se desenha, construída a partir de várias vertentes do chamado “Centrão” – inclusive incorporando o atual presidente da Câmara, o deputado Artur Lira –, não tem “vinculações históricas”, ou “associação programática”, com a responsabilidade fiscal.
É fácil associar-se ao conceito da governabilidade a qualquer preço, mas é justo que se observe que o Parlamento parece compreender a importância dos “pesos e contrapesos”, outro conceito muito importante para os regimes democráticos. Já é claro de se ver que uma PEC muito generosa resultaria em um Executivo que não teria muitas razões para retornar ao Parlamento durante os próximos anos. O Legislativo compreende bem essa lógica e sabe como fazer para cobrar caro e parcelado pela sua parceria.
É nesse contexto que se dá a escolha do novo ministro da Fazenda, e por si só, essa articulação já o esvazia. Tudo isso está sendo costurado sem que o ministro da Fazenda seja mais que uma testemunha dos acordos.
Parece claro também que ainda que pertença à cota do Presidente recém-eleito o ministério da Fazenda, e este vai ser escolhido segundo uma lógica parlamentarista. Por aí se compreende o abandono tácito e incontroverso do conceito de “Posto Ipiranga”, vale dizer, o retorno do desenho clássico dos ministérios econômicos.
Fala-se a todo momento da escolha do ministro da Fazenda, como no parágrafo acima, o que é sintomático: não mais no ministério da Economia. Outros nomes são ventilados para o Planejamento, Indústria e Comércio, bem como para Previdência e Trabalho. O atual ministério da Economia, recorde-se, é fruto da união de cinco dos ministérios que existiam quando Lula foi presidente da última vez. Parece natural que Lula retroaja ao desenho original, inclusive para não sobrecarregar o titular e dispor de outros cargos para acomodar aliados.
De igual modo, é natural que o mercado financeiro reaja mal ao enfraquecimento e divisão da área econômica, especialmente no contexto de uma eleição que não tratou de economia e de um governo que começa, inclusive antes da posse, tirando férias da responsabilidade fiscal. Mas a conclusão da costura política acima descrita deverá repercutir muito bem, com isso dando início oficial aos trabalhos do novo governo.
Não será trivial defender a formação de uma coalizão com o “Centrão”, mas o pragmatismo e a empatia serão ingredientes obrigatórios desse novo desenho. A materialização da coalizão em um ministério será a primeira tarefa importante da nova presidência, e isso parece encaminhado.
*Gustavo Franco é sócio-fundador da Rio Bravo Investimentos e ex-presidente do Banco Central do Brasil. Este artigo faz parte da Carta Estratégias de outubro relatório mensal distribuído pela Rio Bravo a seus clientes e reproduzido com exclusividade pela EXAME Invest.